Interino e pouco conhecido, Ricardo Nunes assume prefeitura de SP sob incertezas
Conservador e filiado ao MDB, novo prefeito teve relações com creches e queixa de violência doméstica sob escrutínio
Principal vidraça eleitoral durante as eleições que terminaram com a vitória de Bruno Covas (PSDB) no ano passado, Ricardo Nunes (MDB), 53, assumirá o comando da maior cidade do país sob uma incógnita: manter os rumos do tucano ou promover uma guinada, dado seu perfil mais conservador e seu histórico como vereador.
As ligações de Nunes com entidades gestoras de creches e uma queixa de ameaça registrada pela esposa, reveladas pela Folha, acabaram servindo de munição contra a chapa de Covas e do então vereador emedebista.
Ideologicamente, Nunes tem um perfil diferente do tucano e é ligado à ala conservador da Igreja Católica. Em 2015, ele atuou contra a chamada “ideologia de gênero”, como conservadores costumam a se referir a menções à diversidade sexual.
Em entrevista à Folha no domingo (2), véspera de assumir interinamente o cargo durante licença do titular, ele afirmou que não pensa em fazer nenhuma mudança nos rumos da prefeitura e disse que iria consultar o tucano antes de tomar decisões importantes.
Enquanto ocupava o posto de prefeito em exercício, durante a licença de Covas, defendeu que o momento era de união e que manteria o direcionamento do Executivo. Políticos do MDB, no entanto, já começaram uma movimentação discreta, pedindo apoio na cidade, que irritou os aliados mais próximos de Covas.
Para apaziguar uma disputa política indelicada enquanto o mandatário eleito tratava o problema de saúde, Nunes pregou união e ganhou apoio de alguns dos tucanos próximos a Covas, como Edson Aparecido.
Durante o período em que foi vice de Covas, o emedebista foi descrito como atuante, discreto, solícito e cordial mesmo por alguns políticos da oposição.
Seu estilo é pragmático, com bom trânsito com a oposição e boa relação com vereadores do PT —e chegou a apoiar a gestão de Fernando Haddad (PT) na prefeitura. Além disso, atualmente é próximo do presidente da Câmara, Milton Leite (DEM).
Mas seu nome, escolhido em meio a uma série de costuras que envolviam não só as eleições de 2020 como a de 2022, nunca foi um consenso.
Entre políticos mais conhecidos cogitados para a chapa de 2020, como Marta Suplicy e Celso Russomanno (Republicanos), Nunes foi escolhido para trazer o MDB (e seu tempo de TV) para a megacoligação de Covas e como aceno a um potencial apoio do partido ao projeto presidencial do governador João Doria (PSDB), interessado em apoio do MDB.
A ideia da campanha de Covas era transformar o político pouco conhecido na cidade em um símbolo do combate à corrupção, ressaltando sua atuação na CPI da sonegação tributária na Câmara Municipal, que investigou bancos.
Na ocasião, o então vereador era citado em investigação do Ministério Público para apurar relação de políticos com entidades e também aluguéis de imóveis das creches terceirizadas. Reportagens da Folha mostraram que Nunes é próximo de entidades gestoras de creches terceirizadas e de donos de empresas locadoras dos imóveis onde funcionam as escolas ligadas a essas instituições.
A apuração encontrou empresas ligadas a funcionários da prefeitura indicados por Nunes que fazem negócios entre si e também com as creches. Além disso, detectou parentesco entre servidores ligados ao vereador e membros das entidades, além laços com donos de empresas que faturam com aluguel.
Nunes afirma que os vínculos se formaram com pessoas da mesma região em que vive, na zona sul de São Paulo, feitos antes de ter sido eleito vereador da cidade, a partir de 2012. A presidente de uma entidade já trabalhou com Nunes anteriormente e se referiu a ele, nas redes sociais, como chefe.
De acordo com Nunes, isso não afetou sua atuação como fiscalizador, uma das funções dos vereadores.
O modelo de creches conveniadas é investigado pela Polícia Civil, mas o vice-prefeito eleito não aparece nessa apuração policial. A Folha descobriu, no entanto, que uma das entidades gestoras de creches próxima a Nunes teve entre os fornecedores empresas investigadas no inquérito.
Essa mesma entidade gestora de creches também contratou como prestadora de serviços uma empresa da família do próprio Nunes, a Nikkey Serviços, em pagamentos de R$ 50 mil, conforme Nunes disse ao jornal O Estado de S. Paulo.
O novo prefeito também foi objeto de um boletim de ocorrência de violência doméstica, ameaça e injúria registrado por sua mulher, Regina, em 2011, conforme revelou a Folha. Os dois, que têm uma filha, continuam casados, e hoje ela nega ter havido agressão.
O documento policial obtido pelo jornal traz o relato de Regina, que disse à época que deixou Nunes “devido ao ciúmes excessivo” dele.
“Inconformado com a separação, [Nunes] não lhe dá paz, vem efetuando ligações proferindo ameaças, envia mensagens ameaçadoras todos os dias e vai em sua casa onde faz escândalos e a ofende com palavrões. Afirma a vítima que diante da conduta de Ricardo está com medo dele”, diz um dos trechos do boletim de ocorrência assinado por Regina.
Na ocasião da publicação da reportagem, Regina afirmou que havia dito no boletim de ocorrência coisas que não são reais. Depois, em meio a críticas de adversários de Covas, mudou a versão e afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo não se lembrar de ter feito o boletim de ocorrência.
O assunto serviu de artilharia para a campanha rival, que redobrou os ataques no segundo turno, com vídeos e memes —o então vereador reclamou no plenário da Câmara que se tratavam de “ataques desleais”.
A chapa saiu vitoriosa mesmo assim. “[Nunes] sofreu muito durante esta campanha. Mas esteja certo, Ricardo, que a partir de 1º de janeiro nós vamos governar e nós vamos mostrar para São Paulo quem nós somos e qual é a nossa visão de mundo”, disse Covas, ao ser reeleito.
“Tenho certeza que todo o sacrifício vai falar a pena pelo trabalho que nós vamos desenvolver juntos na Prefeitura de São Paulo.”
Na ocasião, Nunes afirmou que era “fiel escudeiro” de Covas.
Além de político, Nunes é empresário, fundador da empresa Nikkey, que hoje possui diversas filiais. Foi presidente da AESUL (Associação Empresarial da Região Sul) e fundou a ADESP (Associação das Empresas Controladoras de Pragas do Estado de São Paulo) e a ABRAFIT (Associação Brasileira das Empresas de Tratamento Fitossanitário e Quarentenário).