Intervenção no Rio chega ao fim com menos roubos, mas sem reduzir mortes violentas
Em 16 de fevereiro, o presidente Michel Temer (MDB) assinava o decreto que transferiu de…
Em 16 de fevereiro, o presidente Michel Temer (MDB) assinava o decreto que transferiu de maneira inédita o comando das polícias, dos bombeiros e do sistema penitenciário do Rio de Janeiro para as mãos do governo federal. Dez meses e duas semanas depois, a medida chega ao fim nesta segunda-feira (31).
Daquele dia até aqui, a intervenção liderada pelo general Walter Braga Netto conseguiu reduzir os roubos no estado, implantar melhorias administrativas nos órgãos de segurança e comprar materiais para as corporações, então em péssimas condições.
Por outro lado, a intervenção federal não reduziu as mortes violentas, viu os tiroteios se intensificarem e a letalidade policial atingir o maior patamar dos últimos 16 anos. E, até agora, sem esclarecer o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em março.
A intervenção também só conseguiu usar 8% da verba de R$ 1,2 bilhão disponibilizada pela União –e ainda pode ver até um quarto desse dinheiro voltar aos cofres federais caso não consiga vinculá-lo a projetos nestes últimos dias.
A ação federal foi decretada às pressas e sem um plano pronto logo após o Carnaval, quando cenas de roubos em áreas ricas do Rio ganharam as TVs, e teve forte cunho político -proibido de mudar a Constituição nesse período de intervenção, Temer acabou abandonando a reforma da Previdência.
Foram traçados seis objetivos (apresentados só quatro meses depois), entre eles diminuir os índices de criminalidade, integrar e recuperar a capacidade dos órgãos de segurança pública e melhorar sua gestão, impedindo influências políticas.
Na visão do interventor Braga Netto, todos eles foram cumpridos, conforme defendeu a apoiadores em uma apresentação sobre os legados do período. Ele e o secretário da Segurança, general Richard Nunes, não quiseram dar entrevista à reportagem durante a intervenção nem ao final dela, apesar de pedidos da reportagem.
No evento, o militar citou como principais heranças da “grande operação de gestão feita” a articulação dos órgãos, a meritocracia, a motivação dos servidores e uma cultura de planejamento no setor, com a elaboração dos planos estratégico, orçamentário e de transição.
A cientista social Silvia Ramos, porém, avalia que a maior parte das energias foi concentrada em operações e pouco em reestruturação e inteligência. Ela coordena uma equipe de pesquisadores da Universidade Cândido Mendes que acompanhou a intervenção diariamente desde seu início.
O período ficou marcado por megaoperações contra o tráfico em comunidades envolvendo milhares de policiais e militares. Agosto, por exemplo, foi um mês sangrento. Uma ação que durou cinco dias nos complexos da Penha, Alemão e Maré (zona norte do Rio) acabou com cinco civis e três militares mortos. Segundo o gabinete de intervenção, no total foram quatro militares mortos em operações desde fevereiro e houve 202 eventos de disparos contra as tropas.
“Reforçou-se a lógica de que o problema está nas favelas e de que segurança se resolve com confronto”, diz Silvia Ramos. “Enquanto isso, as polícias continuam numa era pré-informatização, com ocorrências em papel, sem controle automatizado de munições e com a perícia sucateada.”
Rafael Barcia, presidente do Sindelpol (sindicato dos delegados do RJ), concorda: “Se bateu na mesma tecla que tem se mostrado equivocada: ostensividade. Crime organizado se resolve com tecnologia, inteligência e investigação de lavagem de dinheiro, e vi avanços tímidos durante a intervenção.”
A Polícia Civil recebeu até esta quarta-feira (26) apenas 3% (R$ 3 milhões) do dinheiro já gasto, sendo que as Forças Armadas tiveram 83%. Os recursos só começaram a chegar em abril e têm que passar por um rígido processo de licitação –o gabinete de intervenção treinou 150 funcionários estaduais para melhorar a gestão financeira.
Edson Fernandes, presidente da Aperj (associação de peritos do RJ), reclama que a perícia recebeu menos de um terço da verba que pediu. “Foram comprados alguns aparelhos, mas causa frustração porque nos empenhamos em fazer processos para aquisições e agora eles dizem que não dará tempo.”
Segundo ele, as condições de trabalho permanecem precárias. “Não temos nem luvas suficientes e em muitos postos regionais tem que se fazer rateio para pagar limpeza básica.” Um caso emblemático no campo da investigação durante a intervenção foram as mortes de Marielle e Anderson. O ministro da Segurança, Raul Jungmann, chegou a afirmar em maio que a solução estava próxima. Quase dez meses depois, o crime continua sem respostas.
Do lado da Polícia Militar, o presidente da AME (Associação de Oficiais Militares do RJ), coronel Fernando Belo, comemora os resultados da intervenção, destacando a retomada do efetivo, o resgate do respeito aos valores da corporação e os novos equipamentos. “Não poderíamos esperar mais, o tempo era muito curto”, diz.
Mais de 1.800 agentes, por exemplo, voltaram ao policiamento ostensivo após a reavaliação de licenças médicas e a extinção de 11 das 38 UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). A PM corresponde a 9% do dinheiro já gasto pelos interventores e a 45% do empenhado no orçamento.
No sistema penitenciário, Gutembergue de Oliveira, presidente do sindicato da categoria, elogia melhorias administrativas e compras, mas critica a influência política ainda forte. “Fora isso, continuamos com os mesmos problemas de déficit de servidores, unidades muito cheias, funcionários mal distribuídos”, afirma.
No Corpo de Bombeiros, que representam só 5% da verba empenhada, “a intervenção serviu mais para mexer na estrutura da carreira”, opina o subtenente Mesac Eflaín, presidente da Abmerj (associação dos bombeiros militares do RJ). “As demandas também continuam as mesmas, como redução drástica no efetivo, congelamento nas promoções, lentidão na convocação de concursados e problemas estruturais”, afirma.