ESTUDO

Isolamento social pode ter poupado 118 mil vidas em maio no Brasil

Projeção de professores da UFRRJ simulou cenários levando em conta dados do modelo epidemiológico da Covid-19 Brasil

Atrás de renda e sem home office, pobres morrem mais de Covid (Foto: Amanda Perobelli/Reuters)

O isolamento social em maio pode ter poupado 118 mil vidas no Brasil. Essa é uma das principais conclusões de um estudo inédito realizado por professores da área de estatísticas econômicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Tomando por base dados de como  país, taxa de isolamento e diferenças regionais, os professores estimaram que a cada 1% de aumento no isolamento social havia uma redução na taxa de crescimento do vírus de até 37%.

— Fizemos uma equação estudando a transmissão do coronavírus. Com base nos dados de isolamento social que levam em conta o monitoramento por GPS de celulares, observamos como o vírus se espalhou nos estados brasileiros, com diversos graus de distanciamento.

Assim, conseguimos ver como teria sido a pandemia sem isolamento social, obtendo um número projetado de casos e, aplicando a taxa de letalidade do modelo epidemiológico da Covid-19 Brasil, chegamos a algumas estimativas de mortes que foram evitadas —  afirmou o professor Caio Chain.

Ou seja, em maio, o isolamento social médio no país, de acordo com estes dados de GPS, tomando por base o levantamento sobre Covid-19 da inloco.com.br, foi de 44%, e o mês terminou com 29.367 mortes. Pelo exercício, se o isolamento social tivesse sido de 25%, como era em fevereiro (ou seja, a média normal do país, pois nem todas as pessoas saem de casa todos os dias), tanto o número de casos como o de mortes seria muito maior.

Esse cálculo foi feito comparando as diferenças de casos e mortes nos estados com diferentes níveis de isolamento social, o que serviu de base para as projeções.

No cenário mais provável, em que os professores ponderam as médias, maio teria terminado com 147.447 mortes, número cinco vezes maior do que o registrado oficialmente (29.367 óbitos registrados), ou seja, 118.080 vidas teriam sido salvas de acordo com essa projeção estatística.

O mesmo exercício indica mais de 13 milhões de infectados, para o mesmo período, sem as medidas de restrição social. Segundo o modelo da Covid-19 Brasil, o país terminaria maio com 3.590.795 casos, enquanto que os dados oficiais indicavam 514.992 casos.

“O coeficiente da relação entre o isolamento social e a transmissão do vírus foi de -37,51, indicando que cada elevação de 1% no isolamento tende a reduzir em 37% a taxa de crescimento da transmissão. Em outras palavras, a elevação do isolamento reduz a taxa de transmissão do vírus de forma significativa e mais que proporcional”, afirma o estudo.

As atas do Comitê de Operações de Emergência (COE) mostraram que o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, foi alertado sobre os benefícios do isolamento social como medida para reduzir o impacto da pandemia na saúde e na economia. A informação foi revelada nesta quinta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pelo GLOBO.

Em outra reunião no dia 25 de maio, técnicos do COE disseram que, sem isolamento, o país poderia levar até dois anos para controlar a pandemia. Mesmo assim, o ministro se manifestou posteriormente a favor da reabertura do país em diferentes ocasiões.

Isolamento no Brasil foi menos eficiente que ‘lockdowns’ europeus

O levantamento ainda sugere outros dois cenários, devido ainda ao comportamento muito desconhecido do vírus. No cenário mais otimista, sem isolamento social, maio teria terminado com 81.405 mortes, 52.038 a mais do que o efetivamente registrado. Por outro lado, no cenário mais pessimista, o mês teria fechado com 213.459 óbitos, 184.092 a mais que o registrado.

Chain, que realizou o estudo com os professores Joilson Cabral, Maria Viviana Cabral e Everlam Montibeler, explica que utilizou em seu exercício os dados do modelo epidemiológico da Covid-19 Brasil, grupo de pesquisadores que tenta aferir o real impacto do vírus, estimando os casos subnotificados em todo o país. Os professores, então, calcularam aplicada a taxa de letalidade de 1,1% estimada pela Covid-19 Brasil em suas projeções.

Os professores compararam seus resultados com estudos semelhantes pelo mundo, que tentam mostrar a eficácia das medidas tomadas por diferentes países contra a pandemia. Neste caso, indica o estudo, o isolamento brasileiro teria sido menos eficiente que os “lockdowns” (fechamentos totais) adotados em países europeus.

“O número de óbitos no Brasil em um mês, no cenário provável, seria 5 vezes maior sem as medidas restritivas, o que indica um isolamento pouco eficiente. As estimativas, publicadas na revista científica Nature, verificaram que o número de mortes na Europa (11 países analisados) seria de 3,2 milhões de pessoas em vez de 129 mil, 25 vezes mais, se não fosse o conjunto de medidas de isolamento (“não farmacológicas”) adotado pelas autoridades entre março e abril, início da pandemia do coronavírus.

A Itália, que foi o epicentro mundial da pandemia durante muito tempo, evitou aproximadamente 630 mil mortes no período analisado, afirma o estudo.

— Enquanto pesquisadores atuando na universidade pública, é importante utilizar nosso conhecimento para gerar informações e discussões relevantes para a sociedade, como no caso da eficiência do isolamento e da necessidade de se monitorar a relação entre economia e a Covid-19 —  afirmou Chain.

“Foi verificado que as medidas de isolamento têm efeito significativo na transmissão do vírus e que foram eficientes para reduzir o número de mortes no Brasil, porém um pouco mais de rigor tenderia a elevar consideravelmente essa eficiência do isolamento social. Recomenda-se que relação entre o nível de atividade econômica, isolamento social e a contaminação pelo coronavírus seja constantemente monitorada, refinada, atualizada e desagregada por regiões para que seja possível ser utilizada como parâmetro para se pensar na reabertura da economia sem desconsiderar o potencial de óbitos ocasionados pela doença”, afirma a conclusão do estudo, que ainda não foi publicado em revistas científicas e, assim, não foi revisado.