Jacarezinho: socorro de policiais a mortos demorou até cinco horas
Cruzamento de dados mostra que homem foi baleado entre 6h30 e 7h e deu entrada no hospital às 12h04
Policiais demoraram até cinco horas para levar baleados no Jacarezinho ao hospital. É o que mostra um cruzamento de dados feito pelo GLOBO a partir de informações dos registros de ocorrência do caso e dos boletins de atendimento médico (BAM). Um dos casos de socorro mais demorado aconteceu com Raí Barreiros de Araújo, de 18 anos. De acordo com informações do registro de ocorrência prestadas pelos próprios policiais civis que o balearam, ele foi baleado entre 6h30 e 7h no Beco da Zélia. Segundo o Hospital municipal Souza Aguiar, o homem deu entrada na unidade, já morto, às 12h04 — portanto, cinco horas depois.
Dados do aplicativo Google Maps, entretanto, mostram que o trajeto de cerca de 11 quilômetros do Jacarezinho à unidade, no Centro do Rio, demora cerca de 25 minutos para ser percorrido. O boletim de atendimento médico descreve que o corpo de Raí chegou ao hospital com um total de nove feridas produzidas por projéteis: três nas costas, três na barriga e três no braço esquerdo. Segundo o documento, o homem deu entrada “já cadáver rígido”. Nos casos em que foi possível cruzar dados de BAM com registro de ocorrência, o número do boletim médico da vítima está citado no documento produzido pela Polícia Civil.
A mesma demora foi registrada nos casos de dois homens — não identificados no registro de ocorrência — baleados “por voltas das 7h” na Rua do Areal, segundo informado pelos policiais na Delegacia de Homicídios (DH). Os BAMs das vítimas registram a entrada de cada um deles, respectivamente, às 12h04 e 12h14 — pouco mais de cinco horas depois.
No registro de ocorrência, os policiais alegam que “as vítimas foram socorridas no veículo blindado, sendo levados para atendimento médico no Hospital Souza Aguiar e, posteriormente, (os policiais) tiveram notícia que os elementos teriam evoluído a óbito, já no hospital”. A versão dos agentes é desmentida pelos BAMs, que confirmam que ambos chegaram ao hospital já mortos. Um deles, segundo o boletim, estava “eviscerado por PAF” — ou seja, com órgãos expostos, fora do corpo — quando deu entrada na unidade. O outro apresentava duas feridas por projéteis de arma de fogo — uma de entrada na barriga e outra de saída, na região glútea. Nos casos em que foi possível cruzar dados de BAM com registro de ocorrência, o número do boletim médico da vítima está citado no documento produzido pela Polícia Civil.
Apesar de não ser possível fazer outros cruzamentos, já que não há dados dos BAMs em todos os registros, o número de pacientes cuja demora no socorro chega a cinco horas pode ser ainda maior. O levantamento revela que apenas quatro das 27 vítimas foram baleadas após as 11h, segundo dados dos boletins de ocorrência, cuja fonte são os próprios policiais que participaram de cada um dos casos. Mais da metade dos mortos — 17 — foram baleados antes das 8h. No entanto, segundos os BAMs, 19 homens levados ao Hospital Souza Aguiar deram entrada na unidade, já mortos, depois das 11h30.
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O horário mais tardio de entrada dos mortos no Jacarezinho no Souza Aguiar naquele dia foi às 13h55. A última ocorrência registrada durante a operação aconteceu “por volta das 12h”, quando dois homens foram mortos dentro de uma casa na Rua São Manuel. Como todos os mortos foram socorridos a hospitais, nenhuma cena do crime foi preservada para a perícia.
A operação foi a mais letal da história do Rio. Além dos 27 mortos pela polícia, a ação também teve um policial morto, o inspetor André Frias, de 48 anos, baleado na cabeça por traficantes. O GLOBO também teve acesso ao BAM de Frias, único dos baleados naquele dia a chegar ainda vivo a uma unidade de saúde, segundo a equipe médica que o atendeu. Segundo o documento, o socorro ao policial foi muito mais rápido do que o dos outros mortos: Frias foi baleado por volta das 6h e apenas 46 minutos depois deu entrada no Hospital Salgado Filho. Ele ainda foi medicado e intubado antes de morrer, às 7h15.