Racismo

João Alberto: ações indenizatórias pedem R$ 300 mi a Carrefour e Vector

Desde o dia do crime, dois seguranças estão presos e, junto com outras quatro pessoas, são réus por homicídio triplamente qualificado

(Foto: Reprodução Twitter)

O Carrefour e a empresa de segurança Vector são alvos de duas ações indenizatórias pela morte do cliente negro João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, após ser espancado por seguranças na unidade da zona norte de Porto Alegre, em 19 de novembro. Há ainda três inquéritos civis públicos instaurados por órgãos diferentes – um deles pede reparação por dano coletivo apenas do Carrefour, mas não estipula valores.

Desde o dia do crime, dois seguranças estão presos e, junto com outras quatro pessoas, são réus por homicídio triplamente qualificado.

Juntas, as duas ações pedem R$ 300 milhões em danos morais e sociais. A DPE-RS (Defensoria Pública do Rio Grande do Sul) cobra R$ 200 milhões enquanto o movimento negro, representado pela ONG Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e carentes) e pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos, exige mais R$ 100 milhões.

Os valores arrecadados serão destinados para fundos contra racismo. No caso da ação da Defensoria Pública são apontados três destinos para o dinheiro: um fundo municipal a ser criado para proteção contra a discriminação da população negra; fundo estadual de defesa do consumidor ou para o FRBL (Fundo para Reconstituição de Bens Lesados) – este último também foi indicado na ação do movimento negro.

Por enquanto, as ações estão em andamento. Uma audiência de conciliação foi marcada para o dia 28 de dezembro entre Carrefour, Vector e os órgãos públicos.

O Carrefour afirmou, em nota, que “está ciente das ações individuais e coletivas em andamento e está atuando de maneira colaborativa a fim de celebrar acordos e alcançar compromissos, de modo a contribuir para a luta contra a desigualdade racial e social, repudiando qualquer tipo de violência e agressão em suas unidades.” A empresa disse ainda que “está comprometida em prestar todo o suporte necessário à família do Sr. João Alberto e segue à disposição dos órgãos para contribuir com todas as informações necessárias.”
A Vector não respondeu aos questionamentos da reportagem.

“Psiquismo coletivo”

Na ação da DPE-RS, os cinco defensores públicos que a assinam o documento afirmam que a morte de João Alberto afetou o “psiquismo coletivo”, sendo desnecessária a verificação de dano individual já que “a prática abusiva alcançou uma coletividade de pessoas em sua vulnerabilidade”.

“A prática abusiva concretizada pelos corréus, por ofenderem a diversos direitos que envolvem a segurança, a vida, a incolumidade, a não discriminação, o respeito às diversidades, o respeito ao consumidor, o respeito ao negro e ao pobre, a integridade física, a honra, etc., transcendem o mero dissabor dos transtornos cotidianos, configurando efetivo dano moral passível de reparação integral”, argumentam os defensores públicos.

Segundo os representantes do órgão, é “imprescindível a reparação do dano moral coletivo” para evitar maior indignação, descrédito e desalento da população com o sistema político-jurídico.

Para justificar os danos sociais, os defensores públicos fazem referência a própria cena das agressões, seguida da morte de João Alberto, e a repercussão nacional e internacional do caso.

“A morte de João Alberto Silveira Freitas não fez apenas uma vítima, mas impôs sofrimento imensurável à sua esposa, Milena Borges Alves, que presenciou as cenas de violência extrema, e a todos – familiares, amigos, desconhecidos – que assistiram estarrecidos às imagens dos seus últimos minutos de vida, marcados por agressões brutais e desproporcionais”, observam os defensores na ação.

“O dano social causado a toda população brasileira, mas principalmente à população negra, é irrefutável. Os sentimentos de dor, revolta e injustiça, somados à constante sensação de medo precisam ser combatidos com ações concretas, entre elas, a alocação de recursos necessários para viabilização de políticas que de fato sejam capazes de romper com o racismo”, complementam.

Passado escravocrata

Já a ação do movimento negro destaca que ato dos seguranças “não se dirigiu apenas à figura do negro submetido a tratamento cruel e degradante”, mas tem um sentido mais amplo. “Seu objetivo foi o de servir como mensagem social, qual seja: quem entrar em conflito com funcionários nesta rede de supermercados, por mais insignificante que seja, será submetido ao mais grave tratamento punitivo: tortura até a morte.”

As entidades consideram que a “simples brutalidade” reforça os abusos cometidos contra a população negra.

“Os resquícios da escravidão na realidade atual do Brasil são redundantes: até hoje, negros sofrem negligência de seus direitos civis básicos; os negros são as principais vítimas da violência; o desemprego atinge os negros mais acentuadamente; os trabalhadores negros recebem remuneração inferior; os consumidores negros são tratados com indignidade por seguranças e empregados de estabelecimentos comerciais; e a injúria racial é frequente nos ambientes de trabalho, em eventos esportivos, e também nas redes sociais”, complementa.

Para o movimento, a morte de João Alberto afeta a autoestima, dignidade e honra de toda população, especialmente dos negros, provocando “intenso sofrimento moral, dor, humilhação, repulsa e indignação”.

Inquéritos

O MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) também ingressou com inquérito civil público para reparação por dano moral coletivo. Entretanto, não foi estipulado valores. O UOL tentou contato com a promotora Gisele Müller Monteiro que, por meio da assessoria, afirmou que só falaria após audiência de conciliação marcada para a próxima segunda-feira (28).

Há ainda em tramitação no MP-RS um outro inquérito que pretende apurar como se dá a fiscalização de empresas de segurança por parte da Brigada Militar. Diferente dos outros, a investigação não tem como alvo o Carrefour.

O MPF (Ministério Público Federal também apura a fiscalização a empresas de segurança privada, mas por parte da Polícia Federal. Entre as informações solicitadas está a quantidade de vistorias a Vector pelo órgão, além de informações do contrato – exigido ao Carrefour e Vector.

Além dessas três ações, a família de João Alberto também pretende ingressar com mais duas ações diferentes, por parte do pai dele e da viúva. Procurados pelo UOL, os advogados afirmam que ainda não ingressaram com o pedido.