Prisão preventiva

João de Deus divide cela com advogados e ganha pão com manteiga e achocolatado

O médium João de Deus, 76, passou a primeira noite na prisão em uma cela de 16…

O médium João de Deus, 76, passou a primeira noite na prisão em uma cela de 16 metros quadrados com mais três advogados que também respondem a processos na Justiça. Durante a manhã desta segunda-feira (17), foi servido a ele pão com manteiga e achocolatado.

Suspeito de abusar sexualmente de mulheres, o médium está preso no núcleo de custódia do Complexo Penitenciário de Aparecida de Goiânia. O local é destinado a presos vulneráveis, como idosos e de saúde mais frágil, além daqueles que correm algum tipo de risco.

Os nomes dos companheiros de cela não foram divulgados. As visitas, exceto de advogados, estão proibidas por 30 dias. João de Deus deve receber seu defensor, Alberto Toron, nesta segunda.

O advogado também deve apresentar um habeas corpus à Justiça, pedindo a revogação da prisão ou, alternativamente, que ele seja transferido do regime fechado para o domiciliar. Neste caso, seria monitorado com tornozeleira eletrônica e cumpriria algumas medidas cautelares, como a proibição de atender em seu centro espiritual, em Abadiânia (GO).

Mais de 300 mulheres já fizeram relatos de supostos abusos ao Ministério Público, cujos integrantes devem se reunir com representantes da Polícia Civil nesta segunda para troca de informações.

Depoimento

Após se entregar à polícia neste domingo (16), o médium João de Deus negou em depoimento qualquer tipo de culpa nos abusos sexuais dos quais é acusado e sua defesa tentou desqualificar as denunciantes. “Ele não admite [envolvimento]. Apresenta suas versões e cabe à polícia provar”, afirmou o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes, que acompanhou a oitiva.

O médium falou por mais de duas horas a duas delegadas. Segundo Fernandes, ele respondeu a todas as perguntas e se recordou de alguns atendimentos feitos a mulheres que o denunciaram.
O suspeito disse que a regra era recebê-las coletivamente, e não em recintos individuais, como consta dos relatos de supostas vítimas.

O delegado espera concluir os inquéritos sobre violências relatadas por 15 mulheres em 15 dias, quando será tomada a decisão sobre eventuais indiciamentos. Por ora, os crimes em apuração são os de estupro e posse sexual mediante fraude (usar a fé para obter sexo).

Fernandes disse que a prisão poderá aumentar o número de denúncias. Além dos 15 casos sob análise da polícia, o Ministério Público recebeu centenas de relatos de abusos. “Entendemos que, com a prisão, haverá o encorajamento de vítimas e isso pode levar a um aumento da procura”, declarou.

Ele se referiu à holandesa Zehira Lieneke. “Essa holandesa, estou recebendo informações, com um dossiê, de que tem um passado nada recomendável, o que pode descredibilizar sua palavra. Era uma prostituta e tinha um passado de extorsão.”

Toron disse que terá de ser analisado com serenidade se as pessoas querem se aproveitar da situação para pedir dinheiro ao médium. “O fato de ter sido prostituta, por si só, não a descredibiliza, mas é preciso ver o contexto da vida dessa mulher para ver se ela tem crédito ou não. Isso não fizemos ainda”, acrescentou.

Questionado se seria jogo sujo desqualificar as vítimas, ele respondeu que “acusar falsamente alguém de crime grave” é que seria. “Ele [João de Deus] respondeu a todas as perguntas. De algumas mulheres, ele nem se lembrava”, disse, explicando que alguns atendimentos citados nas denúncias ocorreram há mais de dez anos.

Sobre a filha do médium, que o acusou de violentá-la, o advogado afirmou que ela já fez mais de um vídeo retirando as próprias acusações. “Fica difícil dizer o que acontece com ela. Tem histórico de internações.”

O advogado explicou que, no depoimento, João de Deus atribuiu a existência de centenas de denúncias a uma perseguição. “Ele acha que tem gente que o quer destruir.”

Saque de R$ 35 milhões

O médium não foi questionado sobre suas finanças, mas Toron negou neste que o médium tenha retirado R$ 35 milhões de suas contas bancárias. “O dinheiro não foi sacado. Apenas ele baixou de aplicações, ou seja, não houve nenhuma movimentação. Não saiu do banco”, afirmou. “Ninguém saca R$ 30 milhões do banco. Ele simplesmente baixou suas aplicações para fazer frente a necessidades dele.”

A informação de que o médium retirou os recursos de suas contas foi publicada no sábado pelo jornal O Globo.  O Ministério Público de Goiás foi comunicado de movimentações atípicas nas contas dele pelo Coaf (Conselho de Atividades Financeiras). O relatório do órgão foi usado para embasar o pedido de prisão preventiva.

Toron refutou a suspeita de que o médium pretendia usar o dinheiro para fugir.  “Isso cai por terra quando ele se apresenta. Importante dizer que ele não estava fora do estado, estava nas cercanias de Abadiânia.”

Ele pediu cautela para que não se repita o caso da Escola Base, em São Paulo, cujos dirigentes foram acusados de abusos sexuais contra crianças nos anos de 1990. Houve ampla cobertura jornalística das acusações, que não se comprovaram.

“Temos que entender que há uma complexidade nesses casos, que reclama o escrutínio.”