Jovem gaúcho é resgatado por PM em SP após largar tudo por ‘amor virtual’
Bem antes de a pandemia forçar relacionamentos a distância, o estudante Matheus de Quadros, 18,…
Bem antes de a pandemia forçar relacionamentos a distância, o estudante Matheus de Quadros, 18, construía laços com Luana, o primeiro amor de sua vida, pela internet.
Separados por 1.096 km, as redes sociais eram o meio usado pelo casal para ir se conhecendo, ganhando confiança e mais carinho um pelo outro.
Matheus mora em Gravataí, cidade da região metropolitana de Porto Alegre. Já Luana dizia ser de Osasco, na Grande São Paulo. Ao longo de dois anos de “amor virtual”, Matheus foi guardando dinheiro de bicos que fazia em sua vizinhança, como carpir terrenos.
O dinheiro pingado na carteira foi aumentando até que atingiu o valor suficiente para o sonho: o primeiro encontro presencial do casal. Com R$ 200, Matheus fez sua mochila e comprou a passagem cujo destino final era a rodoviária do Tietê, em São Paulo. “Nunca tinha feito uma viagem tão longa na minha vida”, conta.
Mas, olha o que o amor faz: “Além das minhas roupas, só tinha um pacote de bolachas para comer ao longo da viagem”, diz ele.
O menino que tinha Porto Alegre como referência de cidade grande, a capital de seu estado e onde nasceu, mal sabia que a viagem duraria pouco mais de 20 horas e o levaria para a maior cidade da América Latina.
Sem avisar ninguém em casa, o jovem deixou Gravataí na manhã do último sábado (7) e seguiu, de ônibus, para finalmente ver o amor de sua vida.
O garoto vive na casa da madrinha Jocelaine dos Santos Domingues, 35, na periferia de Gravataí. Ele perdeu a mãe quando ainda era criança e nunca conheceu o pai.
A dona de casa, que trabalhava como diarista antes da pandemia, hoje vive com o salário-mínimo da pensão que recebe do marido, morto há dois anos. A única fonte de renda da casa sustenta os quatro filhos de Jocelaine e o afilhado Matheus.
Naquela manhã de sábado, Jocelaine diz que passou um café no coador e chamou Matheus. Mas ele já não estava lá. “Pensei que tivesse saído para fazer algum trabalho”, afirma.
Mas as horas foram passando, e só no final do dia Matheus deu sinal de seu paradeiro para a “dinda”:
“Tô na estrada indo para São Paulo.”
“Eu li aquela mensagem e meu coração começou a palpitar”, recorda a dona de casa. “Não sabia o motivo e nem o que ele estava fazendo.”
Matheus havia combinado que aguardaria Luana em um banco próximo do desembarque. Nas últimas mensagens trocadas, a menina falou que estaria lá com o pai.
Branca, magra e ruiva, Luana disse ter 16 anos. Atraído pela beleza e pelo papo da adolescente, Matheus sentiu que a proposta da amada o manteria financeiramente longe de casa. “Ela disse que eu moraria na casa dela e trabalharia num mercado onde o meu sogro também trabalha”, diz o jovem.
Tudo estava perfeito.
Mas, ao desembarcar, Matheus olhou a sua volta e não viu a amada, nem o sogro. O atraso seria normal, até porque “o trânsito da cidade grande não é o mesmo que o de Gravataí”.
As horas foram avançando, e Matheus começou a se desesperar. Luana era a única pessoa que ele conhecia, e ela não respondia suas mensagens. Segundo Matheus, a troca de mensagens ocorria apenas por rede social –ela nunca quis passar o celular.
Na rodoviária, ele cochilou em um banco e passou a pedir comida para os viajantes. Ali, sozinho, o garoto não acreditava no que estava acontecendo.
“Só fiz isso porque estava muito apaixonado por ela”, repetia ele.
Já sem esperança de que a amada apareceria, resolveu acionar seu contato de confiança, alguém que não zombaria dele.
Na agenda de seu celular, a pessoa que o resgataria era o soldado Ávila, integrante há nove anos da Brigada Militar, a Polícia Militar gaúcha.
Ávila é um dos sobrenomes de Diogo, que conheceu Matheus com 11 anos, quando deu aulas para o garoto.
Matheus fez parte de uma turma do Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), uma iniciativa das polícias militares do Brasil para ensinar crianças e adolescentes noções sobre cidadania e prevenção às drogas.
O soldado diz que, nas últimas aulas, as crianças aprendem a identificar as pessoas que fazem parte do círculo de confiança delas. “Lá estão os pais, os amigos, os irmãos, a polícia e os bombeiros.”
“Acho que ele se lembrou disso”, afirma o PM. Tanto se lembrou como, desde o curso do Proerd, Ávila virou uma referência para Matheus. “Ele me procurou há um mês para saber como faria o alistamento militar.”
“Passei meu contato para na ocasião e ele acabou se sentindo à vontade para eu ajudá-lo”, diz o PM.
E foi o que aconteceu. “Ávila, eu estou precisando de ajuda. Estou em São Paulo para ver a minha namorada, mas ela não apareceu até agora. Não tenho mais dinheiro. Estou só”, relembra o soldado sobre o pedido de socorro. Ávila, então, acionou os policiais que integram a rede do Proerd.
Matheus já estava havia dois dias comendo às custas de doações.
Em um esforço conjunto, PMs de São Paulo e do Rio Grande do Sul fizeram uma vaquinha de R$ 500 para comprar a passagem de volta e garantir a alimentação do menino no trajeto.
Matheus entrou no ônibus para Porto Alegre no final da noite de terça (9). Diz ter “consumido o cérebro” na longa viagem para entender o que havia acontecido.
Ao desembarcar na noite desta quarta (10) na capital gaúcha, foi recebido por Ávila com um abraço. O menino chorou. O soldado o levou até a casa de Jocelaine, que ficou aliviada ao rever o afilhado.
À reportagem, o garoto diz que, após muito pensar, tem a certeza de que caiu em um golpe. Mas, por sorte, conseguiu um outro desfecho. “Eu poderia ter morrido nessa brincadeira”, diz.
“É o que a gente fala: na pandemia, os contatos a distância aumentaram e, os golpes, também. Os pais precisam reforçar a vigilância sobre seus filhos, ainda mais em trocas de mensagens feitas na internet”, afirma o tenente-coronel Cilon Freitas da Silva, coordenador do Proerd no Rio Grande do Sul.
Já Matheus diz que aprendeu a lição. Bloqueou o perfil da suposta Luana no Facebook e quer seguir a vida. “Vou terminar meus estudos e entrar na Brigada Militar.”