Jovens se politizam com influenciadores e canais nas redes, indica estudo
Segundo pesquisa qualitativa, nova geração extrai informação de comentários e está descolada da política tradicional
Apesar de cada vez mais alienados da política tradicional, os jovens estão se politizando por canais alternativos como influenciadores de maquiagem e estilo de vida no Instagram e YouTube, games online, canais de empreendedorismo, tiktokers, cantores gospel, gurus de investimento e rappers.
Pesquisa qualitativa realizada no Brasil, Argentina, Colômbia e México mostra que os jovens se informam sobre política por meio de canais supostamente não politizados, enquanto rejeitam a política tradicional e meios abertamente partidarizados.
O trabalho foi coordenado pela socióloga Esther Solano, professora da Unifesp, e pela cientista política Camila Rocha, autora do livro “Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil”.
Segundo o estudo, encomendado pela Luminate, a nova geração nos quatro países tem formas alternativas de politização que passam por circuitos online pouco explorados pelas gerações anteriores.
“Vários entrevistados confessam que começaram a ganhar consciência política ao ver comentários nas redes de pessoas que seguiam ou influenciadores de que gostavam, com os quais concordavam ou discordavam”, diz Solano.
Segundo ela, essa geração usa as redes para socializar e, ao mesmo tempo, se engajar politicamente, de forma interconectada.
“O mesmo jovem que segue o presidente Jair Bolsonaro ou o ex-presidente Lula falando de política também assiste a stories de empreendedores que, tangencial ou diretamente, se posicionam politicamente, ou segue um grupo musical que levanta uma bandeira antirracista ou um tiktoker que faz vídeo satírico ridicularizando a última polêmica política do dia”, ela exemplifica.
Eles se identificam com visões de mundo de influenciadores e canais no TikTok, Instagram, YouTube e Twitter, que ajudam a moldar suas posições políticas.
Uma das mais citadas pelos entrevistados foi Juliette, vencedora do Big Brother que tem 33 milhões de seguidores no Instagram.
”O que ela diz tem uma influência enorme, jovens se espelham nela”, diz a pesquisadora.
“Mas eles rejeitam uma tentativa aberta dos influenciadores de partidarizarem ou tentarem politizar o público. Querem uma coisa mais sutil, que não pareça contaminada pelo partidarismo. A mensagem política acontece de forma incidental.”
A pesquisa “Juventude e Democracia na América Latina” realizou 60 entrevistas aprofundadas com grupos de três pessoas com 16 a 24 anos.
Foram entrevistados números iguais de jovens que eram apoiadores da principal liderança de direita ou centro-direita de cada país, da principal liderança de esquerda ou centro-esquerda, e daqueles que não se identificam com as principais opções políticas ou não votaram nas últimas eleições.
Segundo Solano, esses jovens recebem informações políticas principalmente por meio dos comentários e opiniões nas redes sociais, o que os leva a enxergar a política como uma guerra permanente.
“A política chega até eles principalmente em formato de comentário, reação ou debate de uma notícia ou acontecimento, o que faz com que percebam a política totalmente atrelada à dinâmica da polarização, ao discurso de ódio e intolerância tão típicos das redes sociais”, diz.
“Além disso, eles estão informados sobre a polêmica do momento, mas admitem que não fazem ideia de como funcionam os aspectos mais prosaicos da política –o processo de votação de uma lei, quem é o presidente da Câmara e do Senado, a burocracia do Estado e o cotidiano do governo.”
A imprensa tradicional, embora seja avaliada como enviesada e não totalmente confiável, ainda aparece como “porto seguro” diante da proliferação de fake news na internet.
Mas os jovens não se sentem representados por essa mídia tradicional, acham que é uma comunicação unidirecional, sentem falta de canais de comunicação abertos para eles.
“No início desse boom da internet, todo mundo tinha muita esperança, mas agora todos podem falar sobre tudo. Ao mesmo tempo em que você pode achar que a grande imprensa tem um viés político, uma pessoa na internet pode ter muito mais, e sem filtro”, disse um dos entrevistados.
“Eu sigo bastante Twitter, então muitas coisas chegam por lá ou por amigos, mas quando acontece alguma coisa mais relevante, procuro confirmar em portais maiores como Folha, UOL, G1, Globo, porque tem mais credibilidade”, completou.
Para os jovens bolsonaristas, porém, a mídia tradicional está contra Bolsonaro e manipula a informação para atacar o governo. Nesse caso, as lives do presidente e a esfera de influenciadores bolsonaristas são vistos como fonte de informação confiável.
“Uma das consequências de os jovens extraírem a maior parte das informações políticas das redes sociais é que as linhas entre fatos e opiniões começam a se embaralhar, e eles terão dificuldades de diferenciar as duas coisas e chegar a suas próprias conclusões baseadas em fatos”, diz Felipe Estefan, diretor para América Latina da Luminate.
“Outra consequência é que os jovens podem ficar ainda mais polarizados e sua confiança nas instituições pode se reduzir, por causa do tipo de informação que consomem. Influenciadores e personalidades das redes sociais têm incentivos para fazer declarações controversas, bizarras ou simplistas para atrair mais seguidores e engajamento.”
Um dos canais não tradicionais em que circula informação e posicionamento político são os jogos online, citados por vários jovens dos quatro países.
Para muitos, o jogo online não se resume à tarefa de jogar, mas inclui conversas íntimas ou até debates sobre a última polêmica do dia, diz Solano.
“Eu jogo quando estou saturado e vou dar uma descansadinha. Junto com dois, três amigos, a gente fica rindo, dando uma descontraída… O jogo tem um canal de áudio que dá para conversar tranquilamente…. a gente conversa de tudo um pouco. Na maioria das vezes são papos triviais, como música, mas, uma vez ou outra, a gente se pega falando sobre política, exemplo, está tendo a CPI e está tendo uma coisa absurda”, disse um dos jovens entrevistados.
Até em sites e perfis de fofoca os jovens discutem política.
“Eu acompanho muito o Hugo Gloss, Choquei. Eles abrangem assuntos cotidianos e falam de política…..Quando a notícia vem eles comentam (…) eu posto nos stories, alguém comenta contra e a gente conversa no privado; tranquilo, respeito totalmente”, diz outro.
Segundo Solano, a principal forma de engajamento dos jovens é através de causas, muitas vezes abraçadas por influenciadores –luta contra pobreza e desigualdade, defesa do meio ambiente, dos animais e da família tradicional, legalização do aborto, direitos LGBT, feminismo, conservadorismo.
São vistas como modelo para mulheres jovens algumas blogueiras de moda e maquiagem, e também influenciadoras cristãs e cantoras gospel, que misturam valores e modelos familiares tradicionais com formas de empoderamento feminino.
“Porém, quando os influenciadores tomam posições encaradas como partidárias, aí já não são tão bem aceitos, a visão é de que estão tentando manipular seu público e criar divisão”, diz Solano.
“De forma geral, a percepção deles sobre os partidos políticos é bastante negativa, são percebidos como estruturas de poder e corrupção, independentemente de sua ideologia.”
Principais perfis e influenciadores seguidos pelos jovens que se politizam hoje
Empreendedorismo – @mentalidade_milionaria, @eusou_capaz, Thiago Nigro, Kaisser
Investimentos – Tiago Reis e Fabio Holder (investimentos);
Estilo de vida/beleza – Juliette, Gabi Brandt, Julia Tedesco, Bianca Camargo, Deolane Bezerra, Luisa Mell (animais), Shantal Verdelho, Anitta, Xamanicos, Felipe Franco (fisioculturismo)
Rappers – Filipe Ret, Djonga, Jovem Dex, Matue
Humor – Lucas Rangel, Maicon Kuster, Elida Fernanda (a mãezinha),
Fofoca – Hugo Gloss, Choquei
Influenciadores conservadores e cristãos – Isadora Pompeu, Roberta Zuniga (fitness), Ana Caroline Campagnolo (deputada antifeminista), Gabriel Monteiro (vereador ex-PM e youtuber), Silas Malafaia, Deive Leonardo, Gabriela Rocha, Tiago Brunet
Política – Midia Ninja, Quebrando o Tabu, Conexão Política Brasil
Fonte: pesquisa Juventude e Democracia na América Latina