RACISMO

Juiz arquiva inquérito contra casal que acusou falsamente jovem negro de roubar bicicleta no Leblon

Magistrado entendeu que não houve dolo na conduta do casal e que, portanto, não haveria crime de calúnia

Juiz arquiva inquérito contra casal que acusou falsamente jovem negro de roubar bicicleta no Leblon (Foto: Reprodução)

O juiz Rudi Baldi Loewenkron, da 16ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, arquivou o inquérito que apurava se o designer Tomás Oliveira e a professora Mariana Spinelli cometeram crime de calúnia contra o instrutor de surfe Matheus Ribeiro, um jovem negro de 22 anos.

Em junho, o casal o acusou falsamente de ter roubado uma bicicleta no Leblon, na zona sul da cidade. Nas redes sociais, Matheus alertou ter sido vítima de racismo.

Poucos dias depois, a polícia prendeu o real suspeito do crime, Igor Martins Pinheiro, 22, um jovem branco que possui 28 anotações criminais, sendo 14 por furtos a bicicleta.

Em sua decisão, em acordo com manifestação do Ministério Público, Loewenkron afirmou que o casal não agiu com dolo, elemento necessário para a configuração do crime de calúnia.

“Faltou o elemento constitutivo do tipo ‘falsamente’ para configuração de calúnia, vez que a semelhança da bicicleta, do cadeado, o local e o lapsto temporal entre os eventos levaram os indiciados a acreditar que poderiam estar diante da bicicleta de propriedade da indiciada”, escreveu o juiz.

O magistrado disse que não se afasta a “possibilidade de descuido” por parte do casal na abordagem de Matheus, e afirmou que eles ainda podem ser responsabilizados na esfera civil pela “acusação imprudente”.

“Todavia, na seara criminal, o fato demonstra-se atípico, diante da ausência do tipo penal na modalidade culposa”, escreveu.

O furto ocorreu no dia 12 de junho, em frente a um shopping no Leblon. Matheus esperava a namorada em frente ao local com sua própria bicicleta elétrica quando foi abordado por Mariana e Tomás, que são brancos.

O instrutor de surfe afirma ter tentado provar que a bicicleta era dele, com fotos antigas e a chave do cadeado. O casal só recuou depois de não ter conseguido abrir o cadeado da bicicleta com a chave que tinha. Tomás então pede desculpas diversas vezes e alega que “não estava acusando, só estava perguntando”.

“São coisas que encabulam o racista. Eles não conseguem entender como você está ali sem ter roubado dele, não importa o quanto você prove”, escreveu Matheus nas redes sociais. “Ela não tem ideia de quem levou sua bicicleta, mas a primeira coisa que vem à sua cabeça é que algum neguinho levou.”

Uma semana após o caso, o jovem passou de vítima a investigado na delegacia do Leblon. Descobriu-se que a sua bicicleta, que havia comprado pela internet, era produto de outro furto.

A iniciativa de iniciar uma apuração contra ele pelo crime de receptação, porém, gerou críticas sobre uma suposta recriminalização do jovem. Para advogados consultados pela Folha, abrir uma investigação em um contexto como esse de fato é incomum.

“Causa estranheza esse tipo de investigação [por receptação], desconheço outros casos nesse sentido. Talvez pela repercussão midiática”, diz Thiago Minagé, presidente da Abracrim-RJ (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas).

“Se [o comprador] não sabe que é produto de crime, não há como caracterizar receptação, salvo se as condições de aquisição forem absurdamente desproporcionais. E mesmo assim é importante não confundir um ‘negócio vantajoso’ com receptação”, ele afirma.