Juiz goiano quer mudar julgamentos para reduzir exposição de vítimas de estupro
Após a repercussão da audiência do caso envolvendo o empresário André de Camargo Aranha, denunciado…
Após a repercussão da audiência do caso envolvendo o empresário André de Camargo Aranha, denunciado por estupro de vulnerável contra Mariana Ferrer e absolvido em primeira instância, o tratamento dado às vítimas de estupro no Judiciário ganhou a devida atenção. Para o juiz goiano Rodrigo Foureaux, da cidade de Cavalcante (GO), o próprio formato tradicional da maioria das audiências, normalmente com três homens ouvindo a vítima, já gera um constrangimento para a mulher. Por isso, em uma iniciativa sem precedentes no país, Foureaux aplicou, no início de novembro, o depoimento especial, medida prevista para casos com vítimas menores de 18 anos, para ouvir uma mulher na faixa de 50 anos, estuprada por um desconhecido dentro de sua casa.
“Ela precisa narrar como foi estuprada, isso é muito doloroso e íntimo. Por isso, acredito que um depoimento especial, em que a pessoa fica sozinha em uma sala com um profissional especializado nesse tipo de tarefa, seja muito mais benéfico, inclusive, para o andamento do processo e para se comprovar a veracidade do relato”, afirma.
“Cavalcante tem uma das taxas mais altas de violência sexual no estado de Goiás, por isso pesquiso muito sobre o tema. Me dei conta de que poderia aplicar [o modelo] nesse caso proteger a vítima, assim como é feito com crianças e adolescentes”, explica.
“Já soube de vítima que saiu chorando de audiência”
O objetivo da aplicação do depoimento especial é não criar mais um abalo psicológico na vítima, que já está lidando com o trauma gerado pela violência sexual. “A pessoa que conduz isso tem técnica, sabe as melhores palavras para usar e sabe como conduzir a conversa de maneira que não revitimize a mulher”, explica o juiz.
Apenas um profissional que passou por uma capacitação específica para esse cargo é que escuta diretamente o que a pessoa tem para dizer sobre o crime que sofreu. Juiz, advogado, promotor e outras autoridades ficam em uma sala diferente, acompanhando por uma transmissão em tempo real, mas sem interrupção. Se algum deles quiser fazer uma pergunta, é feita ao profissional, que encontrará a menor maneira de trazer à questão.
“Relembrar um estupro é muito danoso. Às vezes o advogado ou o promotor pode até ter boas intenções, mas pode fazer a mulher reviver o trauma. E pode gerar um novo trauma que ela nunca vai esquecer. Já soube de vítimas que saíram de audiências aos prantos. Isso não pode acontecer”, diz Foureaux.
O juiz ainda explica que a pessoa que colhe o depoimento, além de estar preparada para tratar a mulher com o cuidado necessário, também vai emitir laudos com suas impressões, que podem ser favoráveis ou contrárias ao relato. “Ou seja, é uma atitude que será benéfica para o processo como um todo. Sabemos que a palavra da vítima tem preponderância nos casos de estupro, mas deve estar alinhada com outras provas”, afirma.
Outra medida adotada pelo juiz foi de proibir em qualquer audiência que perguntas sobre o modo de vida da mulher ou a maneira como ela se veste ou vestia venha à tona em uma audiência. “São informações que não têm nada a ver com o caso em si.”
Juiz quer propor projeto de lei sobre o tema
Foureaux conta que está elaborando o texto de um projeto de lei que pretende apresentar a parlamentares para instituir o depoimento especial como um direito da vítima de violência sexual. A minuta é escrita por ele e pelo promotor Rogério Sanches, do MP-SP (Ministério Público de São Paulo).
“A ideia é que o Código Penal seja alterado para que inclua essa possibilidade. Se a pessoa quiser escolher pelo formato tradicional ou pelo especial, vai ser uma decisão dela”, diz o juiz.
Um projeto de lei para a criação do Estatuto da Vítima foi apresentado na Câmara dos Deputados em julho deste ano. Assinado por 34 parlamentares, prevê alterações na maneira em que são colhidos depoimentos para diferentes tipos de crimes. Entre os sexuais, garante o direito de a vítima ser ouvida “por pessoa do mesmo sexo”, mas não se aprofunda no assunto.