Educação

Juiz tira vaga de cotista negra e manda nomear candidato branco na Universidade Federal de Goiás

Secretária de inclusão da instituição alega 'ignorância' e 'desconhecimento da forma como acontece o processo seletivo com reservas de cota' nos concursos públicos da faculdade que, segundo ela, são referência no país

Um juiz de Goiás determinou que um candidato branco fosse nomeado professor universitário em uma vaga destinada a candidatos negros, em um concurso na Universidade Federal de Goiás (UFG), o que foi concretizado no último dia 16 deste mês. A instituição e a candidata cotista entraram com recursos. A decisão do magistrado Urbano Leal Berquó Neto motivou revolta de alunos da universidade, que se manifestaram contrários à decisão.

Para Luciana de Oliveira Dias, secretária de inclusão da universidade, o caso se deve a uma má interpretação do processo seletivo de concursos públicos com reserva de vagas para cotistas na instituição que, segundo ela, são referência no país.

— Somos convidados por universidades no Brasil inteiro para trocarmos experiências a respeito dessa metodologia de vagas para as cotas que contribui de maneira muito eficaz para a comunidade de ensino e que, desde 2019, quando começou a ser implementada, nunca havia sido questionada – porque há uma lisura, um respeito, uma seriedade. Essa é a primeira vez que um candidato questiona a legitimidade do processo —, disse, ao GLOBO.

A defesa de Rodrigo Gabrioti, o candidato branco que tomou posse da vaga em questão, contrariou a versão oficial da UFG. Para o seu advogado, Sérgio Merola, a ação judicial se trata de algo “de cunho matemático”. Essa foi a alegação que embasou a decisão final do juiz.

— A lei de cotas fala que a reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a três. E, agora, a UFG publicou um único edital com diversas vagas para ‘cargos distintos’. No cargo em que Gabrioti foi aprovado, só tinha uma vaga imediata, portanto, não poderia haver reserva de cotas. A UFG somou todas as 15 vagas de ‘cargos distintos’ e escolheu onde ia ‘colocar as cotas’. Isso não pode, a lei não permite. As cotas devem ser reservadas para cada cargo. — afirmou.

No edital, no entanto, só há menção a um único cargo, o de “Professor do Magistério Federal”. Luciana acredita que “a compreensão que a defesa faz é a de que o edital é para uma vaga, mas não é.”

— Eles olharam a peça do departamento e não a da universidade. Esse é um edital para 15 vagas, portanto temos que reservar três para candidatos cotistas, para respeitar a lei dos 20% — explica.

Sobre o método de escolha da aplicação das três vagas, Luciana disse:

— A universidade lança esse edital para uma única carreira, a de magistério superior, ela é o que consta no edital. Menos importa se o professor atuará em matemática, física, história ou direito. O cargo que ele vai ocupar é o de magistério no ensino superior. Primeiro nós recebemos os pedidos dos departamentos de cada curso. Para cumprirmos a regra de 20%, a cada cinco pedidos, um é aplicado com reserva de vagas. Dessa vez coincidiu de ser o da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), mas poderia ser de qualquer outro, como já foi.

Nos autos do processo, o Ministério Público Federal destacou que “possui interesse em intervir no feito, na qualidade de ‘custos legis’ [fiscal da lei]”. Quando algum processo judicial tem questões que podem ser de interesse público, o MPF pode se manifestar, mesmo que não seja parte do processo.

Em nota enviada ao GLOBO, o MPF disse que a decisão nessa ação afeta “a população em geral”. “De acordo com o procurador que cuida do caso, a demanda é de interesse público porque envolve concurso público e afeta não apenas os candidatos aprovados, mas também a instituição (UFG), os estudantes e a população em geral. É em razão disse que o MPF está acompanhando o caso em todas as instâncias”, diz a nota.

Luciana garantiu que a UFG atuará no sentido de “aprimorar” o edital para que casos como esse não se repitam.

— Estamos empenhados em estudar o edital e verificar possibilidades de aprimoramento para evitar duplas interpretações —, garantiu.

Gabriela falou sobre os próximos passos com a possibilidade de não conseguir que seu recurso na justiça seja favorável.

— Tenho que ter esperança, claro, mas não sou ingênua a ponto de achar que tenho 100% de chances de ganhar. Quando fui aprovada nesse concurso da UFG, acabei saindo de alguns trabalhos. Como isso não se efetivou e preciso trabalhar, já me inscrevi em outros concursos e vou fazer outras provas. Vou continuar dando visibilidade para esse caso e seguir lutando porque, mesmo se o resultado não for favorável para mim, pelo menos nós retomamos esse debate e questionamos essas decisões —, concluiu.