Justiça aceita denúncia contra policiais envolvidos em morte no Jacarezinho
Dois agentes da 'tropa de elite' da Polícia Civil se tornaram réus sob acusação de homicídio e fraude processual
A juíza Elizabeth Louro, da 2ª Vara Criminal, aceitou a denúncia contra dois policiais civis acusados de envolvimento no homicídio de um rapaz durante operação policial na favela do Jacarezinho, em maio, a mais letal da história do estado.
A magistrada também determinou que a Polícia Civil interrompa as investigações que conduzia sobre o caso e envie todos os documentos do inquérito para a Justiça. Ela também proibiu que os dois agentes participem de operações policiais, bem como tenham contato com pessoas que morem na comunidade.
A decisão de Louro foi tomada no sábado (16), dois dias depois do Ministério Público do Rio de Janeiro apresentar a denúncia contra o policial civil Douglas de Lucena Peixoto Siqueira sob acusação de homicídio doloso e fraude processual, e o agente Anderson Silveira Pereira, pelo segundo crime.
Os dois integram a Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), braço operacional da Polícia Civil.
A Folha ainda não conseguiu contato com os agentes ou suas defesas.
Esta foi a primeira denúncia oferecida pela força-tarefa montada pelo MP-RJ para investigar a ação que terminou com 28 mortos, sendo 27 civis e um policial civil.
Os crimes apontados pela força-tarefa à Justiça referem-se ao homicídio de Omar Pereira da Silva, 21, no interior de uma casa na Travessa São Manuel, número 12, no Jacarezinho.
De acordo com a denúncia, o crime foi praticado quando a vítima estava encurralada, desarmada e já baleada no pé no quarto de uma criança onde havia se escondido. Ainda segundo a acusação, o policial responsável pelo disparo e outro agente, também denunciado, retiraram o cadáver do local antes da perícia de local de morte violenta.
A denúncia aponta que os policiais também foram responsáveis por inserir uma granada no local do crime e, no momento de registro da ocorrência em sede policial, apresentaram uma pistola e um carregador, alegando falsamente terem sido recolhidos junto à vítima.
“Com tais condutas, os denunciados (…), no exercício de suas funções públicas e abusando do poder que lhes foi conferido, alteraram o estado de lugar no curso de diligência policial e produziram prova por meio manifestamente ilícito, com o fim de eximir (…) de responsabilidade pelo homicídio ora imputado ao forjar cenário de exclusão de ilicitude”, afirma trecho da denúncia.
Ao aceitar a denúncia, a magistrada afirmou que a repercussão do caso exigia que as medidas cautelares solicitadas pelo MP-RJ fossem implementadas.
“Trata-se de fato de grande repercussão, amplamente divulgado por toda a mídia nacional e internacional, sendo reputada como a mais trágica operação policial do estado do Rio de Janeiro, pelo que tenho que se justificam as medidas cautelares ora pleiteadas pelo órgão ministerial”, escreveu a juíza.
“Isso porque —pelo que consta dos autos e dada a gravidade dos fatos sob análise— os apontados agentes não estariam aptos a figurarem em operações policiais externas, sob pena de pôr em risco a ordem pública”, afirmou ela.
A maistrada analisará as provas e, caso considere haver indícios suficientes, os dois agentes serão julgados pelo Tribunal do Júri.
A versão descrita pela Promotoria já havia sido relatada pela sogra de Omar logo após a operação. Ela afirmou que ele estava dentro de uma casa baleado no pé, mas policiais atiraram nele em frente a um colega e à mãe desse colega.
“Eu estava do lado de fora com minha filha pedindo socorro”, afirmou.
De acordo com o promotor André Cardoso, coordenador da força-tarefa, a investigação apontou que o rapaz não tinha condições de oferecer resistência como descrito pelos policiais após o homicídio.
“O Omar estava numa condição que não tinha a menor capacidade de entrar em confronto com ninguém. Estava com o pé destruído”, disse o promotor.
Omar não era alvo de mandado de prisão que justificou a realização da operação. Uma tia da vítima afirmou em depoimento à polícia que ele fazia parte do tráfico de drogas do Jacarezinho. Ele havia sido preso em 2019 após roubos e estava em liberdade provisória quando foi morto.
Essa é uma das 12 ocorrências que resultaram, no total, nas 27 mortes de pessoas apontadas como traficantes pela polícia. As demais seguem em apuração no MP-RJ. Outros dois policiais civis, envolvidos numa ocorrência com duas mortes, já são considerados formalmente investigados.
A operação no Jacarezinho teve como objetivo, segundo a Polícia Civil, o cumprimento de 21 mandados de prisão contra pessoas denunciadas sob acusação de associação ao tráfico de drogas. O vínculo com a facção criminosa foi estabelecido por meio de fotos com armas em redes sociais.
As trocas de tiros perduraram por mais de cinco horas. Policiais invadiram ao menos cinco casas de moradores atrás de supostos bandidos. Criminosos em fuga, por sua vez, pulavam lajes das residências atirando contra agentes. Ao fim da tarde, ruas e casas da favela estavam repletas de marcas de sangue.
Três dos civis mortos eram alvos dos mandados de prisão. Seis pessoas foram presas —sendo três alvos dos mandados expedidos pela Justiça— e foram apreendidas na operação cinco fuzis, uma submetralhadora, duas espingardas e 12 granadas.