A Justiça Federal determinou a prisão temporária de 14 pessoas suspeitas de estarem envolvidas em um esquema de desvio de recursos públicos federais, obtidos para a execução de projetos culturais na Operação Boca Livre, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira (28/06). A decisão é do juiz federal Hong Kou Hen, da 3ª Vara Federal Criminal em São Paulo/SP.
O magistrado deferiu o pedido de bloqueio e sequestro de bens e valores de alguns dos investigados e a inabilitação temporária das empresas pertencentes ao grupo investigado perante o Ministério da Cultura (MinC) e a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.
A investigação cita o Ministério da Cultura, as empresas Bellini Eventos Culturais, Scania, KPMG e o escritório de advocacia Demarest, Roldão, Intermedica Notre Dame, Laboratório Cristalia, Lojas Cem, Nycomed Produtos Farmacêuticos e Cecil.
O inquérito policial havia sido instaurado após a apuração da Controladoria Geral da União (CGU) da suposta prática dos crimes de estelionato, corrupção ativa, corrupção passiva, associação criminosa e condescendência criminosa, por um grupo empresarial proponente de centenas de projetos com utilização de verbas oriundas de incentivo fiscal previstas na Lei Rouanet, por meio de inúmeras fraudes desde 2001.
Os fatos haviam chegado ao conhecimento do Ministério Público Federal, segundo a Justiça, por meio de denúncia anônima, que foi redirecionada ao Ministério da Cultura. A Pasta instaurou investigação, mas concluiu, à época, pela improcedência da denúncia e seguiu aprovando projetos ao grupo. A CGU, por sua vez, identificou incorreção na conclusão do MinC.
Em 2013, o MinC detectou indícios de falsificações nos documentos apresentados para comprovação de despesas, bem como a utilização de terceiros para a proposição de projetos culturais, com o objetivo de se obter a aprovação de um número maior de projetos.
“No curso das investigações, foi possível coletar provas indiciárias da existência de uma organização criminosa voltada à prática de crimes contra a ordem tributária, estelionato, falsidade ideológica e, especialmente, peculato, por identificar os agentes como administradores de recursos públicos, equiparando-se a funcionários públicos para fins penais”, afirma Hong Kou Hen.
O magistrado ainda afirma que houve superfaturamento a partir da aprovação de múltiplos projetos tratando do mesmo tema, com o indevido reaproveitamento dos materiais, pesquisas e estruturas anteriormente utilizados como se novo fossem, implicando em acentuada redução de custos e ganho indevido, além de terem utilizado da apresentação de projetos culturais em duplicidade.
A organização criminosa, segundo a Polícia, era dividida em três núcleos. O núcleo principal era formado por pessoas com poder de decisão no grupo empresarial envolvido. Conversas telefônicas que foram interceptadas apuraram que o principal membro do núcleo por diversas vezes afirmou ter captado grandes quantias através da Lei Rouanet ao longo de vários anos por meio de suas empresas e de pessoas ligadas ao grupo. Também havia um núcleo secundário, composto de pessoas que participavam ativamente das fraudes, como funcionários e ex-funcionários do grupo. Por fim, havia um terceiro núcleo que envolvia a participação de incentivadores ou patrocinadores.
Além das prisões temporárias, o juiz determinou medidas de busca e apreensão requerida pela Polícia Federal para “arrecadar as provas que tiverem pertinência com a investigação e que sirvam de elemento de prova de materialidade e autoria dos crimes investigados”, ressalvando que “em nenhuma hipótese a autoridade policial poderá devassar o local, apreendendo objetos e documentos de forma aleatória, sem atentar-se minuciosamente à finalidade da medida”.
A Lei Rouanet foi criada no governo Fernando Collor (PTC/AL), em 1991. A legislação permite a captação de recursos para projetos culturais por meio de incentivos fiscais para empresas e pessoas físicas. Na prática, por exemplo, a Lei Rouanet permite que uma empresa privada direcione parte do dinheiro que iria gastar com impostos para financiar propostas aprovadas pelo Ministério da Cultura para receber recursos.
Defesa
Em nota, o Ministério da Cultura afirmou: “As investigações para apuração de utilização fraudulenta da Lei Rouanet têm o apoio integral do Ministério da Cultura (MinC), que se coloca à disposição para contribuir com todas as iniciativas no sentido de assegurar que a legislação seja efetivamente utilizada para o objetivo a que se presta, qual seja, fomentar a produção cultural do País.”
O escritório Demarest Advogados divulgou nota de esclarecimento sobre a “Operação Boca Livre” da Polícia Federal, que nesta manhã esteve em seu escritório em São Paulo. “O objetivo da visita foi a solicitação de documentos e informações relacionados a empresas de marketing de eventos que prestaram serviços ao escritório no âmbito da Lei Rouanet. Tais empresas são alvo da operação. O escritório enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade, e informa que colaborou e continuará a colaborar com a investigação”.
Já a KPMG no Brasil informa que “não é objeto de investigação na denominada Operação Boca Livre conduzida pela Polícia Federal. O fato da PF comparecer ao nosso escritório se deu pelo cumprimento de diligência para coletar documentos referentes a contratos com empresas de publicidade e propaganda (alvos da investigação) e que prestaram serviços para a KPMG no apoio a projetos culturais. A KPMG, certa de que não cometeu qualquer ato ilícito, está e continuará a contribuir com as autoridades de maneira transparente para o fornecimento das informações necessárias.”
A Scania informa que tomou conhecimento hoje pela manhã da operação Boca Livre deflagrada pela Polícia Federal. Esclarece que não tem mais informações, mas está colaborando integralmente com a investigação e à disposição das autoridades.
O Laboratório Cristália informa “aos seus clientes, colaboradores e à população em geral que recebeu com surpresa a busca em suas dependências de documentação de agente cultural que lhe prestou serviço de fomento à cultura por meio da Lei Rouanet. Salienta ainda que todos os projetos inscritos na Lei Rouanet foram apresentados na forma da lei pelos agentes culturais como aprovados pelo Ministério da Cultura. A Companhia reforça que está colaborando com a investigação, bem como executa as melhores práticas de governança e ética em suas operações administrativas e comerciais.”
Em nota, o Grupo NotreDame Intermédica esclarece: “O comparecimento da PF se deu pelo cumprimento de diligência para coleta de documentos e informações relacionados a empresas terceiras de marketing de eventos (alvos da investigação) que prestaram serviços ao Grupo NotreDame Intermédica no âmbito da Lei Rouanet. O grupo informa que não é objeto de investigação na denominada “Operação Boca Livre” conduzida pela Polícia Federal e enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade. Certa de que não cometeu qualquer ato ilícito, informa, ainda, que colaborou e continuará a contribuir com as autoridades na investigação.
As Lojas Cem informaram em nota: “A Polícia Federal esteve na Lojas CEM solicitando documentos e informações sobre empresas que lhe prestaram serviços no âmbito da Lei Rouanet. Prontamente a empresa deu todo o apoio ao bom andamento da diligência e comprometeu-se a prestar toda a colaboração necessária para o esclarecimento dos fatos. Informamos que os projetos culturais nos quais investimos foram feitos, de nossa parte, dentro da mais absoluta regularidade. Como sempre, a postura da Lojas CEM com todas as pessoas e instituições com as quais se relaciona é de total transparência e completa lisura.”