Proteção de dados

Justiça determina que Serasa pare de vender informações pessoais de brasileiros

Ação pública contesta venda de nome, CPF, idade, gênero e classe social sem consentimento; empresa diz seguir a lei

O desembargador César Loyola, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, determinou na sexta-feira (20) a suspensão da venda de informações pessoais de clientes pela Serasa Experian.

O Ministério Público do Distrito Federal havia entrado com uma ação pedindo a suspensão da “comercialização maciça de dados pessoais de brasileiros por meio dos serviços ‘Lista Online’ e ‘Prospecção de Clientes’”, que vendem dados como nome, CPF, endereço, idade, gênero, poder aquisitivo e classe social de pessoas que estão no banco de dados da Serasa Experian, sem consentimento específico delas.

A empresa diz atuar conforme a legislação em vigor.

Em sua ação, à qual a Folha teve acesso, o MP aponta para o esforço do Tribunal Superior Eleitoral para coibir os disparos em massa de WhatsApp nas eleições, que são facilitados por esse tipo de venda de cadastro.

Segundo o autor da ação, o promotor Frederico Meinberg, da Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial, “na prática, a Serasa está vendendo os dados pessoais de mais de 150 milhões de brasileiros para empresas interessadas em prospectar novos clientes, sem que exista qualquer tipo de conhecimento por parte dos titulares das informações”.

Os contratantes pagam R$ 0,98 por contato.

“Ou seja, por R$ 0,98, a Serasa vende o núcleo da privacidade do cidadão brasileiro, consistente em nome, endereço, CPF, 3 números de telefones, localização, perfil financeiro, poder aquisitivo e classe social, para qualquer empresa interessada”, afirma o promotor. Ele frisa que os produtos em questão não têm qualquer vinculação com a proteção do crédito e sim com publicidade e captação de novos clientes.

Listas

A Serasa também oferece aos compradores das informações listas com nomes e CPFs segmentados pelo sistema Mosaic, que classifica consumidores em 11 grupos e 40 segmentos a partir de características de comportamento e consumo.

Pode-se comprar listas com grupos de CPFs e dados de “Ricos e influentes” , “Elite urbana qualificada”, “idosos tradicionais de alto padrão”, “assalariados de meia idade nas grandes cidades”, “jovens protagonistas da classe média”, “no coração da periferia”, “pequenos negociantes do interior”, “jovens da informalidade”, jovens desprovidos”, “sertão profundo”, entre outros.

A empresa também oferece listas segmentadas por afinidades das pessoas —tendências de compra e interesses.

Na decisão, o desembargador Loyola decidiu a favor de um agravo de instrumento, com pedido de liminar, feito pelo Ministério Público em resposta a uma decisão do juiz Wagner Pessoa Vieira, da 5ª Vara Cível de Brasília, que havia indeferido a tutela de urgência em ação pública que pedia a suspensão da comercialização de dados pessoais.

O juiz Vieira havia indeferido o pedido de tutela de urgência por entender que os dados, embora sejam informações pertinentes à privacidade e intimidade de pessoa física ou jurídica, são comumente fornecidas em relações negociais e empresariais. Por isso, afirmou, não caracterizam “elementos sigilosos ou confidenciais que somente poderiam ingressar na esfera de conhecimento de terceiros mediante expresso consentimento do seu titular”.

Além disso, na decisão, o juiz disse que as informações “interessam ao desenvolvimento econômico, à livre iniciativa, à livre concorrência e, portanto, à própria defesa do consumidor”.

Segundo a ação do MP, os dados estão sendo vendidos para fins que não têm nada a ver com proteção ao crédito e para os quais não houve consentimento dos usuários.

Em seu site, a empresa afirma que é a maior referência em análises e informações para decisões de crédito. “Ou seja, é um birô de crédito que reúne dados enviados por lojas, bancos e financeiras para dar apoio aos negócios”, afirma.

A empresa explica que criou um banco de dados com apontamentos sobre dívidas vencidas e não pagas, cheques sem fundos, protestos de títulos e outros registros públicos e oficiais.

Eleições

O promotor Meinberg também aponta para o aspecto eleitoral da venda de dados para pedir urgência.

“É sabido que números de telefones celulares podem ser usados para disparos em massa durante a Eleição de 2020, algo que vem sendo coibido pelo Tribunal Superior Eleitoral – TSE, inclusive com a criação de um canal de denúncias.”

Como revelou a Folha em uma série de reportagens, agências de marketing compram e revendem cadastros com informações pessoais de eleitores para envios de disparos de WhatsApp e outros tipos de propaganda eleitoral.

Na ação, Meinberg argumenta que essa venda de informações fere a Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet, bem como a Lei Geral de Proteção de Dados, ao violar a privacidade e honra das pessoas cujos dados são vendidos.

A LGPD exige que haja consentimento do usuário para que seus dados sejam comercializados. Segundo a legislação, é necessária “uma manifestação específica para cada uma das finalidades para as quais o dado está sendo tratado”, e por isso, segundo o MP, a comercialização feita pela Serasa Experian seria “ilegal/irregular”.

“Ainda segundo a LGPD, autorizações genéricas relacionadas ao consentimento do titular de dados para tratamento de seus dados serão consideradas nulas, devendo haver uma manifestação específica para cada uma das finalidades para as quais o dado está sendo tratado”, diz a ação.

Se a Serasa não cumprir a decisão judicial, fica obrigada a pagar multa de R$ 5 mil por venda.

Outro lado

Procurada, a Serasa afirmou, em nota, que atua conforme a lei.

“A Serasa Experian atua em estrita conformidade com a legislação vigente e se manifestará oportunamente nos autos do processo”, afirmou.