Justiça nega indenização a preso na ditadura por ‘risco de combater o regime’
A Justiça Federal reverteu decisão que condenava a União a pagar indenização por danos morais…
A Justiça Federal reverteu decisão que condenava a União a pagar indenização por danos morais a um homem preso pela ditadura militar por considerar que ele sabia dos riscos de se posicionar contra o regime.
Um acórdão da Sexta Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) modificou sentença favorável a Antonio Torini, ex-funcionário da Volkswagen que, segundo ação iniciada pela família, não conseguiu empregos formais após ser preso durante o regime de repressão no Brasil (1964-1985).
Utilizando termos como “líder de movimento esquerdista”, o acórdão afirma que “a prisão, a incomunicabilidade, o julgamento e o banimento sofridos por Torini eram as consequências jurídicas de seus atos que tendiam à implantação de uma ditadura comunista no Brasil, em confronto com a opção política vigente”.
A decisão afirma ainda que “não há espaço para indenização do agente dessas condutas a ser paga, via judicial, pela União, eis que o infrator das leis vigentes era Antonio Torini, vinculado a movimentos e partidos defensores da ditadura do proletariado”.
Na primeira instância, a Justiça havia ordenado que a União pagasse uma indenização por danos morais de R$ 150 mil à viúva de Torini.
Torini foi preso em 1972, durante a ditadura militar, e permaneceu detido no DOPs (Departamento de Ordem Pública e Social) de São Paulo por 49 dias, incomunicável, segundo os advogados de defesa de Livonete Aparecida Torini. O ferramenteiro fazia parte do Movimento pela Emancipação do Proletariado.
Ainda de acordo com os defensores Bruno Luis Talpai e Victor de Almeida Pessoa, ele voltou a ser preso em 1974 e seu nome figurou na lista suja elaborada por empresas e enviada ao governo, o que impossibilitou que ele conseguisse um emprego formal. Torini ficou desempregado até 1998, ano de sua morte.
Durante o período pós-prisão, o ferramenteiro teria sobrevivido de trabalhos informais, e a família teve dificuldades financeiras. Os advogados afirmam que ele foi perseguido e vigiado por forças de segurança durante muitos anos.
Na decisão, o TRF-3 desconsidera o fato de que a própria União reconheceu a condição de anistiado político de Torini. Segundo o acórdão, “isso não está em discussão -esse reconhecimento não induz necessariamente que a pessoa foi torturada no cárcere, como alega a inicial”.
O tribunal também não considerou o termo de ajustamento de conduta assinado pela Volkswagen com o Ministério Público Federal pelo qual a empresa se comprometeu a pagar cerca de R$ 36 milhões, em diversas ações, por sua colaboração com a ditadura militar. Torini foi preso dentro da própria fábrica da empresa.
Para o TRF-3 não cabe indenização por parte do Estado brasileiro já que “não há qualquer prova nos autos de que, encarcerado, Antonio Torini sofreu as ‘bárbaras’ torturas que a inicial imputa aos agentes da União”.
A doutora em direito e professora da PUC-SP Lucineia Rosa dos Santos questiona o entendimento do tribunal.
Segundo ela, apenas a presença do nome de Torini na lista suja, que reunia o nome de militantes políticos e era compartilhada por governo e empresas, já justificaria uma indenização por violar convenções de direitos humanos.
“Os danos que ocorreram na vida familiar desta pessoa por conta da presença do nome dela nessa lista, que antes era admissível, mas que deixou de ser admissível com a Constituição de 1988, já justificam a indenização. A sua vida civil foi afetada diante de complicações para conseguir um emprego”, afirma.
Especialista em direitos humanos, Lucineia afirma também que o tribunal deveria julgar o caso de acordo com as leis estipuladas pela Constituição Federal de 1988 em vez de considerar a legislação em vigor durante o período do regime de repressão.
Os advogados da família de Torini afirmam que pretendem recorrer da decisão.
“O Poder Judiciário não pode chancelar os atos de exceção praticados durante a ditadura militar contra os que foram perseguidos por posições político-ideológicas, seja à luz da Constituição de 1967 -como fundamentou o relator do acórdão tampouco sob a égide da Carta Maior de 1988”, diz nota.
A defesa diz ainda: “[É] necessária a reforma do supramencionado entendimento pelos tribunais superiores como garantia de fiel cumprimento à Constituição Federal de 1988 e do fortalecimento do Estado democrático de Direito. Em adição, para solidificar um parâmetro punitivo e educativo para o que o Estado brasileiro não mais se valha das instituições públicas na prática de atos de intolerância política”.