Investigação

Justiça suspende avaliação de pós-graduação por suposto uso de critério ilícito

m ação civil pública, o MPF apura o uso de critérios ilícitos no ranqueamento dos programas de pós-graduação stricto sensu

Foto: Agência Brasil

A Justiça Federal determinou a suspensão imediata do processo de avaliação dos programas de pós-graduação feito pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

A decisão, em caráter liminar (provisório), atende a pedido do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro.

Em ação civil pública, o MPF apura o uso de critérios ilícitos no ranqueamento dos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) de todo o país. O órgão pediu que a avaliação fosse suspensa até a Capes apresentar relação completa dos critérios usados.

Vinculada ao MEC (Ministério da Educação), a Capes é responsável pela regulação e avaliação dos cerca de 5.000 programas de pós-graduação existentes no país.

No último dia 16, o cronograma de análise do órgão já havia sido impactado com a decisão da presidência da Capes de destituir todos os membros do CTC (Conselho Técnico-Científico), que é responsável por definir como serão as avaliações de cada curso e estabelecer as notas de qualidade para cada um deles.

Em agosto, o órgão chamou a atenção quando sua presidente, Claudia Mansani Queda de Toledo, nomeou para a diretoria de Relações Internacionais uma advogada e professora que ainda não terminou o doutorado.

Segundo a ação movida pelo MPF, a Capes estaria usando critérios que são definidos e modificados durante o período avaliativo, além de aplicá-los de forma retroativa. Assim, o órgão diz que a avaliação não traz segurança jurídica às instituições de ensino.

A juíza federal Andrea de Araujo Peixoto, da 32ª Vara Federal do Rio de Janeiro, deferiu o pedido e determinou que a Capes apresente em 30 dias os parâmetros utilizados para analisar os cursos.

A cada quatro anos, a Capes realiza avaliação periódica dos cursos de pós-graduação em todo o Brasil, definindo uma nota que vai de 1 a 7. Notas muito baixas, por exemplo, podem impedir o programa de matricular novos alunos. O conceito obtido também é usado para definir a quantidade de bolsas que o programa receberá do governo federal.

Segundo o MPF, os critérios de avaliação dos cursos vinha sendo alterado ao longo do quadriênio, com efeitos retroativos e sem a previsão de regimes de transição entre os períodos de análise.

“O problema central não é a modificação dos parâmetros em si, mas sua imprevisibilidade e sua retroação ilícita para atingir tempos pretéritos, o que impede que as instituições possam reagir à mudança regulativa”, diz a ação movida pelos procuradores Jessé Ambrósio dos Santos e Antonio do Passo Cabral.

Eles afirmam que as mudanças de parâmetro implementadas com efeito retroativo afetaram as notas de 3.100 cursos de pós-graduação na avaliação do ciclo de 2013 a 2016, além de poder impactar na análise dos programas avaliados no ciclo de 2017 a 2020.

Os procuradores defendem que a retroatividade de parâmetros regulatórios e fiscalizatórios é “inadmissível no direito” por surpreender as instituições quando já não podem mais rever sua conduta. “O acesso aos recursos públicos federais é distorcido pela má avaliação dos programas de pós-graduação”, diz a ação.

Segundo os procuradores, um programa, que obteve anteriormente nota cinco, irá se pautar pelos parâmetros de avaliação vigentes no período em andamento, mas pode ser surpreendido ao final do processo com novos critérios que não haviam sido comunicados antes.

Membros do CTC disseram à reportagem não ser procedente a acusação de mudanças de critérios durante o processo de avaliação. Eles explicam que todas as etapas ficam públicas e têm acesso garantido às instituições de ensino pela Plataforma Sucupira, onde podem consultar os calendários de avaliação, instrumentos, indicadores e respectivas métricas.

Segundo eles, os critérios não são alterados ao longo da avaliação, e sim que há uma análise comparativa dos resultados das instituições. Os membros não definem uma meta inicial de qualidade para os cursos, mas os avaliam de forma comparativa no fim do processo.

A Andifes, associação que reúne os reitores de todas as universidades federais do país, divulgou uma nota na tarde desta quinta (23) em que defende a retomada urgente e a continuidade da avaliação feita pela Capes.

“Recebemos a suspensão com surpresa e preocupação. O questionamento sobre a licitudade dos critérios não corresponde com a realidade da avaliação feita pela Capes, que é transparente, previsível e pactuada com toda a comunidade científica. É uma avaliação que vem se aperfeiçoando nos últimos 70 anos”, disse Márcia Abrahão, reitora da UnB (Universidade de Brasília) e vice-presidente da Andifes.

Segundo Abrahão, um indicativo de que a análise da Capes é bem elaborada é o fato de suas avaliações terem resultados semelhantes aos dos principais rankings acadêmicos internacionais.

“Consideramos como um parâmetro muito importantes, as áreas mais bem avaliadas da nossa universidade pelas Capes são exatamente aquelas que se destacam nos rankings internacionais, porque usam os mesmos critérios de publicação, citação, qualidade das teses.”

Em nota, a Capes informou não ter sido intimada pelos canais oficiais e que só irá se manifestar após ter ciência do inteiro teor do processo.​

A reportagem teve acesso a um email enviado pela presidente da Capes aos membros do conselho na tarde desta quinta ao tomar conhecimento da decisão judicial.

“Informo a todos que a presidência está trabalhando com a Procuradoria Federal e com a área técnica no sentido de buscar os elementos necessários para assegurar a Avaliação Quadrienal 2017-2020 a estabilidade e a isenção necessárias aos trabalhos avaliativos. É importante ressaltar que a integridade da Avaliação é meta de todos nós”, diz o email assinado por Toledo.​