Kassab apresenta condições para o PSD apoiar Lula
O PSD deve apoiar o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas não o fará…
O PSD deve apoiar o novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas não o fará de graça. Quer se “sentir governando” com cargos e, principalmente, negociar um arcabouço de reciprocidade.
A saber, apoio federal às joias de sua coroa: São Paulo, onde é sócio majoritário do futuro governo, Paraná e Prefeitura do Rio, que já governa, e Sergipe, que assumirá em janeiro. Por fim, ajuda na recondução de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à presidência do Senado.
Esta é a fatura que o presidente do partido, Gilberto Kassab, adiantou à Folha na manhã desta quarta (3), em uma conversa em seu apartamento na capital paulista. Ela será apresentada na semana que vem à sua colega Gleisi Hoffmann, do PT, em conversa pedida por ela.
Kassab nega que se trate de toma lá, dá cá. “O presidente nomeia de acordo com suas escolhas pessoais e de acordo com as parcerias que faz para ter governabilidade. Então fazer parte da base é participar”, diz. “É uma parceria. Não seremos petistas para sempre.”
Em troca, traz consigo 11 senadores e 42 deputados federais para a base do governo.
Dono de um das bússolas mais acuradas da política nacional, o ex-prefeito paulistano e ex-ministro de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) começara o ano aparentando ter feito investimentos errados: tentou atrair o hoje vice de Lula, Geraldo Alckmin, para ser o candidato de seu partido em São Paulo e Pacheco, para disputar a Presidência.
Apostou então em cavalos de campos rivais para o pleito —e ganhou com ambos. Seu principal projeto foi em São Paulo, onde afiançou a candidatura vitoriosa do ex-ministro bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos).
“Vou trabalhar para ele ser presidente”, afirma. Este parece o ponto mais complexo da lista de negociação com Lula: fazer o PT ajudar um rival potencial, que pode ocupar parte do espaço nacional de Jair Bolsonaro (PL).
Nacionalmente, não apoiou ninguém, mas não nega a aposta tácita em Lula. Sobre o presidente que até agora não admitiu a derrota com todas as letras, Kassab é econômico. “Ele admitiu do jeito dele”, afirmou, apontando a gestão da pandemia e a campanha contra o sistema eleitoral como fatores que tiraram a vitória de Bolsonaro.
Confira a entrevista de Kassab
Como o sr. avalia o processo eleitoral? As eleições mais uma vez aconteceram com normalidade institucional. Agora é virar a página, espero que os vencedores trabalhem e os vencidos, que ajudem a fiscalizar.
Mas o país saiu rachado do pleito, não? A parte derrotada tem dificuldade de aceitar o resultado, como se viu nas estradas. São coisas distintas. A fratura não é um problema institucional, é uma realidade política: metade do país escolheu caminho, metade, outro. O vencedor não teve uma maioria expressiva. Portanto, aumenta a responsabilidade do vencedor, porque ele vai ter de ser esforçar muito para ter um bom diálogo. Nesse aspecto, o Lula foi muito feliz na sua primeira manifestação, porque deixou claro que vai governar para todos.
E a reação do presidente? É o estilo dele, cada um tem o seu. Foi com esse estilo que ele se elegeu presidente e quase se reelegeu agora. O importante na essência é que ele reconheceu [a derrota] a seu modo e a transição começou.
Ele sai como um líder de oposição ou a falta de articulação política o fará evaporar? Falo de uma maneira respeitosa. A votação no Bolsonaro é maior do que a dimensão dele, porque votaram nele também o antipetista, que pode não ser um bolsonarista. Acho que se o Bolsonaro quiser continuar na vida pública, se tornará um importante líder da direita, mas ele não vai liderar todas as oposições.
E onde se encaixam figuras como o Tarcísio e o [governador mineiro] Romeu Zema [Novo]? São pessoas que foram apoiadas pelo bolsonarismo, uns mais, outros menos. No caso do Tarcísio, ele deixa claro que a grande oportunidade que teve foi quando o Bolsonaro o convidou para ser ministro e depois o incentivou e apoiou para ser candidato a governador. Reconhecimento é importante em tudo, ainda mais na vida pública. Agora temos de olhar para a frente.
Voltando ao Tarcísio, ele teve exatamente a mesma votação do Bolsonaro em São Paulo, 55,2%. Mas agora ele não tenderá a se afastar do bolsonarismo? Ele construiu uma candidatura de centro-direita e ganhou. Ele foi muito bem assimilado pelo centro e pela direita. Soube ocupar um espaço ao centro que o Fernando Haddad (PT) e o Rodrigo Garcia (PSDB) não conseguiram. E soube preservar o apoio da direita bolsonarista. Não vejo ele se afastando de nenhum dos polos, não tem sentido. Ele terá suas relações institucionais.
Há uma máquina estadual montada em quase 30 anos de poder do PSDB. Essa máquina fica e troca de camisa ou haverá mudanças? Haverá uma pressão de quadros federais que, sem emprego, vão querer vir a São Paulo. O Tarcísio é muito inteligente. Ele nunca negou que São Paulo é um modelo para o Brasil. O que ele diz é que o estado pode mais. É um governo de aperfeiçoamento, não de ruptura. Caberá a ele saber o que deve ser mudado. Porque você já estava numa situação em que o chefe de um departamento se considera dono dele.
O sr. acha que a derrota do PSDB no primeiro turno teve a ver mais com esse cansaço de 30 anos de poder ou com a repetição da polarização nacional no estado? Eu tenho respeito pelo Rodrigo. A minha impressão é que ele não soube fazer a somatória política adequada, além do desgaste. E ele teve o azar de ter o Tarcísio como candidato. As pessoas que dizem que ele não tem vocação política porque é técnico não entendem de política. Alguém que foi do governo Dilma, do Temer e do Bolsonaro e é aplaudido por todos não tem habilidade política?
E quando ele se filia ao PSD? [risos] Não está em questão. Ele está no Republicanos.
E quando o PSD se fundirá ao Republicanos, ou fará uma federação? O PSD não fará fusão. O Tarcísio está no Republicanos, vamos ter uma parceria, será o partido mais próximo do PSD. A federação engessa.
Bom, o sr. apostou num candidato bolsonarista em São Paulo e, embora não tenha anunciado apoio, estava mais próximo da candidatura do Lula, até por já ter sido ministro de um governo do PT. Verdade. A candidatura do Tarcísio foi o maior acerto da gestão Bolsonaro.
E como será a parceria nacional do PSD? Todos sabem que há uma chance grande, até pela conduta de parte expressiva do partido, de caminhar para o apoio à gestão Lula. Vai haver condições, lógico.
Qual sua posição pessoal? Eu sou a favor, sim, desde que algumas premissas sejam atendidas. É inegociável na construção [com Lula] o apoio aos bons projetos do partido, que são o Eduardo Paes [prefeito do Rio], ao Ratinho Jr. [governador reeleito do Paraná], ao Tarcísio, ao Fábio Mitidieri [eleito em Sergipe] e ao Rodrigo Pacheco no Senado. O que significa isso? O PSD está oferecendo ao governo Lula a possibilidade de construir juntos boas políticas públicas para aproximadamente 40% do país. Nesses estados e no Senado, temos responsabilidade de condução.
Temos de deixar claro que se integrarmos a base, queremos a reciprocidade de compartilhamento de condução de políticas públicas.
E verbas, cargos, programas federais. Parceria. Esse é o perfil do Lula. Veja, o PSD é bem modesto, não é toma lá, dá cá. Evidente que se você diz que é da base, é natural que por meio de nossos líderes, e tudo caminha para que sejam o Otto Alencar (BA) no Senado e o Antonio Brito (BA) na Câmara, você possa construir um conjunto de participações para o que o partido se sinta governando.
Isso significa indicação? Não. A indicação é sempre discutida. Eu não tenho nenhum constrangimento. Não tivemos isso no governo Bolsonaro, ficamos independentes, tanto que quando o Fábio Faria foi convidado para ser ministro, nós combinamos de ele se desligar do partido e ele saiu.
E o governo federal também pode sempre atrapalhar os estados. Não tem nenhum sentido eu, como presidente do partido, quando todos sabem que abracei o projeto Tarcísio, e vou trabalhar para que ele seja presidente da República, integrar uma base sem que eu peça que São Paulo e governo federal sejam um conjunto só. Não faz sentido eu ser base se o Rodrigo Pacheco não puder continuar como presidente do Senado.
O Lula disse que este não seria um governo do PT, mas o sr. conhece o apetite do partido por espaços. Olha, do ponto de vista pessoal, todas minhas experiências com o PT foram positivas. Eu sempre tive uma relação honesta com o Lula e a Dilma, a quem eu devo respeito e gratidão. Nos últimos dois anos, o Lula nos convida para uma parceria e compreendeu a posição do PSD em favor do impeachment. Ele teve essa compreensão sobre a minha participação também. O governo vai ter deixar claro o apoio a essas cinco figuras chaves que citei. E quem é base, participa.
O presidente da República nomeia de acordo com suas escolhas pessoais e de acordo com as parcerias que faz para ter governabilidade. Então fazer parte da base é participar. Em hipótese nenhuma serão indicações que não correspondam ao mais alto padrão de eficiência e moral.
O sr. toparia voltar a ser ministro? Não, porque não apoiei o Lula, tive uma postura como presidente de partido de neutralidade. E estou procurando oferecer para o Brasil um bom partido, que a partir de agora deixa de ser de centro para ser um pouquinho de centro-direita. Eu me considero um bom analista, e para mim está claro que o PT precisa se voltar para o centro.
E nessa parceria, existe uma área preferencial para o PSD oferecer quadros? Não, acho que aí vai caber aos líderes no Congresso coordenar as conversas. O pacto nacional tem de ser liderado pelo presidente da República. É isso que esperamos do Lula. Isso não significa que nós vamos ser petistas para o resto da vida, o PSD não é petista.
O sr. já falou com o Lula e o PT desde a eleição? Eu mandei uma mensagem para ele e a publiquei. Liguei para cumprimentá-lo pela vitória, mas o presidente estava numa ligação com um chefe de Estado. Depois, liguei para cumprimentar a Gleisi [Hoffmann, presidente do PT] e ela me ligou no dia seguinte, me consultando se eu aceitaria tomar um café com ela para discutir o futuro. Eu consultei o Otto Alencar e o Antônio Brito, e todos entenderam que era correto. Estarei em breve tomando um café com ela, deixando clara nossa posição.
E em São Paulo, o sr. vai participar diretamente da gestão? Eu estou muito envolvido com esse projeto. Até o ano passado, meu projeto era fazer do PSD um grande partido. Isso está feito. A direção nacional vai consumir menos tempo, vai sobrar mais tempo para me dedicar a São Paulo. Não passa pela minha cabeça ter responsabilidade no Executivo. Não estou dizendo que não serei, mas não preciso ser secretário para ajudá-lo.
O Guilherme Afif Domingos, que foi o grande comandante da campanha, já está coordenando a transição e acho que vai poder participar do governo. Para mim, que comecei na vida pública com ele, foi muito gratificante.
E na capital, como o PSD se colocará em 2024? Dissemos ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) que o PSD o irá apoiar se o seu governo for bem avaliado.
Quais suas prioridades no Congresso? Temos de trabalhar numa reforma administrativa, que preveja a meritocracia. O Brasil não consegue mais conviver com a ineficiência. Precisamos melhorar a saúde, a educação, a segurança, daí fazer uma reforma tributária.
Eu fico feliz quando o Lula diz que não é candidato à reeleição, porque uma boa reforma administrativa vai mexer com muita gente. Falando em reeleição, vamos trabalhar para acabar com ela e com as coligações majoritárias. A reforma política está feita e bem encaminhada. O fim das coligações proporcionais e a cláusula de desempenho está reduzindo o quadro, chegaremos a 2030 com sete ou oito partidos.
Ficou claro para o PSD que há um movimento expressivo em defesa da propriedade privada, das privatizações, a atração do capital estrangeiro. É o que iremos defender.
Então acabou a história de não ser de esquerda, de direita ou de centro. Aquela frase foi dita quando não tínhamos nem estatuto, mas naquela mesma entrevista disse que, se dependesse de mim, o PSD seria de centro. Agora, passados 11 anos, se depender de mim, será de centro-direita.
O sr. disse que Tarcísio é um legado positivo de Bolsonaro. Mas houve degradação institucional, insinuações golpistas, o próprio silêncio dele no pós-eleição. Não é um legado destrutivo? De forma respeitosa, posso falar do que acho que levou à sua derrota. Porque uma pessoa que quase ganha teve uma sintonia com o eleitorado. Acho que houve dois erros que custaram caro a ele. Primeiro, na Covid. O mais difícil, que era dar recursos para estados e municípios, ele fez.
Tendo feito o mais difícil, ficou um pouco incompreensível sua postura. Foram quase 700 mil mortes, gente que perdeu o pai, a mãe, um colega, um amigo, que não entendia como um presidente não recomendava uso da máscara, não insistia na vacinação, medidas que eram recomendadas no mundo todo.
Outro ponto foi a questão da urna eletrônica. Ficou a impressão de que ele queria usar isso como pretexto para uma medida extrema. Na campanha, o episódio Roberto Jefferson atrapalhou, outros também. Mas houve pontos positivos na política econômica, na agricultura, infraestrutura.