Lara Croft: 20 anos
Conversamos com um grupo de fãs para saber o que pensam de uma das personagens mais icônicas dos games
A franquia Tomb Raider é uma das mais conhecidas do mundo dos video games. Lançada em 1996, ela e sua icônica protagonista Lara Croft estão completando 20 anos.
Porém, muito se debate acerca de Lara: é um ícone feminino ou machista? É uma grande personagem, com um grande legado e impacto, ou apenas um objeto sexual fruto dos anos 1990?
Para pensar sobre isso, pegamos o depoimento de algumas jogadoras e fãs da série sobre como elas veem Lara agora, duas décadas depois e através de dois reboots.
Dayane Costa – artista
Embora tenha apenas 25 anos, a artista Dayane Costa é fã da série desde criança quando ganhou o primeiro PlayStation aos 8 anos de idade. Desde então, ele acompanhou praticamente todos os lançamentos da franquia e faz parte, desde 2006, do TR Forums, maior grupo virtual sobre Tomb Raider e que possui participação dos desenvolvedores.
“Joguei todos, inclusive os spin offs e versões mobile”, conta ela, “o que me atraiu à primeira vista foi, claro, o fato de ser uma protagonista mulher, coisa que não existia quando eu comecei a jogar video game em 97/98. Depois fiquei apaixonada pelo estilo do gameplay. muita gente considera os controles dos jogos antigos difíceis e datados, mas a Lara tinha uma precisão enorme de movimento
e ao mesmo tempo era fluida e intuitiva e, por fim, eu sempre gostei de jogos plataforma/puzzle”.
Porém, Costa faz parte do grupo de fãs que não gostou profundamente dos jogos da Crystal Dynamics, que assumiu a série a partir de Tomb Raider Legend (2006), nem do reboot em 2011. “Sou fã mesmo é dos jogos clássicos”, disse. Devido às mudanças, ela contou que chegou a se afastar um pouco da série desde Angel of Darkness (2003).
Já Legend, Underworld e Anniversary, lançados entre 2006 e 2008, Costa vê como bons jogos – mas não como bons Tomb Raider: “enquanto jogos, são muito bons, mas enquanto Tomb Raider eles falham, porque mudaram o sistema e os objetivos centrais do jogo, o level design ficou mais simplificado e linear, e com a mudança de controles, a forma de controlar a Lara ficou muito mais… escorregadia e menos precisa”.
Já o reboot ela acompanhou desde o início pelo fórum: “acho a ideia excelente e o jogo é ótimo, mas novamente falha como Tomb Raider
e falha como origem. Me diverti super e recomendo, mas acho que eles apelaram pra uma versão extremamente clichê do que Lara Croft deveria ser e acabaram enfraquecendo um ícone”.
Ela explica: “a Lara ‘clássica’ era uma personagem determinada e já no auge da carreira,mais madura.A ideia de apresentar uma Lara mais nova é interessante, mas acredito que é um desserviço pra uma personagem feminina tão forte e relevante colocá-la numa posição de vulnerabilidade de forma tão gratuita”.
Ao mesmo tempo, ela discorda das principais críticas à personagem original: “dizem que era sexualizada e não era um ícone real de empoderamento e eu discordo totalmente. Ela era sexualizada no marketing. Nos jogos, durante o gameplay, ela era apenas uma arqueóloga/mercenária que fazia o trabalho e ia embora. Tem a crítica que mulheres não se identificavam com a Lara antes, discordo,
existem várias mulheres que viam em Lara Croft um modelo, alguém a se admirar, uma mulher forte e determinada”.
Costa também acha que as discussões sobre todos os símbolos ao redor de Lara Croft devem ser mais racionais e menos apaixonadas: “eu acho que existem coisas muito problemáticas em todas as versões dela. Pra começar, ela é uma personagem fictícia, ela foi criada, não existe de forma natural então não podemos falar ‘A Lara Croft só tem peitos’, ela não é, ela foi criada assim como um objeto por uma equipe. É ÓBVIO que a imagem dela (tanto a atual que também é ultra sexualizada quanto a clássica) foi criada pra estimular o suposto olhar masculino,mas acontece que isso não funcionou tão bem assim na prática. Quando você analisa a demografia dos TR Forums, a maioria consiste em mulheres e homens cis gays que de alguma forma viam na lara um ícone, uma inspiração e isso vale pra todas as versões da personagem”.
Costa finaliza: “ela pode ter sido concebida pra ser um ícone sexual, mas acho que pra muita gente a personagem foi além disso. Não acredito que um personagem possa ser empoderado, ele não tem sensciência, mas acho que enquanto inspiração a Lara antiga era mais poderosa pelo menos no contexto que estava, anos 90, girl power etc. Mas mesmo hoje muitas moças começaram a jogar o Reboot e também se identificaram com a Lara. No geral, ela é uma personagem interessante”.
Lívia Prado – engenheira química
Lívia conhecia o personagem e o jogo há muito tempo, mas só foi jogar um Tomb Raider completo depois do reboot de 2011. Desde então, foi conquistada pela série e jogou partes de praticamente todos os outros jogos da série e espera poder terminá-los quando tiver tempo.
O favorito da engenheira é o Legend, primeiro feito pela Crystal Dynamics, que modernizou a série, mas não abandonou os quebra-cabeças. Ela não gostou muito da jogabilidade mais linear e simples dos novos jogos.
“Desde pequena curtia o fato de ser diferente porque tinha partes dos jogos que você tinha que pensar mais, não era só chegar e fazer, tinha joguinhos de lógica. E ela era muito massa. Conseguia fazer tudo praticamente sozinha. Até cheguei a querer ser arqueóloga porque achava bem interessante as coisas de História que ela descobria”.
Ao contrário de Dayane, Prado prefere a nova Lara:”antigamente eles faziam questão de fazer bem sexy e era short curto e isso era paia. Porque ela não precisava disso tudo para ser durona, prova disso foi o design novo que é bem mais comportado e não deixa de ser top.Eu curto mais o novo. Mas a personagem em si é massa, é uma mistura de força com inteligência”.
Ainda sobre Lara, ela finaliza dizendo que a aparência da personagem não influencia no seu legado: “Em si, eu não acho que seja uma personagem machista. Pelo contrário, mostra uma personagem forte, aventureira, bonita e além disso tudo inteligente. Da até vontade de ser assim (risos)”.
Flávia Gurgel – jornalista e produtora
Assim como Dayane e Lívia, Flávia acredita que a hipersexualização da personagem em sua origem não afeta sua importância: “eu penso sempre nela como ícone feminista por ter surgido em uma época em que os protagonistas costumavam ser homens e somente eles faziam sucesso. Pra mim, Tomb Raider é um marco feminista, porque apesar do pensamento ultrapassado da indústria de games de achar que uma protagonista mulher poderia afastar os jogadores, a franquia é um grande sucesso entre os gamers, independente de gênero”.
Flávia ressalta que feminismo é igualdade e foi isso o que Lara fez: “A busca do feminismo é a igualdade de gênero e Tomb Raider trouxe uma mulher em um papel independente, contando a sua história através de um jogo, mostrando a força que uma mulher pode ter e que essa história de ‘sexo frágil’ é uma generalização que não vale para ela, logo, não vale para todas as mulheres”.
Assim como Dayane, ela gostou de mudarem a roupa da personagem, mas achou a Lara pós 2011 mais fraca: “eu gostei do reboot, mas acho que apesar de remover as roupas e a voluptuosidade, achei a personalidade dela mais fraca, ficou uma coisa pela outra, entende? Não sei se foi proposital, pra ainda fazer esse balanço das coisas, ou se foi pra dizer: olha, ela aqui tá no começo, ela ainda não é a mulher poderosa que você conhece, ela ainda vai se tornar”.
Mas ela enxerga grandes méritos no reboot: “A nova Lara Croft é mais palpável, é uma personagem que não começa como um referencial de mulher forte, mas que passa por certas provações e que explica como ela se tornou aquela exploradora famosa e tal. Por ela não ser, inicialmente, poderosa, ela acaba criando um vínculo com o jogador que também não o é na vida real, e ele acaba crescendo junto com ela e com as experiências dela”. A identificação é o elo forte: “É importante que o jogador, independente de gênero, comece a se por no lugar da Lara Croft para gerar empatia”.
Raquel de Paula Ribeiro – mestre em Comunicação e doutoranda em video games
Já Raquel é gamer de longa data e acadêmica na área, desenvolvendo seu doutorado na área de games. Para ela, toda a questão pode ser mais complicada do que parece. Ela ressalta que um dos primeiros pontos a ser lembrados é que a indústria de jogos mudou: era um cenário bem diferente em 1996.
“Eu tenho 29 anos, sempre gostei de videogame, mas sou mulher. Hoje, esse último elemento tem pouca importância no grupo de consumidores de videogame, mas em 96, quando o primeiro jogo saiu, a questão era muito diferente. Os jogos eletrônicos eram considerados brinquedo e de meninos, as meninas supostamente tinham outros interesses. Crianças na minha faixa etária na época (cerca de 10 anos) e que jogavam vicdeogame eram meninos pré-adolescentes descobrindo seus hormônios. Nesse sentido, não é de se admirar que uma heroína de jogos de videogame boazuda e com curvas anti-naturais fosse criada, e mais, não é de se espantar que tenha feito tanto sucesso”, relata.
Ela reflete que muitas das personagens famosas dos anos 1990 refletem o machismo dos games da época, cada uma à sua maneira: “Ela é um produto, como a Chun Li e suas pernas e cintura fina, como as lutadoras em peças mínimas de roupa de Tekken e Mortal Kombat e em completa oposição às personagens ‘aceitáveis para menina’ como a Peach de Mario Bros ou a Zelda The Legend of Zelda, completamente cobertas dos pés à cabeça. Todas elas são machistas à sua maneira na década de 90, pois são fruto da sociedade e da política de consumo de imagens e produtos culturais”.
Raquel acredita que após 20 anos, o público dos video games mudou radicalmente. Dessa forma, a representação também mudou. “Isso fez com que as personagens precisassem mudar, pois o videogame deixou de ser visto como brinquedo de criança e inicia seus passos para deixar de ser visto como ‘coisa de menino/homem’. Esse mercado se vê refletido novamente na personagem Tomb Raider, que nos últimos dois jogos da série tem sido vista como uma mulher bonita, mas de proporções normais, com roupa de escalada, ainda ligeiramente sexualizada (especialmente pelos ângulos em que aparece), mas que consegue atender às exigências de um público de ambos os sexos que não é mais desencorajado a jogar por motivos de gênero”.