Lava Jato RJ: seis anos depois, dos 300 presos apenas o ex-governador Sérgio Cabral segue na cadeia
Primeira ação da maior e mais longeva campanha de combate à corrupção do estado aconteceu em 17 de novembro de 2016 com a prisão do ex-governador em seu apartamento, no Leblon
O Rio de Janeiro parou, na manhã de 17 de novembro de 2016, para acompanhar uma cena histórica. Para levar Sérgio Cabral preso, a Polícia Federal teve de abrir passagem com gás de pimenta entre os curiosos aglomerados em frente ao prédio no Leblon. Começava pela casa do ex-governador a maior e mais longeva campanha de combate à corrupção do estado, que chegou a contar 300 presos, mas seis anos depois se aproxima de um desfecho pífio: nas celas antes lotadas de réus do colarinho branco, só resta o próprio Cabral, ainda assim por pouco tempo, como apostam os seus advogados.
Desde a Calicute, estreia da Lava Jato no Rio, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal contam 55 operações, mais de 550 denunciados e um volume de R$ 4,1 bilhões em recursos recuperados por acordos de colaboração premiada e de leniência. Porém, o que é motivo de orgulho para as autoridades responsáveis causa também dor de cabeça: 11 procuradores da República da Lava Jato-RJ respondem a um processo administrativo disciplinar por suposto vazamento de dados sob segredo de Justiça, e a 7ª Vara Federal Criminal, do juiz Marcelo Bretas, sofre correição extraordinária.
Com o declínio das operações no Rio de Janeiro, provocado por uma sucessão de problemas, já há casos de delatores dispostos a anular a colaboração e reivindicar a devolução do dinheiro, embora o que tenham contado praticamente os transformem em réus confessos. Alguns deles também foram restituídos aos cargos de origem e outros recuperaram os mandatos pelo voto do eleitorado.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Ubiratan Cazetta, disse que um dos problemas da força-tarefa do Rio foi usar o mesmo nome da operação no Paraná, tornando ambas interligadas. Para ele, embora a Lava Jato-RJ tenha evitado a personalização, acabou atingida pelo envolvimento do procurador da República Deltan Dallagnol e pelo juiz Sergio Moro no escândalo da Vaza-Jato.
— Uma investigação deste tamanho provoca reações fortes, que tentam diminuir o impacto das descobertas — lamenta Cazetta.
Uma das vozes mais importantes na crítica às ações da Lava Jato-RJ foi a do advogado Luciano Bandeira, presidente da OAB-RJ. Ele disse que colaboradores arrependidos, ao pedir o cancelamento da delação, alegam que foram coagidos a depor e contar o que os procuradores queriam ouvir para fechar uma investigação:
— Em Nova York, por exemplo, é completamente diferente. O investigador não pode perguntar nada. Limita-se a ouvir o que o colaborador quer falar.
Desde abril de 2021, quando a força-tarefa da Lava Jato-RJ foi transformada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado no MPF-RJ (Gaeco federal), as investigações sobre a organização liderada por Sérgio Cabral praticamente pararam. Os processos se espalharam entre os procuradores da República e os ex-integrantes do grupo não sabem dizer se alguma sentença contra os acusados já transitou em julgado.
Seja qual for o desdobramento, foram cinco anos de investigações que mudaram o cenário político fluminense. Desde a prisão de Cabral, operações como Quinto do Ouro (março de 2017), Ponto final (junho de 2017), Cadeia Velha (novembro de 2017) e Câmbio, desligo (maio de 2018) levaram para a cadeia figuras proeminentes como o ex-governador Luiz Fernando Pezão, o ex-presidentes da Assembleia Legislativa Jorge Picciani (morto em 2021) e Paulo Melo, o “doleiro dos doleiros” Dario Messer, cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), e o empresário do setor de transportes Jacob Barata Filho.
Também entram na conta da Lava Jato Rio, embora indiretamente, o afastamento do então governador Wilson Witzel em agosto de 2020 e a prisão do então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, em dezembro de 2020.
O objetivo inicial do novo Gaeco Federal, formado pelos mesmos 11 procuradores da força-tarefa da Lava Jato-Rio, era dar continuidade às investigações. Não faltaram provas para alavancar novas operações. Porém, a abertura de processo administrativo disciplinar (PAD) no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) arrefeceu o ânimo da equipe. Os 11 integrantes são acusados de quebra de sigilo na investigação sobre a participação dos ex-senadores Romero Jucá e Edison Lobão em suposto esquema de propinas na construção da usina nuclear de Angra 3, no Rio.
— Foi um aprendizado para todos nós. O trabalho demonstrou o quanto também é importante proteger quem investiga, para que reações assim não se repitam — afirma o presidente da Associação Nacional de Procuradores, Ubiratan Cazetta.
O esvaziamento da cadeia aumenta o desânimo dos procuradores da República, que já não sabem quando surgirá outra chance de enfrentamento da corrupção política. Até eles não acreditam na permanência de Sergio Cabral na prisão. A defesa do ex-governador derrubou todas as prisões preventivas oriundas da Lava Jato-Rio, convertendo-as em domiciliar, além de duas que vigoravam no âmbito da Justiça Estadual.
Resta apenas um mandado de prisão preventiva, decretado pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, do então juiz Sergio Moro. Um recurso para derrubá-la está sendo apreciado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou no sentido de mantê-la. O ministro Ricardo Lewandowski votou pela soltura de Cabral. Em seguida, houve um pedido de vista do ministro André Mendonça, restando ainda os votos de Gilmar Mendes e de Kassio Nunes.