Leitos de UTI para Covid ficam vazios em pequenas cidades do país
Hospitais estão sem pacientes em estado grave em municípios do Amapá; Cabrobó (PE) vai desativar enfermaria
Sem mortes por Covid-19 há dois meses, com leitos de enfermaria vazios há 30 dias e mais de 40 dias sem enviar pacientes para UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) de cidades vizinhas, Cabrobó, no sertão de Pernambuco, aponta para novas realidades da pandemia.
Ela, assim como outros pequenos municípios do país, não tem mais pacientes com o novo coronavírus internados em UTIs e há até casos em que leitos estão sendo desativados em hospitais devido à falta de pacientes com a doença.
A redução de casos e da média móvel de mortes em decorrência da doença —que baixou de mil diárias no último sábado (31) pela primeira vez desde 20 de janeiro— impulsionam o fechamento de vagas, ao ritmo em que a vacinação avança.
Mas ela sozinha não faz milagres, aponta o epidemiologista e pesquisador da Fiocruz Amazônia Jesem Orellana. Para ele, a redução verificada é fruto também de outros fatores, como a ampliação de leitos de UTI na fase crítica da pandemia.
Especialistas também têm chamado a atenção para o riscos da variante delta, que começou a se espalhar pelo país. Mais contagiosa que a cepa comum do coronavírus, a delta provocou uma disparada de casos em países da Europa e nos EUA, levando-os a rever medidas que já tinham abandonado, como o uso de máscaras.
Por enquanto, porém, a realidade de pequenas cidades brasileiras é outra. Cabrobó tinha 20 leitos de enfermaria e, sem uso, alguns foram reintegrados à clínica médica. A parede construída para isolar a ala foi derrubada junto com a queda de infectados pelo coronavírus, de um pico de 171 casos em maio para 41, em agosto. Em Petrolina, onde há UTIs para atender casos de Cabrobó, a taxa atual de ocupação de leitos é de 12% —já foi 100% em março.
Na também pernambucana Salgueiro, apenas 2 de 20 leitos de UTIs para Covid do hospital local estão hoje ocupados.
No Amapá, todos os leitos de UTIs para tratar pacientes críticos da Covid-19 estavam vazios em Laranjal do Jari (total de 9) e Oiapoque (3).
No país, a situação mais confortável nos hospitais são as dos estados do Acre, com taxa de ocupação de 20% de UTIs para Covid, seguido de Paraíba (30%), Amapá (33%) e Rio Grande do Norte (41%).
O quadro reflete maior tranquilidade nas redes de saúde principalmente nas cidades do interior.
Pernambuco, que já chegou a picos de 90% da ocupação e fila por vagas, está entre os estados com queda expressiva da demanda por leitos de UTI para Covid-19, segundo levantamento da Folha na última semana.
Salgueiro, que já aplicou mais de 50 mil doses de vacinas, vê aos poucos os leitos esvaziarem. Além do Hospital Regional Inácio de Sá, com apenas 2 pacientes nas 20 UTIs, o Hospital de Campanha Nova Esperança, que tem 24 leitos de enfermaria para Covid, está com um único internado, um homem de 70 anos que não tomou a vacina.
Pouco mais de seis meses após a primeira vacina aplicada, 51,24% da população de Cabrobó já tomou ao menos uma dose. A cidade imuniza o público maior de 25 anos e deve baixar a idade para 18 ainda esta semana.
“Após os dois primeiros meses da vacinação já começamos a sentir os efeitos dela, como a redução dos casos, ausência de agravamento da doença e de óbitos”, afirma Gilca Moraes, secretária de Saúde de Cabrobó.
O clima de alívio, sem apreensão pela falta de insumos e das muitas filas, é sentido na rotina da técnica de enfermagem Luana Oliveira, do hospital regional. Dos 40 testes para Covid que ela realizava diariamente, na terça (3) só aplicou um.
“Há seis meses, a gente não tinha descanso. Eu presenciei profissional tentando intubar paciente, aqui de madrugada, no período que não encontrava vaga”, lembra. “Me dá um alívio saber que estamos cada dia avançando, voltando ao normal, tendo a visão de dias melhores.”
A Paraíba, estado que já vacinou 64,5% da população com pelo menos uma dose, nos últimos dois meses reduziu pela metade as internações e óbitos, segundo o secretário-executivo de Saúde, Daniel Beltrammi.
“Nós reforçamos que é preciso completar o esquema vacinal, observando o tempo oportuno da segunda dose e manter os cuidados pessoais e coletivos para diminuir a disseminação deste vírus”, disse.
Outros pequenos municípios do estado também apresentam melhora, como Piancó, com seus 16 mil habitantes. Na cidade, o Hospital Regional Wenceslau Lopes, que já teve mais de 800 internações por Covid-19, vê reduzir a ocupação. Do final de junho até o começo deste mês, os dados apontam queda de 80% na UTI e 70% na enfermaria.
“Foi possível perceber essa redução com a realização da imunização nos idosos, quando houve diminuição dos internamentos, bem como casos mais graves”, diz a diretora da unidade Inêz Leite. Um ano atrás, estava com 100% de ocupação. “Era um trabalho exaustivo, pois estávamos acima da capacidade e os profissionais entrando em exaustão tanto física quanto mental.”
No Rio Grande do Norte, o estado faz há 20 dias reversão de leitos de UTI destinados a Covid para pacientes em geral —até o momento, foram 45 vagas. Ainda há 656 exclusivas para Covid, hoje com 35% de ocupação.
São Gonçalo do Amarante, na região metropolitana de Natal, registrou 60% de redução de óbitos, conforme a vacinação era realizada. Em março, foram 58 vidas perdidas e em abril, 21 —maio e junho tiveram 8 óbitos.
A cidade está com ocupação de 25% dos leitos, contando com as internações de pacientes de outros municípios. A Secretaria Municipal da Saúde atribui a melhora à vacinação e destaca que os casos atuais são maioria na faixa etária de 30 a 45 anos, os que receberam apenas uma dose.
No Amapá, onde 36% do público-alvo da campanha de vacinação já recebeu as duas doses ou dose única dos imunizantes, a taxa de ocupação nos hospitais vem caindo e, em duas das três cidades do estado que possuem UTIs para Covid, todos os leitos estavam vazios na terça.
Tanto Laranjal do Jari, no sudoeste do estado, como Oiapoque, no norte, estavam com 0% de ocupação dos leitos de UTI. Na capital, Macapá, que começou a vacinar pessoas de 20 anos na quarta (4), 40 dos 129 leitos estavam ocupados (31%).
No Acre, o avanço da campanha de vacinação também vem refletindo no esvaziamento das alas de UTI Covid nos hospitais públicos, que na terça tinham apenas 20% dos 70 leitos existentes ocupados.
Situação bem diferente do pico da primeira onda, em 2020, quando as unidades de saúde do estado operaram semanas a fio acima da capacidade máxima.
Atualmente, as três unidades que possuem leitos de UTI Covid no estado operam com até 30% de ocupação: no pronto-socorro do Hospital Geral das Clínicas de Rio Branco, 3 dos 10 leitos de UTI estão ocupados. No Into, outra unidade de referência em Rio Branco, 8 dos 40 leitos estão ocupados (20%).
Já no Hospital Regional do Juruá, em Cruzeiro do Sul, onde a prefeitura iniciou a vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos no dia 31, 2 dos 20 leitos de UTI Covid estavam ocupados na terça, ou 10% do total.
Para o epidemiologista Orellana, a redução da ocupação nas UTIs não pode ser atribuída apenas ao avanço da vacinação. “Ela ser a responsável exclusiva pelo arrefecimento da pandemia não é possível em cenário nenhum, em nenhum lugar do mundo, isso não existe na literatura. Esse arrefecimento é reflexo de, pelo menos, três fatores: o primeiro, inegavelmente, é a vacinação, mas não o único”, disse.
Também a ampliação de UTIs na fase crítica e a redução do público suscetível à contaminação, diante do elevado número de óbitos, contribuem para esse cenário de aparente tranquilidade nos hospitais, segundo ele.
Além disso, Orellana afirmou que a ocupação de leitos de UTI é um indicador de circulação tardia do vírus. “Na UTI só entra paciente grave, ou seja, aquele que já passou pelas primeiras fases da manifestação do vírus no organismo. Isso significa que a circulação do vírus pode já estar aumentando, mas ainda não se reflete na ocupação de UTIs.”