LENDA URBANA

Lenda da Loira do Banheiro surgiu após mãe manter filha morta em casa

Maria Augusta foi filha do Visconde de Guaratinguetá; nas redes sociais, personagem faz aparições frequentes

(Folhapress) Três xingamentos, três descargas, três palavrões e um fio de cabelo loiro: as formas de chamar a loira do banheiro variam no Brasil. A lenda, cuja história remonta ao século 19, segue despertando curiosidade.

Segundo o Google Trends, plataforma que indica tendências de pesquisa no buscador, o interesse pelo tema cresce anualmente em outubro. A personagem faz aparições frequentes nas redes sociais, sempre envolvida em aura de mistério e já foi desafio de maquiagem durante o mês das bruxas.

Além de um fantasma que apareceria no espelho para assombrar banheiros escolares, ou a versão brasileira da “Bloody Mary“, a mulher que deu origem à lenda tem nome e sobrenome. É Maria Augusta de Oliveira Borges, filha do Visconde de Guaratinguetá, cidade no Vale do Paraíba paulista.

Casada por ordem da família aos 14 anos com Dutra Rodrigues, Maria Augusta se separou aos 18, vendeu suas joias e foi para Paris. Lá morreu aos 26, sob suspeita de hidrofobia. Seu corpo, trazido a Guaratinguetá, ficou exposto por meses em um caixão de vidro na casa de seus pais devido ao arrependimento da mãe pelo casamento imposto.

Enquanto jazia na sala, funcionários da família relataram ver seu vulto, ouvir o piano que tocava e sentir seu perfume de rosas brancas. Mais tarde o imóvel se tornou a primeira escola da cidade e a história ganhou tração. Quando parte do prédio pegou fogo, mais mistério foi adicionado ao enredo.

Para o historiador Diego Amaro, a lenda está ligada diretamente à história de Maria Augusta. “Todos os vestígios apontam para ela enquanto a loira do banheiro. O Vale do Paraíba era uma grande potência do café e a notícia da morte da filha do Visconde e do corpo preservado se espalhou”, explica.

Para ele, a lenda trata de comportamento: ao introduzir o medo do fantasma, desencoraja alunos a passarem muito tempo no banheiro e a cometerem erros. “Recuperar a Maria Augusta e a história do Conselheiro Dutra é também recuperar a história das mulheres e da região. Guaratinguetá foi uma das últimas cidades a abolir a escravidão e isso só foi feito por pressão do Dutra. Mas a lenda é tão poderosa que apagou as duas figuras.”

A roteirista e diretora do curta-metragem “Loira do Banheiro: o Verdadeiro Terror da História” Priscilla Cabett conta que foi o apagamento de mulheres ilustres de Guaratinguetá que a levaram até Maria Augusta.

“As memórias orais relatam que ela sempre foi curiosa e corajosa. Ela cresceu em uma família aristocrática e acredito que por sua personalidade o Visconde se antecipou com o casamento para impor limites”, explica Cabett.

O curta, incentivado pela Lei Paulo Gustavo e apoiado pela Secretaria Municipal, busca retratar como ela enfrentou violências de gênero e participou do movimento feminista. A narrativa começa com a tentativa de invocar a loira no banheiro da escola. “Uma das personagens volta no tempo com Maria Augusta, que revela sua verdadeira história e desejos”, conta Priscilla. A roteirista acredita que Maria Augusta buscava por liberdade. “Há representação dela em pintura com os braços à mostra e com um decote”, reflete.

Para Amaro, no entanto, Maria Augusta é um resultado do que acontecia na época. “Ela vive em um período de ascensão das universidades, em que há um movimento no sentido emancipatório. O próprio Conselheiro Dutra [o marido] financia um jornal chamado ‘Eco das Damas’, material preparado por mulheres, para mulheres, falando de questões libertárias”, diz.

Hoje, a casa onde o corpo de Maria Augusta ficou exposto abriga a Escola Estadual Conselheiro Rodrigues Alves. Alunos ainda relatam medo ao ir ao banheiro, e funcionários afirmam ver “coisas estranhas”. O túmulo de Maria Augusta é aberto para visitação no Cemitério dos Passos.