Liminar anula exoneração de peritos de órgão de combate à tortura
Uma liminar concedida pela 6ª Vara Cível da Justiça Federal do Rio de Janeiro anulou…
Uma liminar concedida pela 6ª Vara Cível da Justiça Federal do Rio de Janeiro anulou parcialmente um decreto assinado em junho pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que exonerou 11 peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Com a decisão, eles deverão ser reintegrados às suas funções. A decisão é provisória. Procurada pela Agência Brasil, a Advocacia Geral da União (AGU) informou que “ainda não foi intimada da decisão e deverá apresentar o recurso cabível tão logo seja notificada”.
Além da exoneração dos peritos, o decreto havia determinado a transferência do MNPCT do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para a Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. A liminar, assinada na última sexta-feira (9) pelo juiz Osair Victor de Oliveira Junior, também cancela essa mudança.
O MNPCT faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, instituído pela Lei Federal 12.847/2013. Os peritos, que devem ser pessoas com notório conhecimento e com formação de nível superior, são escolhidos por uma comissão formada por 23 membros, sendo 11 representantes de órgãos do governo federal e 12 de organizações da sociedade civil, como conselhos profissionais, instituições de pesquisa e movimentos de direitos humanos.
Uma vez eleitos, de acordo com a lei, eles devem ser nomeados pelo presidente da República para um mandato fixo de três anos. Nesse período, conforme o artigo 8º da Lei Federal 12.847/2013, os peritos só podem ser afastados caso sejam constatados indícios de materialidade e autoria de crime ou de grave violação ao dever funcional.
“Não é difícil concluir a ilegalidade patente do Decreto em tela, uma vez que a destituição dos peritos só poderia se dar nos casos de condenação penal transitada em julgado, ou de processo disciplinar, em conformidade com as Leis nos 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e 8.429, de 2 de junho de 1992, o que já legitima o pedido de reintegração dos peritos nos cargos antes ocupados, até que o mandato respectivo se encerre pelo decurso do tempo remanescente”, registra a decisão. O juiz sustentou ainda que as exonerações poderiam acarretar no esvaziamento do órgão, afetando cidadãos em situação de vulnerabilidade.
A liminar foi concedida atendendo a pedido formulado pela Defensoria Pública da União (DPU), que recebeu ainda o apoio do Ministério Público Federal (MPF).
Compromisso internacional
A criação do MNCPT foi um desdobramento do compromisso internacional assumido pelo Estado brasileiro em 2007, quando o Congresso Nacional ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Os peritos têm direito ao acesso às instalações de privação de liberdade, como unidades penitenciárias, hospitais psiquiátricos e abrigos para idosos. Sempre que violações forem constatadas, eles devem elaborar relatórios com recomendações às autoridades competentes.
“O devido funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) vem sendo continuamente apontado como de fundamental importância ao Brasil, país que possui a terceira maior população prisional do mundo, com 726.712 presos, e sobre os quais diversos órgãos internacionais já relataram a existência de tortura e condições desumanas, degradantes e cruéis nos espaços de privação de liberdade”, escreveram no pedido feito à Justiça os defensores públicos Thales Treiger e Eduardo Queiroz.
Segundo eles, o Brasil assumiu compromisso internacional de dispor de todos os recursos necessários para o funcionamento do órgão com independência funcional. Os defensores lembraram ainda que, além de exonerar os 11 peritos, o decreto transformou as funções, até então remuneradas, em voluntárias.
A Justiça Federal atendeu ao pedido para que seja mantida a remuneração. De outra forma, de acordo com a DPU, ficariam limitadas as atividades de inspeção de locais de privação de liberdade. “Ressalta-se que a devida remuneração aos peritos dos mecanismos nacionais de prevenção à tortura figura como uma das recomendações do guia lançado pela ONU em 2018”, escrevem os defensores.