Mãe que investigou a morte do filho enquanto lutava contra o câncer morre no Rio
“Eu não vou descansar até provar que meu filho não era bandido”, foi a primeira…
“Eu não vou descansar até provar que meu filho não era bandido”, foi a primeira frase que ouvi da boca de Laura Ramos de Azevedo, em janeiro de 2019, na porta da delegacia da Pavuna, a 39ª DP. Eu estava lá em busca de alguma reportagem para publicar no jornal; ela estava lutando por Justiça. Pequena, magra, de aparência frágil, ela tentava convencer os policiais a ouvir seu depoimento sobre a morte do filho. Aquela situação me chamou a atenção. Abordei Laura, me apresentei e quis ouvir sua história.
Ela contou que Lucas de Azevedo Albino, seu único filho, tinha sido assassinado por policiais militares, aos 18 anos, na entrada da favela da Pedreira, onde ambos moravam. O crime tinha acontecido duas semanas antes antes — e os agentes acusavam Lucas, um jovem negro, de ser traficante e ter atirado contra uma patrulha. Laura disse que era mentira: seu filho não era bandido e ela podia provar isso porque tinha investigado o crime por conta própria.”Nem que seja a última coisa que eu faça. Pelo meu filho, vale a pena lutar. Tenho pouco tempo, mas vou até o fim”, foi o que ela disse. Não entendi o que ela quis dizer. Por que ela tinha tanta pressa? A resposta me tocou tão fundo que passei os meses e anos seguintes cobrindo o caso, coletando relatos e provas que pudessem esclarecer a verdade sobre a morte de Lucas.Ela tinha câncer, e a doença já estava em estado avançado: começou no pulmão, mas já tinha chegado aos ossos e ao cérebro. “Em 2014, fui diagnosticada com um tumor na mama. Tudo começou aí. Fiz quimioterapia, precisei remover meus seios. Em 2017, achei que tinha vencido o câncer, tanto que tatuei a frase ‘Eu lutei, eu venci’ e um laço rosa no ombro esquerdo. Mas cinco anos depois, fui internada com uma embolia pulmonar e descobri que a doença tinha voltado”, me contou.
Foto mostra Lucas sendo colocado em viatura — Foto: ReproduçãoFoto mostra Lucas sendo colocado em viatura — Foto: ReproduçãoNa época, ela tomava um coquetel de 25 remédios diferentes. Meses antes, seus médicos a aconselharam a se aposentar — ela trabalhava como consultora de vendas — e aproveitar o tempo de vida que restava em casa com o filho. Mas, depois da morte de Lucas, descansar não era mais uma opção.Na semana seguinte ao crime, Laura percorreu toda a favela atrás de testemunhas do crime e de imagens de câmeras de segurança, conseguiu localizar testemunhas e as convenceu a prestarem depoimento sobre o caso no Ministério Público e, por fim, achou uma prova que seria fundamental na investigação: uma foto que mostrava o filho sendo colocado na viatura pelos PMs sem ferimentos na cabeça. Quando deu entrada Hospital Carlos Chagas, 30 minutos depois, o rapaz já estava morto com um tiro na cabeça.Graças às provas coletadas por Laura, o MPRJ denunciou à Justiça quatro policiais em junho de 2021. A investigação concluiu que o que a mãe dizia era verdade: Lucas foi colocado na caçamba da viatura ainda com vida e foi executado em seguida. Quando liguei para contar a novidade, ela chorou. “A luta ainda não acabou, mas hoje eu estou feliz”, me disse.Laura ainda prestou depoimento no Tribunal de Justiça e — mesmo entre sessões de quimioterapia e internações no Instituto Nacional do Câncer — compareceu a todas as audiências do processo, amparada por outras mães que perderam seus filhos para a violência policial. A força para continuar lutando vinha do amor pelo filho, que ela criou sozinha desde 2002, quando o pai do menino foi morto durante uma tentativa de assalto. Nos últimos quatro anos, Laura mencionou Lucas todas as centenas de vezes que conversamos.
Laura não conseguiu ver os responsáveis pela morte do filho serem condenados. Há três anos em cuidados paliativos, ela faleceu na manhã desta sexta-feira, aos 40 anos, na UPA de Costa Barros após passar mal em casa. Seu sepultamento será neste sábado, no Cemitério de Irajá, às 11h. O julgamento dos policiais vai continuar. O amor de Laura por seu filho é eterno.