Menos de 8% dos casos de homicídios por arma de fogo chegam a julgamento no Brasil. A cada dez jovens assassinados no país, sete são negros. É o que mostra o dossiê A Situação dos Direitos Humanos das Mulheres Negras no Brasil, apresentado pelas organizações Geledés e Criola à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em encontro com a relatora de Direitos Afrodescendentes e Mulheres da OEA, Margarette Macaulay, que veio na semana passada ao Brasil, mães de jovens negros assassinados nas periferias denunciaram as dificuldades encontradas para buscar reparação e justiça pelos crimes e o direito de enterrar os corpos dos filhos.
“Eu não quero que outras mães passem o que eu estou passando. Para falar a verdade, nem o próprio que matou meu filho, eu não quero que ele passe, nem que a mãe dele passe a dor que é”, disse Zilda Maria de Paula, mãe de Fernando Luis de Paula, morto na chacina de Osasco, na região metropolitana de São Paulo. O filho de Zilda, na época com 34 anos, tinha saído para cortar o cabelo e depois foi a um bar com amigos no dia 13 de agosto do ano passado. Mais 18 pessoas foram assassinada na ocasião. Três policiais militares e um guarda-civil respondem pelos crimes.
“Quando dá 20h, 20h30, eu olho no relógio e falo: foi essa hora que meu filho perdeu a vida. Eu estou vivendo dia a dia a morte do meu filho, daqueles tiros horríveis, que eu pensei que eram fogos”, disse. Zilda contou que Fernando foi um dos últimos a ser morto no bar e viu os amigos sendo assassinados. “Eu imagino o terror que meu filho passou e, toda vez que eu penso isso, meu coração vem na boca, parece que sou eu que estou passando”, relatou Zilda.
Uma das autoras do dossiê, Nilza Iraci, do Instituto Geledés, destaca as violações que as mães também sofrem. “Cada morte de um jovem negro tem por trás uma mãe, uma irmã, uma companheira, uma família. As mães aparecem no momento em que sai a notícia e depois elas ficam sozinhas com suas dores”.
Invisibilidade
Segundo o dossiê, além do sofrimento pela perda do filho, “há ainda a culpabilização, a representação midiática negativa e preconceituosa desses jovens. Em situações como estas, as mulheres negras, vítimas negligenciadas, sozinhas ou organizadas em Coletivos de Mães em luta, seguem uma trajetória de invisibilidade e violências que não cessa”.
“Eu não sei se a minha luta, a nossa luta, é em vão ou vale para alguma coisa, porque, mesmo estourando essa chacina bruta que fizeram aqui com a gente, a coisa não vai parar e não parou porque você vê, de um ano pra cá, quantAs chacinas teve? Depois de um mês que teve a chacina daqui, mataram aqueles meninos lá em Carapicuíba”, disse Zilda, de 64 anos, que trabalha como empregada doméstica e, agora, mora sozinha. Ela é divorciada há mais de 30 anos e Fernando era o único filho.
Zilda critica a pouca atuação do Estado diante das chacinas e o fato de nenhuma família ter sido indenizada. “O pior é esse silêncio do lado de lá. Já fomos no palácio do governo [do estado], já fomos na Assembleia Legislativa”, disse. Os processos de indenização ainda tramita na Justiça.