Justiça

Mais de um ano depois, Justiça ainda discute se ministro vira réu por laranjas

Marcelo Álvaro Antônio, que chefia pasta do Turismo, tenta anular operação no STF; caso está com Gilmar Mendes

Mais de um ano após o indiciamento pela Polícia Federal e a denúncia pelo Ministério Público, a Justiça ainda não definiu se transforma em réu o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em decorrência do escândalo das candidaturas laranjas do PSL.

O caso saiu do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais e está no Supremo Tribunal Federal, sob a alçada do ministro Gilmar Mendes, que analisa pedido da defesa para anulação de toda a operação. O argumento principal é o de que Álvaro Antônio foi investigado de forma ilegal pelas autoridades mineiras, já que tem foro especial.

Em fevereiro de 2019, o ministro já havia recorrido ao STF para tentar barrar as investigações de Minas Gerais. Na ocasião, Luiz Fux, hoje presidente da corte, negou o pedido afirmando que a jurisprudência do Supremo diz que supostos crimes eleitorais cometidos por candidatos à reeleição, como era o caso de Álvaro Antônio, não devem ser investigados na corte.

O jornal Folha de S.Paulo revelou em diversas reportagens no início de 2019 um esquema de desvio de verbas públicas nas eleições de 2018, por meio de candidaturas laranjas no PSL.

Apesar de receber vultosas quantias, candidatas não tinham sinais evidentes de terem feito campanha para valer, obtendo uma votação inexpressiva. Como os partidos são obrigados a destinar a verba pública na proporção das candidatas que lança, em um mínimo de 30%, essas postulantes de fachada eram usadas para desvio do dinheiro para outros candidatos.

No caso de Marcelo Álvaro, a investigação policial iniciada com base em reportagens da Folha de S.Paulo concluiu, em outubro de 2019, que o ministro comandou o esquema de desvio, mesma posição sustentada na denúncia do Ministério Público apresentada no mesmo dia.

Apesar de figurar entre os 20 candidatos do PSL no país que mais receberam dinheiro público, quatro mulheres de Minas tiveram desempenho insignificante. Juntas, receberam 2.000 votos. Dos R$ 279 mil repassados pelo PSL, ao menos R$ 85 mil foram parar oficialmente na conta de quatro empresas de assessores, parentes ou sócios de assessores de Álvaro Antônio.

Ele exercia o mandato de deputado federal em 2018 e comandava o PSL de Minas, responsável por definir os candidatos no estado e o recurso público que cada um receberia.

A PF chegou a fazer busca em gráficas e na sede do PSL de Minas, não tendo encontrado na contabilidade e demais documentos das empresas provas de que elas de fato gastaram o dinheiro no material de campanha que declararam ter usado.

Várias candidatas do partido e uma deputada eleita, Alê Silva (PSL-MG), testemunharam às autoridades confirmando a existência do esquema.

Marcelo Álvaro sempre negou as acusações e, em diversas manifestações, acusou adversários internos da legenda e a Folha de S.Paulo de promover uma perseguição político-partidária contra ele. Ele afirma que a distribuição do fundo partidário do PSL de Minas cumpriu rigorosamente o que determina a lei e que confia na Justiça.

Após a denúncia, o TRE de Minas concedeu liminar suspendendo novas investigações contra o ministro do Turismo. A PF havia pedido novo inquérito sobre caixa 2, que é a movimentação financeira de campanha sem conhecimento da Justiça.

O tribunal também anulou o indiciamento feito contra as quatro candidatas acusadas, concedendo um habeas corpus.

O caso está sob sigilo.

A defesa de Marcelo Álvaro afirmou que as investigações foram feitas de forma ilegal e que acredita que serão anuladas pelo STF.

“O Tribunal Regional Eleitoral reconheceu que o MP Eleitoral e a Polícia Federal de Minas não tinham competência para fazer qualquer investigação. Portanto, toda a investigação foi procedida por autoridades sabidamente incompetentes. Acreditamos que o Judiciário irá anular essas provas ilícitas e a ordem jurídica será restabelecida”, disse o advogado Willer Tomaz.

Outro braço do laranjal do PSL que também aguarda há quase um ano uma definição é relativo ao presidente nacional da sigla, Luciano Bivar.

Ele foi indiciado no final de novembro de 2019 pela Polícia Federal, além de outras três candidatas, após a Folha de S.Paulo revelar que ele direcionou R$ 400 mil de dinheiro público do partido para Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos.

Lourdes Paixão era uma secretária administrativa do PSL de Pernambuco, terra de Bivar, e foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, mais do que o próprio presidente Jair Bolsonaro (eleito pelo PSL, hoje sem partido) e a deputada federal Joice Hasselmann (SP), essa com 1,079 milhão de votos.

O indiciamento foi para o Ministério Público, que até hoje não apresentou manifestação. Cabe à Promotoria definir se oferece denúncia contra Bivar ou opina pelo arquivamento. O caso também está sob sigilo. Bivar sempre negou irregularidades.

A repercussão do caso do laranjal do PSL resultou na demissão do coordenador da campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, do cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Ele presidiu o PSL nacionalmente em 2018.

Na época da divulgação do caso, ele entrou em discussão pública com Bolsonaro e um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro, segundo quem o então ministro havia mentido ao dizer que conversara com Bolsonaro três vezes na véspera, negando a turbulência política causada pelas denúncias das candidaturas laranjas.

Bebianno morreu em março, vítima de infarto. Ele sempre afirmou que jamais teve contato com as candidatas laranjas e que os repasses do partido a elas, tanto em Minas quanto em Pernambuco, foram de responsabilidade dos diretórios dos respectivos estados, versão corroborada posteriormente por Bivar e Álvaro Antônio.

Nas eleições deste ano, mais de um terço dos candidatos que o PSL lançou à Câmara de Belo Horizonte divulgou nota em que afirma que o partido está se envolvendo, mais uma vez, “em escândalo de repasse de verbas públicas”.

O motivo da revolta de 24 candidatos é o repasse, pela sigla, de R$ 690 mil do fundo eleitoral à candidata a vereadora Janaina Cardoso (PSL), ex-mulher de Álvaro Antônio, que, apesar de não ser mais formalmente presidente do diretório mineiro da sigla, mantém o controle político.