Mandetta: ‘Bolsonaro tomou decisão consciente que colocou vidas em risco’
Em entrevista ao programa Roda Viva o ex-ministro da Saúde afirma que Bolsonaro fez uma 'opção política consciente' ao priorizar economia
Luiz Henrique Mandetta (DEM), ex-ministro da Saúde, afirmou na noite desta segunda-feira (12) ao Roda Viva que as falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) minimizando a pandemia do novo coronavírus não são fruto de despreparo, e sim “decisão consciente” do governo. Segundo Mandetta, ainda em março o chefe do Executivo sabia que o país poderia chegar a 180 mil mortos — atualmente o Brasil tem mais de 150 mil óbitos pela covid-19.
“Não acho que seja despreparo, acho que foi uma decisão consciente, sabendo dos números, apostando num ponto futuro (…) Ele se abraçou na tese da economia, já para ter uma vacina para ele e falar: ‘a economia vai recuperar, fui eu que recuperei, não deixei’. Ele fez uma opção política consciente que colocava em risco a vida das pessoas. Isso foi consciente da parte dele, não tenha dúvidas”, disse o ex-ministro.
Mandetta declarou ter apresentado “cenários para todos os gostos” para Bolsonaro e outros ministros e que Bolsonaro escolheu no que acreditaria. Ainda, acrescentou que o protocolo para uso da hicroxicloroquina era “muito bem arquitetado para uso político”.
“Joga cloroquina, começa a chamar de vírus chinês, fala que a culpa é da China. Então não dá para falar da China, fala que é da OMS. Passou o Ministério da Saúde a ser o elemento de raiva, esse é o cara que traz a notícia ruim, fala o que não quero ouvir. Tanto que eles trocam o ministro e uma das primeiras coisas que o ministro militar chega e fala e que não vai mais dar números”, observou Mandetta.
Influência de Paulo Guedes
Mandetta declarou também que houve uma priorização na questão econômica em relação ao controle sanitário no gerenciamento da pandemia de coronavírus no Brasil. Ele declarou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pode ter influenciado as decisões do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o tema.
“O presidente falou: ‘eu prefiro atender a economia porque acho que é mais importante que atender a saúde'”, lembrou.
Mandetta afirmou que se sentia incomodado com a criação de “falso dilema” entre saúde e economia, e que Paulo Guedes tinha o pensamento restrito aos “números” e apenas ao que ocorria dentro da Economia, e não em outras pastas.
O ex-ministro afirmou que no início da pandemia, com o fechamento de fábricas brasileiras com capacidade de produzir respiradores, a Saúde encontrou dificuldades em adquirir os aparelhos já que a China — diante de alta demanda interna e externa — também não fornecia mais os equipamentos.
“Eu precisava que entendessem o contexto da doença para somar esforços e falarmos: ‘quando tivermos todas as armas, aí vamos começar a falar da atividade econômica’. Mas era muito difícil. Ele [Guedes] olhava muito para si, muito para dentro de seu próprio ministério, e o grau de influência om o presidente… ele devia chegar no presidente e falar: ‘Esse ministro da Saúde vai parar o Brasil, o mundo vai acabar, vai ter desemprego, gente na rua, quebra quebra. Ele deve ter sido de grande influência para o presidente tomar aquelas atitudes”, disse Mandetta.
Política x Técnica
Mandetta declarou que tentou manter a questão política no mesmo peso da atuação técnica enquanto ministro. Ele alegou que para viabilizar qualquer uma das partes tem que ter “articulação política e conhecer Brasília”, mas que diante de determinações superiores, era obrigado a trocar o seu corpo técnico.
O ex-ministro afirmou que a relação com Bolsonaro foi se desgastando ao longo da pandemia “igual um casal”. Ele alega que em reuniões com todos os outros ministros, ele acenava positivamente para sugestões de Mandetta e, 48 horas depois, “fazia o contrário”.
“Ele tinha um entorno paralelo, não se pautava no Ministério da Saúde ou os ministros do campo militar. Ele se pautava pela internet, esse mundo virtual. Não era se eu iria sair: era quando eu iria sair”, completou o ex-ministro da saúde.