Marco Aurélio adia saída do STF e diz que sucessor não pode ter paixões
Ministro do Supremo pediu para ficar até a data limite no cargo, dia 12 de julho
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Marco Aurélio Mello, confirmou nesta sexta-feira (19) no UOL Entrevista que mudou a data de sua aposentadoria do cargo. Ele havia anunciado que deixaria o tribunal no dia 5 de julho, mas nesta sexta enviou um ofício ao presidente da corte, Luiz Fux, pedindo para adiar seu afastamento para o dia 12 de julho, quando completará 75 anos.
“Cheguei à conclusão de que não deveria virar as costas à cadeira antes da idade limite [para permanecer no serviço público], por isso disse que esperarei a undécima hora para, aí sim, implementados os 75 anos, deixar a capa de julgador que eu busquei, nesses anos, honrar”, disse ele ao programa, conduzido pelo apresentador Diego Sarza e pela colunista Carolina Brígido.
Na carta, a qual o UOL teve acesso, o ministro diz que quer dedicar-se ao Judiciário e, com isso, diminuir ao máximo o número de processos que ficarão no Gabinete. Marco Aurélio também comentou que tem preferências para seu sucessor. Ele disse que sua preferência é “pela felicidade do presidente da República” na escolha e ressaltou que o magistrado “não pode ter paixões”.
Ainda neste tema, Marco Aurélio relembrou que o Estado é laico. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que vai indicar o próximo ministro da Corte, já afirmou que escolheria alguém “terrivelmente evangélico” para a vaga.
“Que se observe não a formação religiosa. Que o escolhido perceba a envergadura da cadeira — o Supremo tem a última palavra sobre o conflito de interesse — e que se sinta longe de qualquer paixão, porque o julgador não pode ter paixão”, disse o ministro Marco Aurélio Mello.
O decano afirmou ainda que estava preparado para deixar o cargo em 2016, aos 70 anos. Em 2015, porém, foi aprovada a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Bengala, que aumentou a idade da aposentadoria compulsória para os 75 anos.
“Embora eu seja um pouco conservador – estou casado há 49 anos com a mesma mulher-, eu viro com muita facilidade a página. Hoje, meu sentimento é de tranquilidade maior quanto ao dever cumprido, e cumprido segundo as minhas forças”.
Mello também relembrou o seu início no STF e admitiu que tem saudade dos magistrados da “velha guarda”, da época em que começou a carreira, como juiz do trabalho no Ministério Público em 1975 —ele viria a ser ministro do Supremo em 1990, indicado pelo então presidente e seu primo, Fernando Collor de Mello.
“Estou há 31 anos no Supremo e tenho 42 anos como julgador em colegiado, o que eu penso que é um recorde no Brasil. Mantive esses anos todos e vou manter até os últimos o espírito irrequieto. Percebo o colegiado como uma somatória de forças distintas. Aí cabe a cada qual, com equidistância e coragem, revelar a ideia que tem sobre o caso concreto. Encerrarei dessa forma, mas muito satisfeito acima de tudo, com o sentimento de dever cumprido”.
Ao avaliar a gestão de Jair Bolsonaro, Mello evitou críticas mais incisivas mas disse que ele cometeu “alguns pecadilhos”, como a postura negacionista quanto à pandemia e as críticas ao STF.
“O exemplo vem de cima, e quando tem esses arroubos de retórica, não contribuem para o avanço. Não podemos pensar em fechamento das instituições, senão vamos fechar o Brasil para balanço”, comentou, em relação aos atos antidemocráticos promovidos por bolsonaristas contra a Corte. Também afirmou que a instabilidade política vem causando um excesso de ações no STF, o que teria prós e contras.
“Eu já disse que partidos que não figuram no Congresso passam a acionar o Supremo para fustigar o governo. Isso pode ter o lado positivo, que é a liberdade das minorias, mas pode ter lado negativo, que é a potencialização desse acesso ao Judiciário. E o Supremo atua sem estar engajado nessa ou naquela política governamental ou partidária”, analisou.