Médico acusa Hapvida de assédio para receitar ‘kit covid’ e recusar fazer testes contra a doença
Profissional trabalha em um hospital de Fortaleza e detalhou como era o suposto esquema; empresa nega irregularidades
Um médico que trabalhou na Hapvida acusa a operadora de assediar os profissionais para que receitasse o chamado “kit covid”. Segundo ele, a empresa também se recusava a liberar exames para detectar a doença. A revelação foi feita por Felipe Peixoto Nobre ao jornal O Globo.
Vale lembrar que o “kit covid” não é eficaz contra o tratamento da Covid, embora essa seja uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. A reportagem teve acesso a mensagens, áudios e relatos que mostram que havia orientações diretas para que os médicos convencessem os pacientes a tomarem cloroquina.
O médico ainda revela que os superiores assediavam os profissionais para receitar o tratamento ineficaz, com direito de uma lista de profissionais que eram considerados ofensores e até com ameaça de demissão.
Hapvida: médico diz que empresa não informava pacientes sobre riscos do “kit covid”
O médico apontou que a empresa não fazia questão de informar aos pacientes sobre os riscos do uso do medicamento sem eficácia.
Além disso, a operadora também se recusava a fazer testes para detectar o novo coronavírus no início da pandemia. Ele ficou na operadora de janeiro a maio de 2020, no Hospital Antônio Prudente, em Fortaleza (CE).
“Éramos vistos como inimigos e marcados com uma bandeira vermelha. Recebi quatro visitas no ambulatório do médico-líder em menos de um mês”, lembrou.
“Me disseram que eu corria o risco de ser desligado do plano, caso eu não prescrevesse o “kit covid”. A chefia sabia exatamente quem prescrevia ou não, porque estavam fazendo auditoria nos prontuários, um absurdo total”, continuou Felipe.
Segundo ele, “não interessava se o paciente sabia ou não dos riscos, a orientação era: tem que passar e não cabe discussão. Eu saí em maio de 2020, mas soube por colegas que eles continuaram fazendo isso até março deste ano.”
Médico afirma que recusa de testes levou a “mais contaminação no ambiente’
Felipe afirma que o fato da operadora se recusar a fazer testes de Covid-19 em pacientes suspeitos acabou “gerando ainda mais contaminação do ambiente”.
“O Ministério da Saúde havia baixado orientação de testar todo (caso) suspeito, mas o plano não seguiu isso. Recebi várias negativas de exames pedidos”.
“Me lembro de ao menos dois casos: um de uma senhora de idade com comorbidades e outro de uma enfermeira que trabalhava no hospital, as duas com sintomas de gripe. Me disseram que o teste era só para pacientes com indicação de internação”, recordou.
Nota
Por meio de nota, a operadora disse que a fase inicial da pandemia foi marcada por “incertezas”.
“No passado, havia um entendimento que a hidroxicloroquina poderia trazer benefícios aos pacientes. No melhor intuito de oferecer todas as possibilidades aos nossos usuários, houve uma adesão relevante da nossa rede, que nunca correspondeu à maioria das prescrições”, diz a nota.
Sobre a pressão para que os médicos receitassem o “kit covid”, a empresa afirmou que a prescrição da cloroquina ocorria “sempre durante consulta, de comum acordo entre médico e paciente”, e que “respeita a autonomia e a soberania médica”.
A operadora também declarou que a adoção do medicamento foi “sendo reduzida de forma constante e acentuada”, e que a prática teria deixado de ocorrer “há meses”.
MP-CE multa Hapvida em mais de R$ 460 mil
O médico reforça que, após sair da operadora, denunciou o caso para o Conselho Regional de Medicina do Ceará (Cremed), mas, segundo ele, a apuração sobre o caso não avançou.
Desde então, o profissional se tornou uma das principais testemunhas contra a empresa numa investigação do Ministério Público do Ceará (MP-CE).
Pelo depoimento prestado pro Felipe e outros elementos apurados, o órgão decidiu multar a Hapvida em R$ 468,3 mil em abril deste ano.
A operadora recorreu da multa em maio e ainda aguarda o resultado do julgamento. Em defesa, a operadora disse que não haveria provas de que obrigava seus médicos a prescreverem cloroquina, que o ator das denúncias trabalhou por pouco tempo na rede e que fez uma “denúncia solitária”.
“Acreditar na estória contada pelo denunciante implica admitir que uma das maiores operadores de planos de assistência à saúde do país dispensaria esforços e recursos em meio a uma guerra pandêmica, apenas para perseguir médicos que não receitavam cloroquina”, diz a defesa da companhia.