Médico diz que boa alimentação dispensa uso de suplemento; entenda
Levantamento mostra que ao menos uma pessoa em 59% das famílias brasileiras consome esse tipo de produto
O consumo de suplementos alimentares, como whey protein, creatina e até mesmo vitaminas, está em alta no Brasil. Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad) mostrou que o consumo desses produtos está presente na dieta de pelo menos uma pessoa em 59% das famílias brasileiras. O relatório também mostrou um aumento de 10% do consumo de suplementos alimentares, em comparação com 2015.
No entanto, a maioria das pessoas faz isso por conta própria ou ainda tem dúvidas sobre como usar esses compostos. Em entrevista do GLOBO, o médico nutrólogo e do esporte, Eduardo Rauen, fundador da Liti e diretor técnico do Instituto Rauen, fala sobre os benefícios e riscos do uso de suplementos. Ele também esclarece sobre os principais mitos sobre nutrição encontrados nas redes sociais.
Quem de fato precisa tomar suplementos?
Suplemento é dar algo a mais do que da própria alimentação, ou seja, algo que a alimentação não supre. Quando pensamos em atletas, eles geralmente precisam suplementar porque não conseguem comer tudo o que precisam. Mas se você não é atleta e tem uma boa alimentação, com a quantidade adequada de proteína, carboidrato, minerais e vitaminas, não precisa suplementar. Há pessoas, no entanto, que por questões de saúde, como a doença celíaca, não conseguem absorver uma quantidade adequada de nutrientes e precisam suplementar. Outra indicação é para dietas restritas, como pacientes vegano, vegetarianos ou que excluem algum grupo alimentar. No caso do vegetariano ou vegano, muitas vezes, ele não atinge a quantidade necessária de proteína e suplementamos com proteína ou whey protein para pessoas que aceitam alimentos vindos do ovo e do leite. Toda pessoa que corta um grupo alimentar de procurar ajuda profissional porque fazer isso em orientação envolve o risco de ter deficiência de algum nutriente.
Muitos idosos têm consumido whey. Tudo bem?
Idosos podem precisar de suplementação porque nessa faixa etária a absorção de proteína no sistema digestório é menor e eles precisam ingerir uma quantidade maior de proteínas por dia. Mas, na prática, acontece o oposto. Vemos cada vez mais idosos jantando pão ou sopa, pode exemplo. A piora da dentição e o aumento do preço da proteína também são fatores para que idosos comam cada vez menos proteína em uma fase da vida que ele precisa comer mais. Por isso o whey protein é muito bem recomendado para o idoso. A creatina também é um ótimo suplemento para idosos, desde que não tenha nenhuma contraindicação de uso, porque melhora a cognição, a força e o volume muscular.
Crianças e adolescentes podem tomar suplemento?
Isso tem se tornado cada vez mais comum. Mas minha recomendação é esperar pelo menos até os 16 anos porque não temos trabalhos sobre a segurança do uso desses suplementos no longo prazo, e sempre precisa ter acompanhamento e indicação. Já as sociedades médicas, como as sociedades brasileira e americana de Medicina de Exercício e do Esporte, indicam whey protein e creatina depois dos 18 anos. As exceções são para jovens que são acompanhados por nutrólogo, médico do esporte ou nutricionista e que tenham indicação pela alta demanda, como um jovem atleta.
Hoje muitas pessoas tomam suplementos por conta própria. Sempre é necessário procurar um especialista ou tem algum que pode ser consumido dessa maneira?
Existe um modismo de tomar vitaminas. É muito comum as pessoas fazerem uma viagem para fora e comprarem várias vitaminas. Mas vitamina só deve ser consumida quando há carência dela no organismo. Existem evidências que vitamina E em excesso aumenta risco de morte cerebral, por exemplo. Vitamina A em excesso pode aumentar o risco de fratura de quadril e vitamina C pode aumentar a incidência de cálculo renal em 40%. Então sempre tem que ter um profissional de saúde para acompanhar e, se necessário, suplementar. Além dos riscos envolvidos na suplementação sem necessidade, os multivitamínicos, por exemplo, podem não ter efeito nenhum. Muitos têm uma quantidade tão pequena das vitaminas que se a pessoa tiver uma deficiência, ela não será corrigida. É muito comum as pessoas comprarem whey protein também, que é um suplemento excelente, mas simplesmente tomar sem necessidade envolve riscos, então é importante sempre fazer uma avaliação antes. O profissional de saúde, que pode ser um médico nutrólogo, médico do esporte, endocrinologista ou nutricionista, vai avaliar as contraindicações, as indicações para cada suplemento e quantificar de acordo com as suas necessidades.
Quais são os suplementos fundamentais para o desempenho no esporte?
São cinco. O primeiro deles é a cafeína. Em provas de endurance e jogos de equipe, como futebol, a cafeína aumenta a concentração. Outro é a beta alanina, que é indicada para esportes de sprint que que levam a pessoa até o limite do limiar aeróbico, como natação 50 e 100 metros ou corrida 100 e 400 metros. Existe também o nitrato, que faz uma vasodilatação que leva mais nutrientes e sangue para a musculatura, melhorando a performance. O bicarbonato de sódio também ajuda em provas de explosão só que é um suplemento muito difícil de ser tolerado porque dá muito desconforto gástrico. Por último, o mais conhecido e falado, que realmente melhora a performance, é a creatina que aumenta a força e a massa muscular. Também existem suplementos que não melhoram a performance, mas que podem ajudar no exercício. Por exemplo, o gel de carboidratos é usado durante provas de bike ou maratona para dar energia ao atleta. Ninguém valoriza muito, mas o carboidrato é muito importante no final dos treinos. É comum vermos pessoas que fazem treinos longos tomarem whey no fim, mas isso está errado. A pessoa que pedalou por quatro horas não precisa tomar whey, ela precisa repor energia com um carboidrato específico que faz uma restauração da reserva de glicogênio em poucos minutos. Isso é um erro muito comum que eu vejo até mesmo em times de futebol e esse cuidado é importante para a pessoa conseguir treinar o suficiente ou até mesmo competir no dia seguinte, por exemplo.
Circulam vídeos nas redes sociais com recomendações nutricionais, como investir na proteína no café da manhã. O que o senhor acha disso?
Tem um trabalho britânico superinteressante que mostrou que 90% das informações sobre alimentação e saúde na internet estão erradas. O que importa é a quantidade de proteína que deve ser ingerida em 24 horas. Mas comer a maior parte das calorias durante o dia é melhor. Jantar tarde, por exemplo, aumenta cinco vezes o risco de diabetes tipo 2. Não tomar café da manhã aumenta em 50% a chance de obesidade. Então, realmente, os horários importam, mas no caso da proteína, o importante é respeitar a quantidade em 24 horas e se você priorizar se alimentar mais cedo, é melhor.
A corrida está em alta hoje em dia. Que dicas o senhor diria para uma pessoa que quer começar a correr?
Para quem está parado e vai iniciar uma atividade, é importante passar por uma avaliação médica para checar se não tem nenhum problema cardíaco, por exemplo, e está apta a iniciar a atividade física. A avaliação com um nutrólogo ou médico do esporte, por exemplo, também permite ver se essa pessoa tem uma constituição corporal boa. Se ela tiver uma massa muscular boa, se alimentar bem e não tiver problema cardíaco, ela pode iniciar a atividade. E, nesse caso, o profissional vai adequar, de acordo com o gasto da pessoa naquela atividade, o que ela precisa repor de suplemento, se for o caso. Em relação aos cuidados, é muito comum a gente ver jovens e mulheres, em especial, fazendo corrida e esquecendo da musculação, que é fundamental para fortalecer e manter a massa muscular. Tem uma síndrome que a gente chama de tríade da mulher atleta. São mulheres jovens que fazem tanta atividade física e comem pouco para ficarem mais leves, que falta nutriente e elas param de menstruar. Mas ela também perde massa muscular e aumenta o risco de osteoporose. Mulheres que começam a fazer atividade física de forma mais intensa, precisam de um acompanhamento. Se pararem de menstruar, é um sinal de alerta gravíssimo. Jovens também têm que ter cuidado para garantir que a alimentação supra adequadamente o que foi gasto no exercício para que isso não atrapalhe o desenvolvimento. Por exemplo, jogadores de base do futebol, que treinam 3 horas por dia, se não estiverem adequadamente nutridos, não chegam no tamanho que estão geneticamente programados e isso aumenta o número de lesões. É por isso que a gente vê cada vez mais atletas jovens iniciando a vida profissional com lesões.
Como o senhor avalia a dieta da moda, a low carb?
As pessoas acreditam que carboidrato engorda. Como estratégia de perda de peso, tirar o carboidrato realmente funciona porque depois de 4 ou 5 dias comendo proteína, o corpo começa a consumir gordura como fonte de energia e isso forma uma substância que inibe a fome. Então as pessoas acham que sempre que quiserem emagrecer tem que tirar o carboidrato. Mas o carboidrato certo, na hora certa, permite emagrecer e performar. Por exemplo, para uma pessoa que precisa perder 20 kg, eu posso usar uma estratégia sem carboidrato no início para ela perder peso mais rápido e depois ir adequando a quantidade de carboidrato que ela precisa. Agora sempre que atleta profissional tirar o carboidrato, ele vai perder performance.
Consumir carboidrato antes de treinar faz sentido?
Se é um treino curto de manhã, por exemplo, a pessoa ainda tem o carboidrato do dia anterior pronto, dentro do músculo, para ser usado. Então não teria necessidade de comer carboidrato porque ele nem será usado. Mas precisamos lembrar que existe a individualidade e tem pessoas que não conseguem treinar sem comer alguma coisa. Nesse caso, eu recomendo comer uma banana e ir treinar. Mas não é a banana que vai fazer com que ela consiga treinar adequadamente e sim o carboidrato do dia anterior. Agora se é um treino longo, o carboidrato é importante porque diminui o uso da reserva de glicogênio dentro do músculo no início e isso ajuda a fazer treinos mais longos.
Na sua opinião, qual é o maior vilão hoje em dia na alimentação das crianças e adolescentes?
O açúcar, sem dúvida. Me refiro sobretudo ao camuflado nos alimentos, como fast food, pizza e hambúrguer e em algumas bebidas. Hoje, as sociedades brasileira e americana de Pediatria proíbem suco até um ano de idade. Antigamente, era liberado depois dos seis meses de vida. Mas descobriu-se que o suco é a principal causa de gordura no fígado em criança. Um trabalho no BMJ mostrou que 100 ml de suco por dia aumenta em 12% o risco de câncer em geral e em 15% o risco de câncer de mama e isso vale para suco natural ou industrializado. Então a recomendação é que os pais não tenham suco em casa. Eventualmente, por exemplo, eles podem tomar, na casa da vó ou em uma viagem. Mas na rotina, tem que tirar o suco das crianças porque isso ajuda a reduzir o consumo de açúcar, principalmente o de rápida de absorção, que é mais prejudicial. E se cortar o suco o que as pessoas vão tomar? Água. As pessoas esqueceram de tomar água. Os ultraprocessados, como bolacha recheada, que geralmente servem como lanchinho para crianças, também são muito prejudiciais. Mandar uma fruta cortada como lanche para a criança, por exemplo, dá mais trabalho, mas é melhor. Uma dica fácil é “descasque mais, desembrulhe menos”.
Uma pesquisa recente reduziu a quantidade de frutas recomendadas – apenas 2 por dia bastariam. O senhor concorda?
Não tem que comer um monte de fruta. Ao mesmo tempo que o suco faz mal devido ao excesso de açúcar, também não dá para comer um monte de fruta. Fruta tem bastante frutose e cada vez mais as frutas estão melhores, mais gostosas e com mais frutose.
O que que é pior para a saúde, comer mal ou não praticar exercício?
Comer mal está relacionado à obesidade, que aumenta muito mais os riscos à saúde do que o sedentarismo. A gente sabe que o sedentarismo está associado a nove tipos de tumores, mas a obesidade está associada com quase todos os tipos de tumores e, desses, com 13 a associação já está bem estabelecida. Então comer mal acaba sendo pior que não fazer os exercícios. Mas não tem como separar um do outro.
Qual é a sua opinião sobre o uso dos novos medicamentos para obesidade?
Os análogos do GLP-1 são excelentes quando bem usados. A indicação delas ajuda diminuir mortalidade, diminui 25% o risco de infarto, 19% o risco de AVC, 74% o risco de diabetes tipo 2. Ou seja, tem excelentes resultados, inclusive a diminuição de gordura no fígado, uso de álcool e até proteção renal. Mas existem três tipos de pacientes que eu atendo. O número 1 é o que entende e aprende tudo sobre alimentação, que não dá para comer doce nem beber, muda sua alimentação, seu comportamento, emagrece e nunca mais engorda. O segundo vem aqui, eu explico a mesma coisa. Ele sabe que tem que diminuir o doce, que tem que tentar não comer à noite, mas ele não consegue. Então eu dou uma orientação e um remédio para que ele consiga seguir essa orientação porque o remédio segura a compulsão e o excesso de fome e ele consegue seguir uma boa alimentação e emagrecer. E tem o paciente três, que não faz nada que eu expliquei e só quer tomar o remédio. Esse paciente vai emagrecer, só que quando ele para o remédio, ele vai engordar porque ele não mudou os hábitos.
Como o álcool impacta no peso e na prática de exercício?
Para ter ideia do prejuízo do álcool, a recomendação para atletas profissionais é consumir zero álcool. O álcool diminui performance, reduz em 35% o ganho de massa muscular, piora muito a qualidade de sono, não performa e piora a composição corporal. Para pessoas comuns, já está bem estabelecido que não existe dose segura de álcool. O álcool está relacionado a pelo menos nove tipos de tumores. Então se a gente diminuir a frequência e a quantidade de álcool, a gente diminui a incidência desses tumores. No controle de peso, o álcool é o maior desafio que eu enfrento no consultório porque as pessoas bebem demais e não se dão conta disso. O paciente que bebe quinta, sexta, sábado e domingo, ele bebe oito meses no ano. Além disso, o álcool aumenta a gordura no fígado, dificulta o ganho de massa muscular, diminui a queima de gordura. Então se o paciente faz regime, mas bebe fim de semana, ele não emagrece. Para controle de peso e obesidade, o álcool é um inimigo muito grande. Eu falo para os pacientes que eles não precisam parar completamente de beber. Mas para emagrecer, sim. Depois que emagrecem, eles precisam aprender a beber de um jeito que isso não contribua para o ganho de peso, que é diminuir a frequência. então beber uma ou duas vezes por semana, no máximo. Mas ele tem que saber que isso não é saudável.
Texto e entrevista: O Globo