Medidas para garantia de renda na crise do coronavírus são insuficientes
As medidas já anunciadas pelas autoridades brasileiras para proteger os trabalhadores que tendem a ser…
As medidas já anunciadas pelas autoridades brasileiras para proteger os trabalhadores que tendem a ser os mais afetados pela crise do coronavírus seguem a direção apontada por outros países, mas sua implementação tem sido mais demorada e seu alcance é mais limitado.
A Câmara deu um passo na quinta (26) ao aprovar projeto que cria um auxílio emegencial para trabalhadores informais, que poderão ficar sem nenhuma renda com a paralisia da economia durante o período de quarentena.
Mas as regras incluem restrições para acesso ao benefício, impedindo que trabalhadores que não estavam cadastrados pelo governo federal antes da crise recebam o auxílio justamente agora, quando correm o risco de ficar sem condições de trabalho e sem dinheiro.
O projeto, que ainda precisa ser aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, prevê auxílio mensal de R$ 600 por três meses, podendo alcançar R$ 1.200 para mulheres que sejam responsáveis pelo sustento da família. O Senado deve analisar o projeto na próxima semana.
As regras estabelecidas pela Câmara garantem o benefício, apelidado de “coronavoucher”, aos trabalhadores com renda familiar de até meio salário mínimo (R$ 522) por pessoa ou três pisos (R$ 3.135) no total e que tiverem sido inscritos no Cadastro Único do governo até o dia 20 de março.
Quem não estiver cadastrado, ou declarou renda superior aos limites estabelecidos quando entrou no cadastro, poderá requisitar o auxílio por meio de uma plataforma digital que ainda terá que ser implementada pelo governo. Em dezembro, havia 76,4 milhões de pessoas no Cadastro Único, das quais 63,5 milhões com renda declarada dentro dos limites para obter o auxílio. As outras 11 milhões podem ficar sem acesso imediato ao dinheiro, ou obrigadas a esperar para recebê-lo.
“O projeto é um passo na direção certa porque permite começar rapidamente e alcançar primeiro os mais pobres”, diz o economista Marcelo Medeiros, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). “Será necessário mais esforço para estender a proteção aos que ainda vão sofrer com a recessão.”
A chegada do dinheiro às pessoas dependerá da agilidade da Caixa Econômica para viabilizar a distribuição do auxílio após a conclusão do processo legislativo. O projeto prevê que o banco será responsável pela implementação e fará os pagamentos por meio de contas digitais.
Nos Estados Unidos, o pacote de combate aos efeitos do coronavírus prevê um pagamento único de US$ 1.200 (R$ 6.000) a todos os trabalhadores americanos com renda anual de até US$ 75 mil (R$ 380 mil), mais US$ 500 (R$ 2.500) por criança na família.
O benefício pode alcançar 85% da população, segundo os economistas Donald Hammond e David Wilcox, do Instituto Peterson. Mas as autoridades terão dificuldades para localizar muitos beneficiários, e haverá muita gente necessitada entre os 15% que não receberão nada.
A Receita americana poderá enviar cheques pelo correio ou depositar o dinheiro nas contas indicadas pelos contribuintes para restituição no ano passado. Como as declarações referentes a 2019 só serão entregues em julho, é possível que muitos endereços e contas bancárias estejam desatualizados.
Nos EUA, um pagamento de US$ 1.200 equivale ao rendimento médio mensal dos trabalhadores ocupados, que alcançou US$ 936 (R$ 4.783) no fim de 2019. No Brasil, um auxílio de R$ 600 representa 25% do rendimento médio mensal dos ocupados, que atingiu R$ 2.361 no início deste ano.
O pacote americano também amplia o seguro-desemprego, prevendo pagamento por mais tempo e um adicional mensal de US$ 600 (R$ 3.000) por quatro meses. Exigências serão afrouxadas, para que autônomos tenham acesso ao seguro, e não só os trabalhadores do setor formal.
Houve uma explosão do número de pedidos de seguro-desemprego na semana encerra- da em 21 de março, antes mesmo da aprovação do pacote. Foram 3,28 milhões de pedidos, quase 12 vezes o número de pedidos registrados na semana imediatamente anterior.
A Alemanha também criou facilidades para autônomos terem seguro-desemprego, sem necessidade de comprovar renda e outras exigências. As novas regras serão válidas por seis meses.
Além disso, os EUA e os países europeus se comprometeram a pagar os salários de trabalhadores infectados, com jornada reduzida ou que ficarem impedidos de trabalhar por causa das restrições sanitárias. A França promete pagar até 80% dos salários.
Iniciativa semelhante está em estudos no Brasil, mas o governo ainda não apresentou os detalhes, o que tende a atrasar sua implementação. A medida terá que ser apreciada pela Câmara e pelo Senado, e providências burocráticas serão necessárias antes que o dinheiro chegue a empresas e trabalhadores.
Medida provisória publicada no domingo (22) autorizou a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses sem compensação para os trabalhadores, mas o dispositivo foi revogado no dia seguinte. A ideia continua em estudos, mas ainda não se definiu que tipo de compensação haverá.
O governo anunciou medidas para microempresas, como o adiamento de tributos, e uma linha de crédito para pagamento de salários. Para economistas, essas iniciativas podem ajudar a preservar empregos, mas não eliminam a necessidade de mecanismos de garantia de renda.
“É preciso fazer isso rapidamente, mesmo que não se encontre um programa perfeito para localizar as pessoas mais necessitadas”, diz Manoel Pires, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV/Rio. “O benefício será temporário, e os ajustes podem ser feitos depois.”
O governo antecipará neste ano o 13º dos aposentados e o abono salarial, destinado a trabalhadores do setor formal que recebem até dois salários mínimos (R$ 2.090). Uma MP reservou recursos para ampliar o Bolsa Família.
Com 37% dos trabalhadores ocupados no setor informal, a dificuldade é alcançar quem é informal e não pode ser beneficiado pela maioria das medidas. A opção pelo CadÚnico, no caso do auxílio emergencial, é a melhor disponível, segundo os especialistas.
Para Sergio Firpo, professor do Insper, o governo poderia buscar maneiras de facilitar o acesso ao Cadastro Único, que é administrado em parceria com governos locais.
“Bancos de dados das fintechs poderiam ajudar a localizar rapidamente muita gente fora do radar de Brasília”, sugere.
Outros países anunciaram facilidades para o pagamento de aluguéis, água, gás e luz, como a França. O Reino Unido permitirá o adiamento por três meses das mensalidades de hipotecas. São medidas que podem dar alívio a famílias na fase mais aguda da crise.
“Outra possibilidade seria aumentar o custo das demissões e reduzir o custo das empresas para manter os empregos”, diz Marcelo Medeiros. “O governo poderia aliviar temporariamente as contribuições previdenciárias, sob condição de que as empresas beneficiadas não demitissem.”