Uma criança de 5 anos passará a ter o nome de mãe biológica e dos tios em sua certidão de nascimento. A adoção poliafetiva foi concedida pelo juiz Rodrigo de Melo Brustolin, em substituição no Juizado da Infância e Juventude da comarca de Rio Verde.
O magistrado julgou parcialmente procedente o pedido do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) e deferiu a adoção da criança aos tios, determinando que o nome da mãe biológica permaneça na certidão. Rodrigo Brustolin concedeu ainda à mãe biológica o direito de visitas em fins de semana alternados, durante o dia, das 8 às 18 horas. Além disso, os pais adotivos e a mãe biológica deverão promover e garantir o vínculo afetivo entre a criança e seus irmãos, estimulando a convivência entre eles.
Os pais socioafetivos são tios-avós da mãe biológica do menino e cuidam da criança desde que ele tinha 2 anos de idade, ou seja, há mais de três anos. Eles obtiveram a guarda após serem acolhidos em centro de abrigamento temporário, em razão de a mãe tê-lo abandonado em casa sozinho.
Consta dos autos que a avó e bisavó materna não manifestaram interesse em ficar com a criança. Além disso, a mãe também não tem intenção de cuidar do filho, afirmando não ter condições econômica e emocional para criá-lo, razão pelo qual não faz qualquer objeção quanto à adoção da criança pelos tios.
Foi relatado ainda nos autos que a criança apresenta desde o nascimento problemas no rim esquerdo (hidronefrose grau III), razão pela qual necessita de cuidados especiais, os quais têm sido prestados pelos tios-avós que querem a adoção.
O juiz fez questão de salientar que deve prevalecer o melhor interesse da criança, sobre qualquer outro que se manifeste nos autos. Isso, segundo ele, se chama princípio do interesse superior da criança, conforme no artigo 227, da Constituição Federal.
De acordo com Rodrigo Brustolin, os autos revelam que os requerentes, por ato voluntário da mãe biológica da criança, que não tem condições financeiras e emocionais de criá-lo, detêm a guarda do menor e durante esse período a criaram como se fosse filho e por isso, pretendem regularizar a situação.
O magistrado levou em consideração os relatórios psicossociais e os de estudo social realizado com as partes do processo, ficando clara a formação de vínculo familiar entre os autores e a criança, “os quais ela reconhece como pais e de quem tem recebido toda a assistência material e afetiva necessários ao bom desenvolvimento do menino.”
“Dessa forma, diante da documentação apresentada nos autos e, considerando que se trata de situação fática já consolidada no tempo, pois a criança convive com os requerentes desde maio de 2013, reconhecendo neles a pessoa de pai e mãe, sendo o referido casal responsável pela sua criação e educação, acompanhando-o nas rotinas diárias, inclusive, tratamento médico em razão da sua peculiar condição de saúde, o deferimento da ação é medida que se impõe”, salientou.
Previsão legal
Com relação ao pedido de que o nome da mãe biológica permaneça no registro de nascimento da criança, juntamente com o nome dos requerentes, o juiz destacou que não existia previsão legal nesse sentido, mas considerou a existência de fortes vínculos afetivos entre as partes. Portanto, Rodrigo Brustolin não viu razão para não acatá-lo, sendo que como já afirmou, “é preciso atender o melhor interesse da criança.”
De acordo com o juiz, apesar de a situação causar estranheza, ele observou que não é inédita na sociedade. O mesmo juízo em recente processo decidiu pelo deferimento da adoção de uma menina de 9 anos ao casal de tios, permanecendo no registro o nome da mãe biológica, considerando, no caso, que a afetividade é o principal elemento na constituição da família, seja ela de qual natureza for.
Ainda na sentença, Rodrigo Brustolin lembrou que a decisão segue também o entendimento colocado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em agosto de 2012, que permitiu a inclusão da madrasta na certidão de nascimento de um rapaz, revertendo a sentença da primeira instância, que reconheceu a situação, mas argumentou não haver espaço na lei para a inscrição de duas mães. “O estabelecimento da filiação pluriparental quando verificada a posse de estado de filho, sem excluir o vínculo com os genitores, é uma realidade que a Justiça já começou a admitir”, frisou.
Apesar de o artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prever, como efeito da adoção, o desligamento de qualquer vínculo com pais ou parentes, o magistrado entendeu que o que deve prevalecer é o maior e melhor interesse da criança, “que no presente caso tem vínculo afetivo estabelecido com sua genitora e os pais socioafetivos, sendo certo que eventual rompimento desse vínculo poderá comprometer seu sadio desenvolvimento, influindo, ainda, na formação de sua personalidade”.