Mensagens abrem margem para suspender decisões de Moro, dizem especialistas
O conteúdo dos diálogos não foi contestado nem por Moro, atualmente ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PSL), nem por Deltan Dallagnol. Defesas de envolvidos nos processos podem provocar a Justiça a anulação dos atos de Moro
Para professores de direito consultados pela reportagem, se for real o teor das conversas divulgadas pelo site Intercept Brasil neste domingo (9), o ex-magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba pode ter ultrapassado o limite dessa suspeição.O conteúdo dos diálogos não foi contestado nem por Moro, atualmente ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PSL), nem por Deltan Dallagnol.
Glezer diz não acreditar, no entanto, que a divulgação das mensagens terá efeito a curto prazo nos processos da Lava Jato ou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “a não ser que novos textos ou áudios apontem coisa mais grave”. “Eu imagino que irá prevalecer um discurso que liga pouco para a legalidade, mas que diz que os fins justificam os meios”, afirma. Segundo Glezer, será uma “batalha pela opinião pública”.
“Ainda que não haja sanções imediatas ao Moro, no médio e longo prazo, a reputação dele está comprometida. Por exemplo, na vaga para o Supremo Tribunal Federal, na chance de disputar a Presidência ou de se impor ao Congresso.” A advogada constitucionalista Vera Chemim, também ligada à FGV-SP e que tem se posicionado em defesa da Lava Jato, avalia que é necessária, antes de qualquer medida, uma investigação das conversas apontadas pelo site.
Um ponto de conflito numa possível investigação seria o fato de que ela teria que ser feita pela Polícia Federal -apesar de ter autonomia funcional, o órgão é subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado por Moro. “No meu entender nós temos que voltar para o passado e investigar tudo, enquanto ele era juiz. Se os fatos forem corroborados e houver indícios de que ele agiu de forma parcial, a primeira consequência seria a anulação de processos que ele atuou enquanto juiz”, afirma Chemim.
“Mas, nesse caso, haveria um enfraquecimento institucional muito grande do Estado brasileiro, e uma insegurança jurídica enorme. No que se refere ao combate à corrupção, seria uma lástima.” Investigações sobre eventuais irregularidades cometidas por Moro e Deltan, diz, poderiam resultar em um processo administrativo por quebra de decoro e até em uma ação penal por fraude processual.
Mas, para que haja esse tipo de punição, as apurações precisariam produzir suas próprias provas, e não se basear em dados que podem ter sido obtidos de forma ilegal -em uma invasão por hackers dos celulares da força-tarefa, por exemplo. Conrado Gontijo, advogado criminalista e professor de pós-graduação na Escola de Direito do Brasil, concorda que pode haver uma investigação. Segundo ele, a Polícia Federal devia abrir uma apuração imediata do caso.
“Se as mensagens forem verdadeiras, há uma certa promiscuidade que é chocante”, diz Gontijo, que tem entre seus clientes investigados pela Lava Jato. “Um dos elementos mais importantes para a legitimidade do Poder Judiciário é que os julgadores sejam imparciais, em lado equidistante com as partes”, afirmou. “Se as conversas forem autênticas, indicam que efetivamente não existia essa imparcialidade do juiz Sergio Moro na condição de juiz dos processos da Lava Jato.”
Nas redes sociais, o procurador regional da República Guilherme Schelb, que chegou a ser cotado para um ministério no governo Jair Bolsonaro, publicou um entendimento diferente. Segundo ele, os diálogos “reforçam a legalidade, moralidade e eficácia dos atos e atitudes dos agentes públicos”.
“Não se observa nenhuma mensagem entre Dallagnol e Moro que revele intromissão funcional indevida”, disse.
“É natural e compreensível ao procurador Dallagnol comunicar decisão pública do STF ao juiz da causa, assim como a resposta de Moro, que inclusive não atende ao pedido do procurador.” A postagem de Schelb foi compartilhada por Deltan no Twitter.
Durante a manhã desta segunda-feira, os conselheiros do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, Gustavo do Vale Rocha e Erick Venâncio Lima do Nascimento apresentaram uma representação ao corregedor do colegiado pedindo a apuração das condutas dos procuradores da República citados na reportagem.
Em nota, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) afirmou que as informações divulgadas “precisam ser esclarecidas com maior profundidade, razão pela qual a Ajufe aguarda serenamente que o conteúdo do que foi noticiado e os vazamentos que lhe deram origem sejam devida e rigorosamente apurados”.
“A Ajufe confia na honestidade, lisura, seriedade, capacidade técnica e no comprometimento dos Magistrados Federais com a justiça e com a aplicação correta da lei. Seremos incansáveis na defesa da atuação de nossos associados.”
Operações de combate à corrupção já foram anuladas, anteriormente, por motivos diferentes. A Castelo de Areia, considerada uma prévia da Lava Jato, foi invalidada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que em 2011 acolheu a tese da defesa da Camargo Corrêa de que interceptações telefônicas, peças fundamentais do caso, tinham originado apenas de uma denúncia anônima, o que seria ilegal.
Também em 2011 o STJ anulou a Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, porque entendeu que suas provas foram baseadas em grampos ilegais.
A divulgação
O valor, apontou a acusação, se referia à cessão pela OAS do apartamento tríplex ao ex-presidente, a reformas feitas pela construtora nesse imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial. Ele foi condenado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Preso em decorrência da sentença de Moro, Lula foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e depois chancelada também pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Segundo a reportagem do Intercept Brasil, Moro sugeriu ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial.