Brasília

Mensagens mostram irritação da equipe de Moraes com EUA e Interpol sobre Allan dos Santos

Ministro Alexandre de Moraes afirma que todos os procedimentos 'foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados'

(Folhapress) Uma conversa em 2022 entre dois juízes instrutores do ministro Alexandre de Moraes, um do STF (Supremo Tribunal Federal) e outro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), revela o descontentamento do gabinete do ministro com a postura da Interpol e do governo dos Estados Unidos no caso do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos.

O influenciador é investigado nos inquéritos das milícias digitais e das fake news por causa de seus ataques às instituições e à democracia. Ele tem contra si um mandado de prisão preventiva expedido por Moraes e é considerado foragido da Justiça brasileira.

Na última quarta (14), foi alvo de nova ordem de prisão expedida por Moraes sob suspeita de crimes contra a honra, obstrução de Justiça e ameaça.

Em outubro de 2021, Moraes também determinou a prisão, a inclusão na difusão vermelha da Interpol e a extradição de Allan pelos EUA —onde ele foi morar desde que foi alvo de buscas da PF no Brasil.

A conversa entre os juízes Airton Vieira, braço direito de Moraes no STF, e Marco Antônio Vargas, do gabinete da presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ocorreu em novembro de 2022 e é parte dos mais de 6 gigabytes de diálogos entre integrantes dos gabinetes de Moraes acessados pela Folha.

Procurado, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes disse que “todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República”.

Allan do Santos virou tema no grupo de WhatsApp após aparecer em vídeos durante manifestação contra cinco ministros do STF que participavam de um evento privado em Nova York.

No dia 14 de novembro de 2022, o juiz Marco Antônio Vargas enviou no grupo em que estava Airton Vieira mensagens do ministro Moraes.

O texto é acompanhado de um link de uma publicação em uma rede social com vídeo do blogueiro bolsonarista ofendendo um brasileiro na saída do hotel onde os ministros do STF estavam hospedados.

“Peça para o Airton falar com a PF sobre o alerta vermelho”, diz o texto da mensagem enviada pelo juiz do gabinete de Moraes no TSE.

Airton Vieira afirmou ao colega em sua resposta já ter acionado o representante da Interpol no Brasil. Segundo ele, a Interpol em Washington e o adido brasileiro na organização também tinham sido procurados para que tomassem as providências em relação a Allan dos Santos.

Questionado pelo juiz Marco Antônio Vargas se a Interpol havia incluído o nome do blogueiro no alerta vermelho, o magistrado lotado no STF mandou um áudio explicando a situação.

“A questão do alerta vermelho é uma longa história, mas em resumo é o seguinte: o pedido do alerta vermelho já foi feito há mais de ano, só que ele está em Lyon, que é a sede da Interpol. E o pessoal de lá até agora não atendeu, simplesmente se recusou a pôr e de nada adiantaram os pedidos reiterados feitos pela Interpol aqui do Brasil”, afirmou Airton Vieira.

Segundo ele, mesmo após vários pedidos, o escritório central da Interpol na França não incluiu o nome de Allan no alerta vermelho e deu a “entender que a questão poderia ter viés político”.

“Isso já foi feito há mais de ano, nós estamos pedindo, eles não colocaram. Isso fez com que, aliás, o Allan dos Santos não fosse preso até agora”, disse.

O juiz também comentou no áudio que, até novembro de 2022, os EUA nem “sequer responderam oficialmente” o pedido de extradição.

“O escritório central da Interpol, em Lyon, não coloca o nome dele no alerta vermelho, os EUA não respondem ao pedido de extradição, que já foi feito, com base até na prisão preventiva dele decretada, e a situação é essa”, afirmou.

Após o áudio, os dois juízes trocaram algumas mensagens ainda sobre o caso de Allan dos Santos. Explicitaram ainda mais o descontentamento com a postura da Interpol e do governo americano.

Airton Vieira, no entanto, afirmou que o “pessoal da Interpol” acreditava que, com a troca de governo e posse de Lula (PT), a situação poderia ter alguma mudança. “Nem vou responder ao Ministro pq ele deve saber bem essa história”, disse o juiz Marco Antônio Vargas.

“Sim, conhece essa história em detalhes. Não se conforma, com toda a razão. Mas nada podemos fazer quanto a essa questão da Interpol, assim como com a questão da extradição. Tudo o que podíamos fazer foi feito, seguimos todo o trâmite. Mas a Interpol em Lyon engavetou o pedido de alerta vermelho e os EUA não resolvem a questão da extradição. Difícil.”

Em um outra mensagem, o juiz do TSE classificou a postura da Interpol e do governo dos EUA de “sacanagem”. Airton, em seguida, afirmou: “Com certeza. Por isso esse idiota do Allan dos Santos se sente livre para fazer o que faz…”.

“Dá vontade de mandar uns jagunços pegar esse cara na marra e colocar num avião brasileiro”, afirmou Marco Antônio Vargas.

Após as mensagens, Airton Vieira ainda mandou um último áudio sobre o tema. Na mensagem, além de repetir a situação na Interpol, ele elevou o tom das críticas ao governo dos EUA.

“Se eles quiserem te mandar embora porque não gostaram dos seus olhos, eles inventam um pretexto qualquer e colocam você no primeiro avião de volta e deportam, extraditam, dão pé no traseiro, o nome que você quiser, mas eles fazem o que eles bem entenderem com quem eles quiserem. Do contrário, não há governo no mundo que determine o que eles têm que fazer”, disse.

“Eles têm o tempo deles, os interesses deles, esse é o problema todo, essa é a questão.”

O juiz ainda reforçou a leitura de que a mudança de governo no Brasil poderia facilitar o processo de extradição.

“Porque, se pra nós o Allan dos Santos tem alguma importância, pra eles a importância é zero. Então eles não vão comprar uma dor de cabeça com o governo do Brasil, em que pese o governo do Brasil ser de outra orientação. Talvez a partir de 1 de janeiro a coisa mude, não sei”, afirmou.

Como mostrou a Folha em março deste ano, o governo dos Estados Unidos comunicou ao Brasil que não extraditaria Allan dos Santos por delitos que os americanos veem como crimes de opinião, que estariam garantidos no direito à liberdade de expressão.

Os americanos disseram, contudo, que estão dispostos a dar prosseguimento ao processo contra o influenciador em relação a outros crimes, como lavagem de dinheiro.