PROS

Mensagens mostram negociações para compra de sentença por partido político

Irmã de desembargador do TJ-DF teve encontros com ala que obteve decisão judicial favorável

O presidente nacional do Pros (Partido Republicano da Ordem Social), Marcus Holanda, em vídeo divulgado no site do partido - Reprodução/pros.org.br

Áudios, trocas de mensagens e depoimento registrado em cartório mostram uma negociação para compra de uma decisão no Tribunal de Justiça do Distrito Federal a favor do grupo que hoje comanda o Pros (Partido Republicano da Ordem Social).

O material obtido pela Folha levanta a suspeita de um acerto de R$ 5 milhões em torno da promessa de uma sentença do desembargador Diaulas Costa Ribeiro.

Entre outros pontos, há um encontro e vários contatos entre uma irmã do desembargador e políticos do Pros, além da indicação, por ela, da advogada que atuaria no caso.

O Pros foi criado em 2013, se envolveu em escândalos em boa parte de sua história e está rachado entre dois grupos que se acusam mutuamente de corrupção.

Diaulas é o relator de apelações no TJ-DF envolvendo a disputa. Em 9 de fevereiro, ele deu voto favorável ao atual comando da legenda. Sua decisão foi seguida por outros dois desembargadores da turma em 8 de março. Com isso, Marcus Holanda assumiu então o comando do Pros, desbancando o fundador, Eurípedes Jr.

O desembargador disse que jamais recebeu qualquer proposta criminosa e que não tem relação com a irmã há duas décadas. No material obtido pela Folha, não há diálogo em que ele figure como interlocutor.

O primeiro indicativo a apontar negociações em torno do voto do magistrado ocorreu em 15 de dezembro de 2021, menos de dois meses antes do julgamento.

Trocas de mensagens de WhatsApp mostram que, nesse dia, a ex-candidata a deputada federal pelo PL e advogada Raquel Costa Ribeiro, irmã de Diaulas, recebeu em sua casa, em Brasília, Marcus Holanda e Liliane de Souza Dantas, ex-mulher do hoje presidente do Pros.

Procurada pela reportagem, a irmã do desembargador afirmou em uma primeira ligação telefônica não ter contato com o irmão, a quem classificou como “uma pessoa honestíssima”, e disse que Liliane, de quem ela foi professora em um período do ensino fundamental, a havia procurado porque queria mover uma ação de família contra o ex-marido. A ligação da Folha com Raquel foi interrompida no momento em que a advogada afirmou precisar participar de uma audiência.

No segundo contato, feito no dia seguinte, após Raquel receber por escrito o teor das trocas de conversas, a irmã do desembargador confirmou o encontro, mas negou irregularidade e disse que o significado das mensagens difere do que parece ser à primeira vista.

Dessa vez, Raquel disse que o interesse de Liliane e do ex-marido era buscar indicação de advogados sérios para a causa relatada pelo irmão. “A sra. Liliane apareceu aqui e, para surpresa minha, com o ex-marido dela. (…) Ela começou a relatar o caso e citou o nome do meu irmão. Daí eu falei, ‘olha, daqui para frente não posso falar nada para você. Não conheço o processo, não converso com meu irmão e o processo que eu estou e em que meu irmão está, o impedimento é instantâneo”, disse Raquel à Folha.

A irmã do desembargador, porém, afirmou que posteriormente, por insistência de Liliane, acabou indicando alguns escritórios de advocacia, entre eles o de Cristiane Damasceno, atual presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Cristiane assumiu o caso formalmente em 1º de fevereiro, apenas oito dias antes do voto de Diaulas e já após a apresentação do memorial (resumo do caso, última peça formal antes do julgamento) pelos antigos advogados.

Liliane, que hoje está rompida com o ex-marido e está alinhada ao grupo afastado, registrou uma ata notarial em 1º de junho relatando sua versão do encontro na casa de Raquel.

Ela afirma que, na reunião, a irmã do desembargador “garantiu ter condições de assegurar não só um resultado favorável no julgamento dos processos referentes à disputa pela direção nacional do Pros, bem como o imediato cumprimento da decisão a fim de colocá-lo na presidência nacional”.

Para isso, prossegue Liliane, “a irmã do desembargador (…) solicitou o pagamento de R$ 5 milhões e que fossem desconstituídos todos os advogados habilitados em ambos os processos, (…), bem como a habilitação de uma advogada da absoluta confiança dela, posto que ela não poderia em hipótese alguma aparecer nos autos”.

Dias depois, em 18 e 19 de dezembro, há mensagens do celular do atual presidente do Pros para Liliane, mencionando o possível acordo. Entre outras: “Veja c ela se terá ajuda familiar ou não.”

Em 10 de janeiro, parte do celular de Marcus uma mensagem para Liliane pedindo para ela ver “com a dra., se possível, se há uma previsão para fechar o contrato” para ele suspender o trabalho com as outras equipes.

Cristiane Damasceno confirmou ter sido indicada por Raquel para o caso, mas disse, em nota divulgada pela assessoria, que seu trabalho está comprovado nos autos pelas petições, memoriais, sustentação oral e reuniões com o cliente, desembargadores e Polícia Federal.

“Ela desconhece e repudia os ilícitos citados pela reportagem e, caso comprovados, repudia seu cometimento.” Além da atuação no julgamento, ela firmou contrato para atender o Pros em outras causas, mas nem ela nem o partido informaram os valores acordados.

Em seu voto no dia 9 de fevereiro, o desembargador Diaulas escreve que em quase uma década o Pros, sob o comando de Eurípedes Jr., protagonizou “um sem número de irregularidades”, e passa a listar alguns deles, em especial compra de carros de luxo, aeronaves e até um helicóptero.

Ao final, o magistrado reverte decisões da primeira instância e anula reunião do Pros que excluiu do diretório partidário a então oposição interna e valida a convenção que elegeu Marcus Holanda e afastou Eurípedes.

Mensagens de WhatsApp encaminhada em abril pelo atual secretário-geral do Pros, Edmilson Boa Morte, ao então presidente do diretório de São Paulo, Roberto Parillo, falam expressamente em pedido de dinheiro para ajudar a “pagar os contratos com o desembargador”.

À Folha Boa Morte disse que pediu ajuda a Parillo como amigo, para auxiliar o pagamento de advogados que são ex-desembargadores. “Existem vários advogados que já foram desembargadores e juízes. Por educação, contínuo chamando os advogados de desembargadores”.

Ele não respondeu, porém, quem seriam eles. Só no dia seguinte afirmou que se referia ao ex-desembargador Wellington Medeiros, aposentado compulsoriamente pelo TJ-DF em 2004, após escutas mostrarem conversas dele com acusados de prática de grilagem.

À Folha Medeiros disse que desconhece a história e que, no segundo semestre do ano passado, chegou a ser sondado, mas as conversas não prosperaram. “Quando fizemos uma proposta de trabalho, apresentei um valor, mas não se concretizou a negociação, o que ensejou a impossibilidade de sermos contratados.”

Parillo afirmou à reportagem que o pedido era para que ele vendesse alianças do Pros em São Paulo para ajudar a pagar uma dívida de R$ 8 milhões em Brasília. “Eu falei que não faria isso.”

Parillo hoje está rompido com o comando do Pros. Ele disse que a menção de Boa Morte, nas mensagens, era a Diaulas. “É o Diaulas. Ele não fala na mensagem, né? Mas em diversas ligações e conversas pessoalmente, a gente já sabia disso, que era para ficar tranquilo, que dava tudo certo, que já tinha o contrato.”

Após a definição do acórdão, as conversas de WhatsApp de Liliane com Raquel, Marcus e Cristiane prosseguiram e tratam da demora no pagamento pelo Pros à advogada.

Em março e abril, por exemplo, o celular de Raquel manda mensagem para o de Liliane, com as frases a seguir: “Estou muito chateada por ter recebido e indicado as pessoas para vocês! Extrapolou todos os prazos”. “O que posso te afirmar é que indiquei por confiar no trabalho delas. No meu caso não recebi nada e por isso resolvi dedicar a causas novas e voltar para meus processos, pois também não está fácil”.

Raquel diz que essas mensagens —trocadas em um momento que ela estaria com problemas na visão causados por sequelas da Covid e que a levavam a ter necessidade de auxílio de outra pessoa— são no contexto de rechaçar pressão feita por Liliane para conseguir uma comissão pelo contrato firmado.

Liliane afirmou à Folha ter recebido tanto de Raquel como de Cristiane promessa de comissão pelo contrato com o Pros.

“Eu indiquei um cliente [Pros], o contrato desse cliente era alto. O Marcus me deixou com uma mão na frente e outra atrás, com o apartamento penhorado. A Raquel falou, ‘vou te ajudar’. A Cristiane, do mesmo jeito. E o que elas fizeram? Viraram as costas para a Liliane”, afirma.

A antiga direção do Pros diz que Diaulas tomou decisões no curso do processo que indicam parcialidade e ingressou com reclamação no Conselho Nacional de Justiça e com pedido de impedimento no TJ-DF.

O Pros recebeu R$ 21,6 milhões de fundo partidário no ano passado. Neste, terá direito a R$ 91 milhões do fundo eleitoral. A sigla tenta emplacar pela primeira vez um candidato a presidência da República, o coach Pablo Marçal.

Desembargador diz que jamais recebeu proposta criminosa; PROS afirma que agiu de forma legal

O desembargador Diaulas Costa Ribeiro afirmou que jamais chegou a ele “qualquer proposta criminosa, indecente ou indecorosa”, que não tem relações pessoais com a irmã há mais de duas décadas e que quando houve a substituição de advogados a minuta de seu voto já estava pronta.

“Não chegou a mim qualquer proposta criminosa, indecente ou indecorosa de vantagem. Não admito abordagem sobre processos de minha relatoria ou do quórum que integro. Em mais de 31 anos de Ministério Público e de Poder Judiciário sempre foi assim, sem uma única exceção”, afirmou o desembargador, em resposta por escrito.

Sobre a irmã, disse que nunca foi à sua casa, nem ela a dele. “Não compartilhamos festas de Natal, Ano Novo, aniversários nossos ou dos filhos, redes sociais etc. Nunca fui ao seu escritório e não sei se ela tem advogados associados ou colaboradores. Ela não frequenta o meu gabinete.”

Diaulas afirmou ainda não conhecer as pessoas citadas, exceto Raquel.

“A advogada que ingressou no feito realizou apenas a sustentação oral na sessão telepresencial de julgamento, quando a vi pela primeira vez. (…) Os fundamentos do acórdão (são dois, com o mesmo texto) dão suporte fático e jurídico à decisão, tomada, por unanimidade.”

O presidente do Pros, Marcus Holanda, não respondeu às perguntas específicas enviadas pela Folha, entre elas a de por que se reuniu com a irmã do desembargador e qual o significado das mensagens que partiram de seu celular. Ele disse em nota que todas as suas ações foram éticas, legais e transparentes, e que ele resgatou o partido “de uma direção que se aproveitou da legenda para benefício pessoal”.

“Os advogados contratados no processo em questão atuaram exclusivamente nos autos, como deve acontecer. A advogada Raquel Costa Ribeiro nunca foi contratada.”

Marcus ressalta ainda que a decisão no TJ-DF foi coletiva e diz lamentar que “questões pessoais tenham se transformado em acusações sem sentido e sem mérito”.