Em alguns colégios do país, o simples gesto de levantar a mão para pedir à professora para ir ao banheiro pode virar uma dor de cabeça. Numa escola de Rio Branco, no Acre, alunos e mestres têm que usar as instalações sanitárias de uma padaria e uma borracharia vizinhas.
— Não temos rede de esgoto. Até instalaram um banheiro, mas ele não funciona e a obra está parada — diz a professora Fátima Albuquerque, que pede para o nome da escola não ser citado. — Não sofremos com insegurança, mas é inimaginável pensar que o portão precisa ficar aberto o tempo todo para os estudantes poderem usar o sanitário.
O drama se repete em milhares de escolas do país. De acordo com o Censo Escolar 2018, do Instituto Nacional Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), das 181,9 mil escolas da educação básica (ensino infantil, fundamental e médio), 16% não contam com banheiro dentro do prédio da escola; 49% não estão ligadas à rede de esgoto; 26% não possuem acesso a água encanada; e 21% não contam com coleta periódica de lixo.
Também no Censo Escolar ficam bem evidentes as desigualdades regionais. No Rio de Janeiro, 99% das escolas contam com coleta de lixo, 90% estão ligadas à rede de água e 85% à rede de esgoto. Uma realidade bem diferente do Acre, por exemplo, um dos estados com os piores índices do país nesses quesitos. Apenas 23% das escolas do estado têm água potável jorrando das torneiras. A cada dez colégios, só um está ligado à rede de coleta de esgoto. Em relação à coleta de lixo, somente 37% das instituições escolares possuem o serviço de forma periódica.
Também em Rio Branco, Janaína Vale Brito viveu o drama de trabalhar numa escola sem água no começo da carreira de professora, há 30 anos. O diretor do colégio pegava água gelada na vizinha para oferecer aos alunos. Sem uma gota nas torneiras, não havia como fazer merenda para as crianças.
Caminhão-pipa
Hoje, Janaína é diretora da Escola Municipal Anice Dib Jatene, onde a realidade é bem diferente, com rede de esgoto e água potável. Mas a mudança foi relativamente recente:
— De uns anos para cá, vem um caminhão-pipa, dia sim, dia não, para encher a caixa d’água — conta. — Há 15 anos a rua era de barro e só havia uma fossa. Tudo muito ruim — diz Janaína, que viu a melhoria nos serviços básicos afetar o desempenho dos alunos.
A relação entre a falta de infraestrutura básica nos colégios e o baixo desempenho escolar é confirmada pelas estatísticas. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da capital do Acre, Rio Branco, para os anos iniciais do ensino fundamental, é de 6,4. O indicador considera três fatores na avaliação: a Prova Brasil, realizada pelos estudantes ao final de cada segmento, a qualificação técnica dos professores e a infraestrutura da escola.
Não por coincidência, a pior nota do Ideb na mesma cidade é da Escola Marilene Mansour, com 5,4. O colégio não tem rede de esgoto, apenas fossas.
— Em áreas rurais, uma escola pode ser um dos poucos espaços com infraestrutura digna para uma criança. Isso afeta desde o desenvolvimento dela até a saúde de sua família — analisa Roberta Werneck, doutora em estatísticas educacionais pela Universidade de São Paulo. — Quando falamos de água, estamos tratando também de controle de doenças e de alimentação. São fatores que impactam diretamente o resultado escolar do aluno.
Janaína Vale é diretora de uma unidade, em Rio Branco, que possui sanitários dentro do prédio. Mas esta não é a realidade de 41% dos estabelecimentos de ensino do estado.
— A ausência de saneamento pode impactar a dinâmica da escola, já que, para usar o banheiro, o aluno precisa fazer um deslocamento. Discute-se muito sobre como criar condições para uma aula ser mais interessante, mas os desafios para algumas regiões do país são ainda mais complexos — diz Roberta.