Violência política

‘Micheque’ e ‘macumbeira’ lideram ofensas nas redes de Michelle e Janja

Estudo analisa interações e revela ataques misóginos e que envolvem religião e corrupção; candidatas trans sofreram camada extra de violência política

Foto: Secom e Ricardo Stuckert

Um monitoramento nas redes sociais de Janja Silva, mulher de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e de Michelle Bolsonaro, esposa de Jair Bolsonaro (PL), apontou que elas sofrem violência política por meio de ataques misóginos e que envolvem religião e corrupção.

O estudo do MonitorA, observatório da violência política online, criado por Revista AzMina, InternetLab e Núcleo Jornalismo, avaliou quase 7.000 interações no Twitter e no Instagram com termos potencialmente ofensivos entre 26 de setembro e 9 de outubro.

Em duas semanas, Janja recebeu 798 ofensas em seus perfis no Instagram (343 mil seguidores) e Twitter (367 mil seguidores) e Michelle Bolsonaro recebeu 273 ofensas em seu perfil no Instagram (4,4 milhões de seguidores). A primeira-dama não usa Twitter.

“Selecionamos uma semana antes e uma depois do primeiro turno para criar mais um critério de comparação e entender se o volume ou teor dos ataques mudaria”, diz Lu Belin, especialista de dados da revista AzMina.

“E, de fato, notamos mudanças, como o aumento no número de ofensas religiosas para Janja. Para Michelle, por outro lado, o número de ataques foi maior antes do primeiro turno.”

Os ataques a Janja estão principalmente no Twitter, onde 1 a cada 5 publicações analisadas eram ofensivas e aumentaram de 12,5% para 27% depois de 2 de outubro.

“É trágico e triste que Bolsonaro e seus seguidores estimulem o ódio contra mulheres e a intolerância”, diz Janja Silva. “É um governo misógino e fracassado que vai ficar como um passado triste da nossa história, mas de suas atitudes e falas não esqueceremos, pois é um comportamento que nos causa indignação e revolta.”

Mesmo tendo menos interações proporcionalmente, Janja recebe mais comentários ofensivos (15%) que Michelle no Instagram.

“A violência política é cada vez mais frequente e tem influenciado o debate público e a maneira como as mulheres que circulam pela política desenvolvem suas atividades”, diz Lu Belin.

Os ataques são principalmente misóginos, mas acusações de corrupção e intolerância religiosa também estão no topo. Ofensas religiosas à petista aumentaram oito vezes na semana seguinte ao primeiro turno.

As principais palavras ou expressões usadas para atacar Janja no Twitter foram macumbeira, mulher de ladrão, canja/janta/janza, nojo/nojenta/asquerosa, teor hostil, ladra/bandida, feia/horrorosa, pomba gira, ridícula/patética e caloteira.

A maior parte dos ataques busca referências a Lula, com termos como “mulher de ladrão”, “mulher de bandido”, “esposa de bandido”, “casou com o ladrão” e “cuidadora de idoso”, entre outras variações.

Ataques misóginos representaram 31% da amostra analisada, que inclui ofensas como “janta”, “feia”, “oportunista”, “baranga”, “amante”, “vagabunda” e “doida”.

Principais palavras ou expressões usadas nos ataques

Ataques nas redes de Janja Silva: Macumbeira, mulher de ladrão, canja/janta/janza, nojo/nojenta/asquerosa, teor hostil, ladra/bandida, feia/horrorosa, pomba gira, ridícula/patética e caloteira

Ataques nas redes de Michelle Bolsonaro: Micheque, nojo/nojenta/asquerosa, ridícula/patética, insinuações sexuais, chora/choraminga, você é uma vergonha, oportunista/aproveitadora, ladra/bandida e inferno

Na semana após o primeiro turno, 25% dos ataques foram de intolerância religiosa, evidenciada por comentários como “macumbeira”, “pomba-gira”, “satanista”, “falsa cristã” e “demônia”.

As principais ofensas dirigidas à Michelle Bolsonaro no Instagram foram micheque, nojo/nojenta/asquerosa, ridícula/patética, insinuações sexuais, chora/choraminga, você é uma vergonha, oportunista/aproveitadora, ladra/bandida e inferno.

Ofensas morais relacionadas à corrupção representaram 57,5% dos ataques à primeira-dama. Insultos e expressões como “ridícula”, “patética”, “hipócrita”, “mentirosa” e “vai se foder” dizem respeito a 16% das interações analisadas. E outros 11% são comentários misóginos, que incluem expressões como “oportunista”, “feia”, “cuidadora de idosos” e “fraquejada”.

Intolerância religiosa, ofensa ou assédio sexual, descrédito intelectual, nojo e capacitismo/psicofobia também aparecem em menor grau.

Transfobia se soma à violência política

O MonitorA debruçou-se ainda sobre redes sociais de 11 candidatas trans e travestis no primeiro turno das eleições. O estudo aprofundado com 1.000 tuítes mostrou que elas receberam uma camada extra de violência durante suas campanhas.

“Nesses 1.000 tuítes encontramos 82 muito agressivos, sendo que 18 eram insultos e 64 eram ofensas, que são mais pesados. Parece pouco, mas se escalar para a amostra de 62 mil interações, dá uma dimensão da violência política”, diz Lu Belin, da revista AzMina.

Deputadas trans chegam à Câmara pela primeira vez na história

Eleitas deputadas federais, Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP) foram as mais atacadas.

“Eu considero essas ameaças, a violência política e a transfobia como uma coisa só: violência política de gênero e orquestrada”, diz Duda Salabert.

Desenvolvido nas eleições de 2020, o MonitorA pretende dialogar com plataformas de redes sociais para mitigar os efeitos da violência política no país.

“Queremos primeiro entender onde está a violência, que formas ela tem e que palavras são utilizadas como maneira de delinear que ela existe. Depois, ajudar a trazer ferramentas que ofereçam algum tipo de controle ou reação a isso”, diz Lu Belin.