ELEIÇÕES

Militares silenciam sobre fiscalização paralela da votação do 1º turno

TCU analisa ofício para requisitar documentos do Ministério da Defesa; militares têm sido usados por Bolsonaro

Exército brasileiro (Foto: Agência Brasil)

Ministério da Defesa adotou o silêncio após o primeiro turno das eleições e não responde a pedidos de informação sobre a fiscalização realizada no sistema eletrônico de votação em 2 de outubro.

Depois do fechamento das urnas, técnicos das Forças Armadas fizeram verificações sobre o teste de integridade e a checagem da totalização dos votos, comparando as informações de cerca de 400 boletins de urna com os dados que chegaram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para a contagem.

A Folha solicita desde terça-feira (4) informações sobre a conclusão das análises dos dois procedimentos de fiscalização ao Ministério da Defesa. A pasta, no entanto, não responde aos pedidos.

A atuação das Forças Armadas na fiscalização das eleições tem sido utilizada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para justificar seu esforço de desacreditar as urnas eletrônicas.

Diante da falta de esclarecimentos, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Lucas Rocha Furtado, enviou na sexta-feira (7) ao ministro Bruno Dantas uma requisição dos relatórios de auditoria das Forças Armadas.

No ofício, Furtado diz considerar “dever do tribunal assegurar o princípio da publicidade e da transparência dos atos administrativos”.

“Venho propor que seja requisitado ao Ministério da Defesa, com a urgência que o caso requer, cópia do relatório de auditoria ou de documento correlato que revele o resultado da fiscalização daquele órgão acerca do processo eleitoral relativo ao primeiro turno de votação.”

Integrantes do TCU entendem que, por envolver recursos públicos, a atuação dos militares na fiscalização do pleito é passível de acompanhamento e de possíveis sanções por parte do tribunal de contas.

Comandantes das Forças Armadas manifestaram insatisfação com a postura do TCU, que chamaram de “fiscalização da fiscalização”, e esse desconforto foi comunicado a ministros da corte de contas.

No início da semana, militares afirmaram reservadamente à Folha que os técnicos das Forças Armadas ainda não haviam concluído a verificação dos boletins de urna dos 153 municípios analisados.

Até aquele momento, porém, os militares avaliavam que os processos apresentaram pequenas falhas, especialmente no teste de integridade. Os problemas, de acordo com os relatos, foram mínimos e não tiveram potencial para prejudicar o resultado do pleito.

Ainda segundo os relatos, houve casos de urnas desbloqueadas após o representante da Justiça Federal colocar três vezes o dedo no leitor de biometria —e o correto seria liberar após quatro contatos.

No projeto-piloto do teste de integridade com biometria, os militares avaliaram que foram poucos os eleitores convidados para participar da validação dos dados coletados anteriormente, o que teria feito o procedimento não ficar tão semelhante ao que ocorre durante a votação real.

Na totalização, houve também o diagnóstico de que o TSE demorou mais que o esperado para disponibilizar os boletins de urna na internet, o que teria atrasado a análise dos dados no dia da eleição.

O TSE divulgou na quinta (6) que o teste de integridade teve 100% de sucesso, sem nenhuma divergência na votação. O procedimento foi feito pelos Tribunais Regionais Eleitorais e acompanhado pelos militares. O objetivo é verificar se os votos computados nas urnas são registrados corretamente no boletim de urna.

Um dia antes, o TCU anunciou não ter encontrado irregularidades na conferência dos votos. Ao todo, 15 auditores analisaram 560 boletins de urna e concluíram que não houve inconsistência na contagem.

No domingo (2), Bolsonaro acompanhou a apuração dos votos no Ministério da Defesa, acompanhado de ministros, militares e de seu filho Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A imprensa havia sido informada de que o presidente estaria no Palácio do Alvorada, aonde só chegou por volta das 23h.

Alguns andares acima de onde ele acompanhava a contagem dos votos, técnicos das Forças Armadas estavam reunidos para receber os boletins de urna e conferi-los com os dados disponibilizados pelo TSE.

Estavam com Bolsonaro os ministros Paulo Sérgio (Defesa), Bruno Bianco (Advocacia-Geral da União) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), além de assessores militares. Perto do final da apuração chegou o candidato a vice, Braga Netto. A informação foi dada por O Globo e confirmada pela Folha.

Eles acompanharam de um telão a contagem dos votos do TSE, comeram cachorro-quente e se surpreenderam com o resultado: Luiz Inácio Lula da Silva teve 48,4% dos votos, e Bolsonaro, 43,2%.

O presidente e parte do seu entorno ainda difundiam o discurso de que seria possível vencer o pleito no primeiro turno, embora as pesquisas indicassem outro cenário. Eles se surpreenderam especialmente com o desempenho de aliados nos estados, por vezes com votações superiores às do próprio Bolsonaro.

No Rio Grande do Norte, o candidato à reeleição conquistou 622.731 votos, enquanto seu ex-ministro Rogério Marinho (PL) foi eleito ao Senado com 708.351. O estado tem forte presença do PT: a governadora Fátima Bezerra foi reeleita no primeiro turno. Já Lula contou ali com o apoio de 1.264.170 eleitores.

Também se surpreenderam com a derrota em Minas Gerais, onde o então aliado informal Romeu Zema (Novo) ganhou a reeleição ao governo no primeiro turno. Mas o tema das urnas eletrônicas ficou em segundo plano. O vereador Carlos Bolsonaro, tido como um dos mais radicais no entorno do pai, disse que seria necessário fazer alianças políticas, em especial, com Zema —o que foi anunciado na terça (4).

Ainda no domingo, Bolsonaro disse a interlocutores estar confiante de que será possível virar o jogo.