RIO DE JANEIRO

‘Minha menina veio correndo e me abraçou chorando’, diz mãe de vítima de estupro coletivo em escola

O caso, que teria ocorrido em horário de aula, é investigado pela Polícia Civil

Mãe de menina vítima de estupro coletivo em escola. (Foto: Ana Branco)

“Minha filha de 13 anos foi abusada dentro da sala de aula, durante um intervalo. Uma outra menina chamou nas carteiras do fundo e disse que contaria um segredo. Em seguida, quatro alunos se aproximaram perguntando o que era, dizendo que queriam saber, cercando. Dois deles a seguraram pelos braços e, na mesma hora, começaram a passar a mão nela, xingavam, batiam, taparam a boca. Tocaram nos seios e nas partes íntimas da minha filha, colocaram a mão dela no órgão genital deles. Uma cena horrorosa de se imaginar, sabe?

Tudo durou uns três minutos, só pararam porque outro menino avisou que tinha alguém chegando. Ao dizer o nome da minha filha na chamada, o professor olhou e viu que ela estava chorando muito. Ele perguntou o que houve, e de imediato percebeu uma movimentação estranha entre esses estudantes. A direção acabou acionada, e os quatro, em um primeiro momento, receberam uma suspensão de um dia.

Minha filha foi pra casa e contou para a avó, bem superficialmente, o que havia acontecido. Ela me mandou uma mensagem, e lembro que olhei para meu filho mais velho, que trabalha comigo, e falei, ainda pasma: ‘Ouve aqui esse áudio, acho que abusaram da sua irmã dentro da escola’. Voltei na mesma hora e, quando virei na esquina de casa, ela já veio correndo, aflita, e me abraçou em lágrimas. Foi um momento muito doloroso. Ver a minha filha, uma menina tão doce, desesperada daquele jeito.

Ela me contou que, enquanto voltava pra casa, já depois de passar pela diretoria, os meninos a alcançaram e fizeram várias ameaças, falando que, se ela abrisse a boca, fariam coisas ainda piores. Eu mesmo não sabia muito bem o que fazer, mas decidi que iria procurar a polícia, mesmo que várias pessoas tenham me desaconselhado a fazê-lo. ‘Vão achar que ela deu confiança, que ela é safada’, diziam. Onde já se viu? Só porque somos de comunidade os outros têm o direito de fazer algo assim com a minha menina? E dentro de uma escola municipal, além de tudo!

Graças a Deus nós fomos muito bem recebidos na delegacia. Foi só lá, inclusive, que eu pude entender exatamente tudo o que tinha acontecido. Com a sensibilidade da delegada, que soube ir perguntando com cuidado e carinho, minha filha se abriu ainda mais. E tinham coisas que ela ouviu e que foram feitas que, até então, por vergonha, minha filha não tinha conseguido nem descrever’. É uma menina que não fala sequer palavrão, então você imagine como é para ela descrever tudo aquilo…

Depois que o caso foi para a polícia, os quatro foram expulsos da escola. E a investigação está andando, mas, dois meses depois, ainda não soube de nenhum desdobramento. Como moro no mesmo bairro desde que eu nasci, o chefe do tráfico chegou a me procurar quando soube, perguntando se a gente queria que ‘desse um corretivo’ neles. Eu falei que não, que de jeito nenhum. Não quero ter esse sangue nas minhas mãos. Prefiro confiar no trabalho da polícia e na Justiça, porque impune não pode ficar.

Em uma das reuniões com os envolvidos na escola, cheguei a ouvir a mãe de um deles falar que ‘se o filho fez isso, é porque alguma abertura ela deu’. A outra acreditou que foi tudo só uma brincadeira de TikTok. Mas a verdade é que fui sabendo que todos vêm de famílias desestruturadas. Um convive com as agressões do pai contra a mãe. O outro viu o pai incendiar a casa com todo mundo dentro. É claro que isso não diminui a nossa a dor, e muito menos a necessidade de punição, mas é nítido que esse problema é fruto de questões maiores. Como as pessoas podem achar, em pleno 2022, que uma coisa assim é bobagem?

Mesmo a minha filha contou que, em um primeiro momento, chegou a achar que era tudo uma brincadeira. Ela demorou a entender o que estava acontecendo, até por não ter nenhuma vivência sequer parecida com isso. Em uma outra conversa, na qual estávamos só nós duas e a diretora da escola, ela disse assim: ‘Eu achava que eles eram meus amigos’. A própria diretora ficou muito mexida com aquele relato e chorou, na nossa frente.

Eu quis mudar minha filha de escola, mas, ao tentar levá-la para a unidade onde já estuda uma irmã dela, que também fica aqui perto, soube que um dos agressores havia sido transferido pra lá. Acabaram me falando que eu só conseguiria vaga em um colégio bem mais distante. Ou seja, quem atacou a minha filha teve prioridade na hora de decidir onde continuaria estudando. Isso me revoltou muito, mas foram os professores que nos convenceram a seguir na mesma escola. Ela é uma excelente aluna, de ótimas notas, e muito querida por todos os funcionários. Então, estamos tentando.

Mas não está sendo fácil, nem de perto. Ela chega em casa e fica trancada no quarto, no escuro. Um dia, já dois meses depois do abuso, eu insisti para que ela conversasse comigo, tentasse se abrir. E, de repente, ela começou a chorar desesperada, dizendo que não aguentava mais fingir que estava tudo bem. Contou que já sofria bullying antes do episódio, mas que piorou muito depois. ‘As pessoas me desprezam, mas eu não tenho culpa’, ela disse. Imagine uma mãe ouvir isso da própria filha?

Ela está fazendo acompanhamento psicológico em uma Clínica da Família, para onde foi encaminhada com o laudo do Instituto Médico-Legal (IML). Mas é só uma consulta por mês, acho muito pouco para que consiga uma evolução mais concreta. Ela gosta do psicólogo, voltou das duas consultas mais felizinha, dizendo que tinha conseguido falar um pouco mais. Mas sinto que pouco depois acaba regredindo tudo de novo. Agora, estamos tentando viabilizar um tratamento psicológico particular, com mais sessões, mas não é uma coisa tão simples.

Pra mim, como mãe, também foi muito difícil. E continua sendo. Vou trabalhar e não sei se minha filha está bem. Pra ser sincera, afeta até a minha vida com meu companheiro, porque é doloroso pensar em sexo desde que isso tudo aconteceu. E que pais vão querer que uma menina tenha esse tipo de descoberta dessa maneira? A primeira coisa que o pai dela, meu ex-marido, me perguntou foi: ‘Tiraram a virgindade da minha garotinha?’. Eu respondi que não, mas que nem por isso o trauma era menor. É uma coisa que com certeza vai ficar marcada nela, infelizmente. A nós, resta acolher e tentar apoiar.”

Abaixo, veja a íntegra da nota enviada pela Secretaria municipal de Educação sobre o caso:

“A Secretaria Municipal de Educação é contra qualquer tipo de abuso dentro ou fora dos espaços escolares. O caso ainda está sendo investigado pela polícia, mas trata-se de uma suspeita grave de abuso sexual praticado por quatro adolescentes contra uma estudante durante o horário escolar. Imediatamente após o ocorrido, a direção da unidade convocou os responsáveis dos menores para uma reunião e tomou providências. No encontro, ficou acordado entre as partes que os quatro alunos suspeitos seriam transferidos para outras unidades, com o objetivo de garantir o afastamento dos agressores da jovem e preservar a permanência da aluna na unidade, que demonstrou interesse em continuar na mesma escola à época. Outra providência, também acolhida à época, foi a transferência de turma da menina, visando oferecer um novo ambiente para jovem dentro da unidade. A medida tomada com relação aos quatro alunos suspeitos faz parte das orientações contidas na Resolução SME nº 1074 de 14 de abril de 2010, que dispõe sobre o Regimento Escolar Básico do Ensino Fundamental da Rede Pública do Município do Rio de Janeiro.

Em função da gravidade da ocorrência, a Unidade Escolar acionou o PROINAPE (Programa Interdisciplinar de Apoio às Escolas) que, de imediato, fez contato com a Unidade de Saúde de referência do território da Unidade Escolar a fim de garantir atendimento psicológico à aluna. Desde então, ela vem recebendo acompanhamento psicológico em uma Clínica de Saúde da Família da região.

No dia 31 de maio, a responsável pela aluna manifestou o desejo de transferir a estudante para outra unidade escolar da região. Tendo em vista que um dos alunos envolvidos no ocorrido foi transferido em março (logo após o ocorrido) para a unidade em questão, a mãe não efetivou a mudança de escola. A Coordenadoria Regional de Educação segue atuando no caso da jovem com objetivo de apoiá-la em tudo que for necessário, inclusive, na busca por uma solução para transferência da estudante. A jovem será priorizada em todas as situações. Uma das possibilidades é que a troca de unidade seja efetivada no recesso escolar, que se inicia no próximo dia 11 de julho, de forma que a continuidade do ensino não seja prejudicada.

Mais um uma vez, a secretaria reforça que é contra qualquer tipo de abuso dentro ou fora dos espaços escolares. Imediatamente após o ocorrido, a direção da unidade atuou com os alunos envolvidos diretamente no caso, e também com os demais estudantes da turma. O caso foi registrado na polícia, representantes da unidade escolar já foram à unidade policial e estão colaborando no que for necessário para investigação e elucidação do caso. A Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Mulher também irá apoiar no acolhimento da jovem. A Secretaria de Educação reforça que, para preservar a estudante, não pode informar o nome da aluna, unidade de ensino ou região onde ela estuda, nem mesmo mais detalhes sobre o caso, que possam levar a uma possível identificação dos menores.”