Ministério liberou verba intermediada por pastores após denúncia de propina
Após Folha revelar áudio, Milton Ribeiro disse que chegou a proibir a presença de líder religioso na pasta
O governo Jair Bolsonaro (PL) destinou verba a prefeitos que foram levados ao Ministério da Educação pelo pastor Arilton Moura mesmo após Milton Ribeiro ter supostamente recebido uma denúncia de propina envolvendo o líder religioso.
Depois que a Folha revelou uma gravação em que o ministro da Educação disse priorizar pedidos intermediados pelos pastores Arilton e Gilmar dos Santos, Milton Ribeiro disse em entrevistas que chegou a proibir a presença do pastor no MEC.
Segundo registros da agenda oficial, no entanto, o ministro recebeu em seu gabinete ao menos três prefeitos acompanhados por Arilton —ele atua em conjunto com o pastor Gilmar. Depois disso, houve empenho de dinheiro público e desbloqueio de ações que favoreceram esses municípios.
O próprio ministro diz no áudio que atendia a uma solicitação do presidente Bolsonaro para priorizar amigos do pastor Gilmar. Ele menciona pedidos de apoio que seriam supostamente direcionados para construção de igrejas.
Um desses prefeitos confirmou que houve pedido de 1 kg de ouro como propina por um dos pastores para a liberação de verba. A informação foi divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pela Folha.
Ribeiro admitiu, em entrevista à CNN Brasil na quarta-feira (23), ter ouvido “um comentário” sobre suspeitas referentes a Arilton em agosto de 2021. Depois, recebeu uma denúncia anônima sobre “uma possível prática” de intermediação de verbas. Ele afirmou ter levado o caso à CGU logo depois.
Mais tarde, o ministro afirmou à TV Record que recebeu o pastor “uma ou duas vezes depois da denúncia” e acrescentou que chegou a proibir que ele fosse ao MEC.
Os registros oficiais da agenda do ministério e dados do Portal da Transparência contradizem Ribeiro. Desde setembro, o ministro recebeu Arilton em ao menos quatro reuniões dentro de seu gabinete —e teve pelo menos um encontro externo com ele.
Em pelo menos três desses casos, houve a liberação de verba do FNDE dias depois dos encontros, que contaram com a participação de prefeitos das cidades atendidas.
Uma dessas liberações foi feita para Buritis (MG). No dia 24 de novembro do ano passado, o ministro recebeu em seu gabinete o pastor Arilton e o prefeito em exercício da cidade, Rufino Clovis Folador (Solidariedade), segundo registros oficiais da pasta.
Buritis foi atendida 16 dias depois com a liberação de R$ 200 mil do FNDE para obras de implantação ou adequação de quadras esportivas em unidades escolares. A nota de empenho –primeira etapa da execução orçamentária– foi emitida em 10 de dezembro.
Processos semelhantes se repetiram no caso de outras cidades, também depois que o ministro já havia sido comunicado de suspeitas envolvendo Arilton.
Agenda com pastores
A agenda de Milton Ribeiro mostra um encontro no início da noite do dia 30 de novembro. De acordo com os registros, estavam presentes o pastor e o prefeito André Lemos (Patriota), de Dracena (SP), além de assessores.
Treze dias após essa reunião, o MEC emitiu uma ordem de desbloqueio de uma obra que havia sido empenhada para o município em 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro. A nota de empenho é referente à infraestrutura escolar e tem o valor de R$ 600 mil. A ação do ministério se deu para evitar o cancelamento dessa verba.
O terceiro caso envolveu Bom Lugar (MA) e ocorreu já neste ano. A agenda do ministro em 16 de fevereiro mostra um encontro dele com a prefeita Marlene Silva Miranda (PC do B), com participação do pastor Arilton, segundo a agenda oficial.
Em pouco mais de duas semanas, no dia 4 de março, foram empenhados R$ 200 mil para a construção de creches no município.
O Ministério da Educação não se manifestou sobre esses casos até a publicação desta reportagem.
As prefeituras de Dracena e Bom Lugar ainda não responderam aos contatos da reportagem.
O prefeito em exercício de Buritis, Rufino Clovis, disse que estava na chefia do executivo do município quando houve a reunião no MEC porque o titular estava com Covid. Afirmou também que a agenda já estava “pronta” e que o assunto tratado foi a criação de instituto federal para cidade de Buritis e que ele mesmo falou com o ministro.
“Eu não fui levado por pastor, só cumpri a agenda do prefeito que estava com Covid”, disse.
O Ministério da Educação atravessa uma crise desde que veio à tona a existência de um balcão político para liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), que concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.
O balcão era operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura e priorizava a liberação de valores para gestores próximos a eles e a prefeituras indicadas pelo centrão, bloco político que dá sustentação ao presidente Jair Bolsonaro
A proximidade deles com o ministro foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.
A prioridade aos indicados dos pastores, a pedido de Bolsonaro, foi confirmada pelo próprio ministro da Educação, Milton Ribeiro, em áudio revelado pela Folha.
Na conversa, o ministro diz que o próprio presidente solicitou o atendimento prioritário aos líderes religiosos. O jornal ainda mostrou que, sob Ribeiro e com o centrão no FNDE, o órgão virou uma espécie de balcão político.
Dados oficiais mostram uma explosão de aprovações de obras, ausência de critérios técnicos, burla no sistema e priorização de pagamentos a aliados.
Após a divulgação do áudio do ministro, o caso entrou na mira da Procuradoria-Geral da República, que pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito.
Ainda há pressão no Congresso. Os membros da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovaram nesta quinta-feira (24) requerimento de convite ao ministro Milton Ribeiro para explicar a existência de um balcão político para liberação de verbas para municípios.