Governo Bolsonaro

Ministro defende apoio de Bolsonaro a líder do centrão: “réu não é condenado”

André Mendonça, ministro da Justiça, afirma que respaldo a deputado Arthur Lira não é contradição com bandeira que elegeu presidente da República

O ministro André Mendonça (Justiça) defende o apoio de Jair Bolsonaro ao líder do PP, Arthur Lira (AL), para a presidência da Câmara. O parlamentar se tornou réu por corrupção passiva em outubro de 2019 em um inquérito da Lava Jato.

Mendonça nega que o respaldo ao deputado seja uma contradição à bandeira que elegeu o presidente. “O fato de ser réu não significa que foi condenado”, afirmou o ministro, em entrevista à Folha.

Em abril passado, ao assumir o cargo, Mendonça fez um discurso no qual fez uma série de menções elogiosas a Bolsonaro, a quem chamou de “profeta no combate à criminalidade”.

Quase um mês após a morte de João Alberto, em uma loja do Carrefour de Porto Alegre, o ministro falou pela primeira vez sobre o episódio e evitou dizer que houve racismo.

Mendonça elogiou Alexandre Ramagem, atual chefe da Abin e que teve a sua nomeação à PF barrada pelo Supremo, e disse que não há indicação de mudança na direção da Polícia Federal.

Sucessor de Sergio Moro, o ministro disse que ampliou o diálogo com estados para integrar os sistemas de segurança pública e aprimorar o combate a crimes.

Há quase oito meses no cargo, Mendonça está sob cuidados médicos pela terceira vez. Ele teve uma miocardite aguda diagnosticada em setembro, contraiu coronavírus em novembro e agora está com início de pneumonia. Os médicos recomendaram repouso.

Recentemente um homem negro foi morto dentro de um Carrefour. O sr. considerou o caso um episódio de racismo? O sr. pensa pautas específicas para violência contra negros?

O fato foi gravíssimo. Uma agressão inaceitável e desproporcional. O trabalho de investigação é que vai identificar as razões. E, logicamente, independentemente de ter sido ou não racismo, merece punição rigorosa.

O vice-presidente disse que não há racismo no Brasil, e o presidente deu uma declaração relativizando. O sr. concorda com eles?

O que o próprio presidente disse é que qualquer crime contra qualquer pessoa, homem mulher, negro ou branco, idoso ou jovem, deve ser reprimido. E acho que este é o nosso papel. Todas as vidas importam, a da mulher, do homem, do idoso.

Perguntamos se há política para aumento de homicídios de negros, a resposta não é clara, o sr. falou sobre mulheres, idosos. Passa a impressão de que esse assunto não pode ser tratado. Por que não chamar de racismo o que é racismo?

Se houve racismo, tem que ser punido. Sem dúvida. A gente não pode desconsiderar essa hipótese. Não posso dizer que não há racismo. O racismo parte de uma pessoa que não compreende a igualdade do outro em função da sua cor, por exemplo. E se há motivação nesse sentido, ela deve ser punida.

A questão do homicídio, muitas vezes, há um número grande relacionado ao crime organizado. Em havendo uma maior sujeição de uma maior população negra vítima desse crime organizado, logicamente que vai alcançá-los dentro dessa proporcionalidade.

O sr. acha que não é possível fazer políticas especificamente para a população negra?

Entendo que qualquer política pública tem que ser baseada na evidência. Por exemplo, numa favela, uma vítima de um crime organizado, se tem um negro ou branco vitima da violência, preciso priorizar os dois. Não posso dizer ‘primeiro vou atender o branco, ou primeiro vou atender o negro’. A discriminação não pode existir para raça nenhuma.

O presidente apoia Arthur Lira (PP-AL), que é réu na Lava Jato, para o comando da Câmara. Não é um contrassenso para um governo que se elegeu com a bandeira do combate à corrupção?

Contrassenso haveria se houvesse alguma tentativa de interferir na investigação contra quem quer que seja. Não é isso que o governo faz.

O governo endossa um nome que é réu para comandar um Poder. O fato de ser réu não significa que foi condenado. Independentemente de aliado ou não, a Polícia Federal tem atuado com independência. Há uma relação política, agora há uma relação institucional. A relação institucional é de independência das instituições, em nenhum momento, houve ou haverá interferência nesse sentido.

O ex-ministro do Turismo foi indiciado e denunciado por um esquema de laranjas. Ele sai do governo não por isso, mas por uma questão de espaço do centrão, que é quem o presidente dizia na campanha que combateria. Como o sr. avalia isso? Achava normal ter um ministro denunciado e indicado dentro do governo?

Posso dizer, primeiro, que dentro do governo não há um A questionável sendo apurado com relação ao ministro Marcelo. A questão relativa às eleições foi anterior. Logicamente que isso deve ser apurado e com independência. Ao mesmo tempo, só registrar, o ministro não saiu do governo para se acomodar A ou B. Ele saiu por circunstâncias internas. Estando no governo ou agora voltando para a Câmara o importante é que a investigação seja conduzida com transparência e independência para que se chegue a um resultado final.

​​O sr. foi nomeado após a saída de Sergio Moro, que acusou o presidente de interferir na PF. A imagem de independência da PF ficou abalada. Qual a sua visão depois desses meses?

Primeiro que a denúncia era uma denúncia vazia. Todos os elementos do inquérito indicam isso. Tanto da minha experiência anterior [na AGU] como da minha nesse período à frente do ministério é de total independência na gestão e condução das questões, de modo específico na Polícia Federal. Tanto que há inquéritos e investigações em curso com relação a pessoas que defendem e são alinhadas ao próprio governo.

Não foi o sr. que indicou o atual diretor-geral da PF. Qual avaliação que o sr. faz do trabalho e por quanto tempo ele vai permanecer?

O diretor-geral tem feito um grande trabalho à frente da PF e não há nenhuma discussão sobre alteração na Polícia Federal.

Existe a possibilidade de renomear Alexandre Ramagem ao fim do inquérito da interferência na PF?

O que posso dizer é que o doutor Ramagem é um grande delegado, tem histórico exemplar na Polícia Federal, mas que não há nenhuma indicação de mudança na direção da PF.

A PF deve ter três novas diretorias. Por que o sr. quer fazer essa mudança?

Pensamos em trazer uma melhor estrutura, com especialização em áreas que são muito caras para a sociedade, tanto o combate ao tráfico de drogas quanto de combate à corrupção. Estamos reestruturando para garantir melhores resultados na área de segurança pública.

A PF e a Polícia Rodoviária Federal [PRF] vivem uma briga nos bastidores. Um dos pontos é de atribuição, como atuação em portos. O sr. se reuniu com os diretores para alinhamento?

Não tenho registro de operação da PRF em portos. Parênteses: tiraram fotos mas não era operação. O que deve haver é: se o acesso ao porto é uma rodovia federal, a PRF tem essa atribuição. Se não for, entendo que não. A grande questão é que haja uma integração. A mesma integração que deve haver entre união e estados, deve haver entre as polícias da união. O nosso diálogo é sempre nesse sentido.

O sr. foi criticado por ter entrado com um habeas corpus para defender o ex-ministro Abraham Weintraub e depois pelo dossiê contra grupos antifascistas. O sr. teve que extrapolar assuntos do seu cargo para atender pedidos de Bolsonaro?

O nosso trabalho foi no sentido de preservar as bases do estado democrático de direito. No contexto do HC havia uma situação de exposição de todos os ministros em uma reunião fechada. O HC foi a forma mais democrática possível, porque ele é o instrumento jurídico que melhor representa as garantias individuais.

O sr. ficou frustrado por não ter sido indicado ao STF?

Não, nenhuma frustração. O presidente exerceu bem a sua prerrogativa, da indicação do ministro Kassio [Marques]. O que todos os brasileiros, o que nós queremos, é que ele seja um grande ministro do Supremo e tenho certeza que será.

O sr. acha ainda que é importante ter um ministro evangélico?

O STF deve representar a nossa sociedade. Acho legítimo ter um evangélico, um deficiente físico, mulher, católicos, judeus, quem não tem religião.

Mas só há uma vaga. Tem de ser um evangélico?

Quem pode responder é o próprio presidente.

Em relação à obrigatoriedade da vacinação, qual sua opinião?

Vários países do mundo não vão estabelecer essa obrigatoriedade. Uma vacina, principalmente numa fase inicial, numa perspectiva de que ainda que tenha todas as aprovações, eu entendo que deve se dar a liberdade à pessoa com relação à possibilidade ou não de tomar a vacina.

A possibilidade de recriar o Ministério da Segurança Pública está fora de cogitação?

Não é um assunto em discussão. Logicamente que o presidente tem independência para tomar a decisão que achar a mais adequada. Um dos pontos quando se discutia essa questão era a ausência de diálogo com os estados. E se há algo em que investimos foi no diálogo permanente com os estados. Os princípios do SUSP [Sistema Único de Segurança Pública], que são atuação conjunta, de forma cooperada, integrada e sistêmica, são a nossa base.

Em vários episódios o sr. dá indiretas ao Sergio Moro. Qual avaliação o sr. faz da gestão dele?

Não cabe a mim avaliar a gestão anterior. Cabe a mim pegar uma realidade e trabalhar para que a realidade seja melhor.

Raio-x

O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, durante a solenidade de posse no Palácio do Planalto (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

André Mendonça, 47
Ministro da Justiça e da Segurança Pública desde abril deste ano, é formado em direito pela Instituição Toledo de Ensino, de Bauru (SP). Chefiou a AGU (Advocacia-Geral da União), de onde é funcionário de carreira após ter passado em concurso em 2000. Atuou ainda como assessor especial na CGU (Controladoria-Geral da União) até ser nomeado ministro no início do mandato de Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019. Fez mestrado e doutorado na Universidade de Salamanca (Espanha). Paralelamente à atividade jurídica, formou-se em teologia e é pastor presbiteriano