Moraes, do Supremo, libera processo que discute porte de drogas para consumo pessoal
Acusados de tráfico de drogas costumam aguardar julgamento em prisão provisória. Se condenados, recebem pena de pelo menos cinco anos de prisão. Muitas vezes, no tribunal, o policial que fez a abordagem é a única testemunha e é decisivo no encaminhamento sobre uso ou tráfico.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes liberou para julgamento, nesta sexta-feira (23), um recurso que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Ainda não há data para que o recurso seja julgado pelo plenário da corte.
Cabe ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, incluir o processo na pauta de julgamentos. A pauta de todas as sessões deste ano, até dezembro, já foi divulgada e não inclui o caso, mas pode ser alterada. Toffoli, contudo, tem dito que não pretende julgar matérias polêmicas neste ano.
O recurso começou a ser julgado em agosto de 2015, quando o relator, ministro Gilmar Mendes, votou pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (nº 11.343/2006), que define como crime o porte de drogas para uso pessoal.
O então ministro Teori Zavascki pediu vista (mais tempo para analisar o caso). Teori morreu em um acidente aéreo em janeiro de 2017. Seu substituto, Moraes, herdou o pedido de vista e agora devolveu o recurso para julgamento.
Além de Gilmar, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram pela descriminalização do porte exclusivamente de maconha.
Fachin propôs que o STF declare como atribuição do Congresso estipular as quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante. Barroso sugeriu que o porte de até 25 gramas de maconha seja parâmetro para configurar o uso pessoal.
O recurso em questão trata de um caso de um detento de São Paulo que foi flagrado com três gramas de maconha, e tem repercussão geral, o que significa que o entendimento que for firmado será aplicado a todos os processos semelhantes que tramitam na Justiça pelo país.
Acusados de tráfico de drogas costumam aguardar julgamento em prisão provisória. Se condenados, recebem pena de pelo menos cinco anos de prisão. Muitas vezes, no tribunal, o policial que fez a abordagem é a única testemunha e é decisivo no encaminhamento sobre uso ou tráfico.
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, metade das ocorrências policiais de tráfico de maconha do estado de São Paulo envolve pessoas que portam, no máximo, 40 gramas da erva, quantidade equivalente a dois bombons.
Isso corresponde ao limite de porte para usuários no Uruguai, que legalizou e regulou o mercado de maconha. Em Portugal, que descriminalizou o uso de drogas, 25 gramas são um indicativo de uso. Na Colômbia, a marca é de 20 gramas.
No caso de São Paulo, os dados são de pesquisa do Instituto Sou da Paz, que analisou cerca de 200 mil ocorrências de crimes ligados a drogas entre 2015 e 2017. O estado tem uma a cada quatro ocorrências de drogas do país.
Segundo a pesquisa, duas de cada cinco ocorrências policiais de drogas em São Paulo são de pessoas que portavam para uso pessoal.
No outro extremo estão as ocorrências que envolvem toneladas das substâncias consideradas ilícitas. O levantamento revela que apenas 1% das ocorrências de tráfico de maconha são responsáveis por 76% do total de droga apreendida. No caso de cocaína, 1% dos casos respondem a 56% das apreensões. No do crack, 1% corresponde a 66% da droga confiscada.
Reportagem da Folha de S.Paulo publicada no mês passado mostrou que o número de flagrantes realizados pela polícia de São Paulo a usuários de drogas tem caído de forma contínua no estado ao longo dos últimos 26 meses.
Essa série de quedas começou em julho de 2016, segundo levantamento da Folha de S.Paulo na base de dados sobre a produtividade policial disponibilizada pelo governo paulista. O pico daquele ano se deu em março, com 3.270 ocorrências, número que caiu sem interrupções até os 1.881 casos em agosto deste ano, o que representa uma redução de 43%.
Descriminalização
Argumentos a favor
– Legislação atual fere o princípio da privacidade, já que o consumo de drogas não causa danos a terceiros;
– Lei também viola o princípio da isonomia, ao tratar coisas semelhantes (como álcool e maconha) de forma desigual;
– A regulamentação das drogas facilitaria o controle sobre o uso, sendo mais eficaz do que a proibição;
– Mudança pode reduzir a população carcerária, já que a falta de parâmetros hoje faz com que muitos usuários sejam presos como traficantes.
Argumentos contra
– A droga não prejudica só quem a consome, mas também as pessoas ao redor;
– A liberação pode causar aumento do número de usuários e do índice de pessoas com transtornos mentais;
– O sistema público de saúde já não tem estrutura para atender viciados em drogas lícitas, como álcool;
– Definir quem é traficante e quem é usuário de acordo com a quantidade de droga seria falho, já que um criminoso também pode transportar quantidades pequenas.