Morre último homem indígena da etnia Juma em decorrência da covid-19
Corpo dele foi levado para ser enterrado na quarta-feira na aldeia Juma, em Canutama, no Amazonas
O último homem indígena da etnia Juma, o cacique Amoim Aruká Juma, que teria entre 86 e 90 anos, morreu em decorrência da covid-19, na manhã desta quarta-feira (17), em um hospital de Porto Velho. A causa da morte foi insuficiência respiratória aguda em decorrência da infecção do novo coronavírus.
O corpo dele foi levado para ser enterrado na quarta-feira na aldeia Juma, em Canutama (AM), em uma cerimônia reservada à família e caciques de etnias próximas à Terra Indígena Juma.
Agora, a etnia fica resumida às três filhas de Amoim Aruká: Borehá, Maitá e Mandeí. Elas casaram com índios da etnia Uru-Eu-Wau-Wau, que também falam tupi kagwahiva. Os casamentos eram uma forma de evitar que os Jumas não desapareçam. Amoim Aruká deixa 14 netos e bisnetos, além de uma filha de um relacionamento com uma índia da etnia Uru-Eu-Wau-Wau. A família do cacique é a última sobrevivente da etnia Juma.
O cacique e 12 parentes foram infectados pela covid-19 e apresentaram sintomas na primeira quinzena de janeiro. No dia 17 do mês passado, Aruká se sentiu mal e foi internado no hospital regional de Humaitá, município vizinho a Canutama. Durante o tempo que esteve doente, o cacique passou por uma série de internações, mas conseguiu ter alta médica.
Mas, em 2 de fevereiro, o estado de saúde do cacique se agravou e ele precisou de tratamento em leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e foi transferido do hospital regional de Humaitá (AM), na região sul do Amazonas, para o hospital de campanha Regina Pacis, em Porto Velho.
De acordo com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), o líder indigena teve uma melhora em 7 de fevereiro, mas ele voltou a ser intubado oito dias depois, quando Amoim Aruká teve um choque séptico, indicando uma infecção generalizada.
Pouco antes da piora, Aruká teve contato pela última vez com a filha mais velha, Borehá Juma. Ele pediu que, caso morresse, o corpo dele fosse enterrado no local onde construiu a primeira maloca da aldeia Juma. No local está enterrada a mãe de Borehá, Mboreha.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), lideranças indígenas de outras etnias fizeram homenagens a Amoim Aruká durante o cortejo do enterro, na ponte da Vila do Assuã, na rodovia Transamazônica. Pertences do cacique foram colocados juntos do caixão no local do enterro.
Massacres
O povo Juma sofreu inúmeros massacres ao longo da história que reduziu de 15 mil índios, no início do século 20, para cinco pessoas em 2002. O último massacre sofrido pela etnia ocorreu em 1964, no rio Assuã, na bacia do rio Purus, quando comerciantes de Tapauá (AM), que estavam interessados pela sorva e castanha existente no território Juma, mandaram matar a tiros o grupo. Mais de 60 indígenas da etnia foram assassinados e apenas sete sobreviveram.
Aruká foi um dos sobreviventes e continuou a lutar para que seu povo resistisse. Ele lutou pela demarcação do território Juma, homologado apenas em 2004. Na década de 2000, à beira do desaparecimento, a etnia Juma cresceu por meio de casamentos com indígenas Uru-Eu-Wau-Wau.
Entidades culpam governo federal por morte
A Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) emitiram uma nota lamentando a morte de Amoim Aruká Juma e afirmaram que ele foi “assassinado” pelo governo federal, pois o povo Juma está em “extremo risco” e nada comprovadamente teria sido feito para protegê-los da pandemia do novo coronavírus.
“É desoladora a morte por complicações de Covid-19 do último homem do povo Juma, o guerreiro Amoim Aruká. (…) A COIAB e APIB avisaram que os povos indígenas de recente contato estavam em extremo risco. O último homem sobrevivente do povo Juma está morto. Novamente, o governo brasileiro se mostrou criminosamente omisso e incompetente. O governo assassinou Aruká. Assim como assassinou seus antepassados, é uma perda indígena devastadora e irreparável”, afirmaram as entidades.
A Sesai e o Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena de Porto Velho) afirmaram que adotaram todas “as providências possíveis para atender o paciente” e estão prestando assistência à família de Aruká. “A Sesai e o Dsei Porto Velho manifestam profundo pesar pelo falecimento desse grande guerreiro e cacique e se solidarizam com amigos e familiares neste momento de luto”, disseram.
Dados da Coiab apontam que 34.529 indígenas da floresta Amazônica brasileira foram infectados pelo novo coronavírus, sendo 783 mortes registradas em 107 etnias em decorrência da covid-19. O levantamento mostra ainda que no Amazonas já são 8.674 indígenas infectados pelo vírus e 252 óbitos registrados em 38 etnias.