Morre um dos mais famosos bispos da Igreja Católica no Brasil
Dom Pedro Casaldáliga dedicou e arriscou a vida na defesa dos posseiros e dos indígenas da Amazônia
Dom Pedro Casaldáliga, o bispo catalão que dedicou e arriscou a vida na defesa dos posseiros e dos indígenas da Amazônia, morreu neste sábado (8) às 9h40, em Batatais (SP), aos 92 anos.
Um dos líderes mais influentes da Igreja Católica no Brasil e na América Latina das últimas décadas, dom Pedro foi uma voz incansável contra o latifúndio e em favor da reforma agrária. De sua prelazia, participou, ao lado de outros bispos progressistas, da criação do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Seu velório acontecerá em três locais. Em Batatais, neste sábado, a partir das 15h, na capela do Claretiano. Em Ribeirão Cascalheira (MT), onde o corpo será velado no Santuário dos Mártires, a partir de 10 de agosto. E em São Félix do Araguaia (MT), sua cidade adotiva, onde o velório será no Centro Comunitário Tia Irene e onde o corpo será sepultado.
A missa de exéquias será celebrada em 9 de agosto, às 15h, em Batatais, e será transmitida pela internet.
Dom Pedro Casaldáliga morreu devido a uma infecção respiratória que evoluiu para embolia pulmonar. O teste para Covid-19 deu negativo. Ele estava internado há mais de uma semana e foi levado para Batatais na terça-fdeira (4).
A sua trajetória no Brasil começou em 1968, quando a busca para servir os mais pobres e injustiçados o levou a trocar a Espanha franquista por São Félix do Araguaia, então um povoado de 600 habitantes no interior de Mato Grosso.
A viagem por terra desde o interior de São Paulo durou uma semana. Logo no primeiro dia, o missionário claretiano encontrou quatro corpos de bebês mortos, acomodados em caixas de sapato diante de sua casa para que fossem enterrados.
“Ou vamos embora daqui agora mesmo ou nos suicidamos ou encontramos uma solução para tudo isto”, disse ao seu companheiro missionário Manuel Luzón, segundo a biografia autorizada “Descalço sobre a Terra Vermelha” (Unicamp), do jornalista Francesc Escribano, principal fonte de informações para este texto.
Esses primeiros anos foram de aprendizado sobre a dura realidade local. Em longas viagens de barco e por estradas precárias para chegar a comunidades isoladas, ele improvisava missas com cachaça e bolacha no lugar do vinho e da hóstia.
As condições miseráveis da população, na maioria retirantes do Nordeste, e os abusos cometidos por grandes fazendeiros respaldados pela ditadura militar causaram profunda indignação em dom Pedro. Adepto da ação e admirador do revolucionário argentino Che Guevara, incentivava ações de resistência de posseiros, como derrubadas de cerca dos grandes proprietários.
Em 1970, o padre escreveu o primeiro de vários textos-denúncia que o tornaram conhecido no Brasil e no exterior. “Escravidão e Feudalismo no norte de Mato Grosso”, que descrevia os desmandos na região, foi enviado a autoridades da Igreja e do governo e motivou as primeiras acusações de que era agente comunista.
No ano seguinte, o papa Paulo 6º o nomeou bispo da prelazia de São Félix. Na cerimônia, à beira do rio Araguaia, substituiu a mitra e o báculo por um chapéu de palha e o anel de tucum (palmeira amazônica), presente dos índios tapirapés. Logo, o anel se tornaria o símbolo da adesão à Teologia da Libertação, corrente influenciada pelo marxismo que defende uma igreja próxima dos pobres.
Nessa época, dom Pedro publicou o seu texto mais conhecido, “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o Latifúndio e a marginalização social”, no qual fazia uma minuciosa denúncia contra grandes proprietários de terra.
“Se ‘a primeira missão do bispo é a de ser profeta’, e o profeta é a voz daqueles que não têm voz (card. Marty), eu não poderia, honestamente, ficar de boca calada ao receber a plenitude do serviço sacerdotal”, escreveu na introdução.
Dom Pedro chamou de “absurdas” as dimensões dos latifúndios da região, listando-os um a um. “A injustiça tem um nome nesta terra: latifúndio. E o único nome certo do desenvolvimento aqui é a reforma agrária.”
O desafio aos latifundiários colocou sua vida em perigo em vários momentos. Na primeira tentativa de assassinato, em 1971, um pistoleiro confessou ao bispo que havia sido contratado para matá-lo. Com a ajuda da igreja, ele fez a denúncia à polícia e fugiu da região.
O episódio mais sangrento aconteceu em outubro de 1976 no povoado de Ribeirão Bonito, hoje a cidade de Ribeirão Cascalheira (MT). Dom Pedro e o padre jesuíta João Bosco Penido Burnier foram até a delegacia tentar resgatar duas mulheres que estavam sendo torturadas. Na discussão com policiais, o companheiro do bispo levou uma coronhada e morreu com um tiro à queima-roupa na nuca.
No plano nacional, a relação com a ditadura militar tampouco foi fácil. Crítico feroz do regime, só escapou de ser expulso por intervenção direta do papa Paulo 6º. Com medo de ter a entrada ao país negada, só viajou ao exterior após a redemocratização. Morreu, aliás, sem jamais ter voltado a sua Catalunha natal.