Morte após peeling de fenol: curso online em que influencer aprendeu a técnica custava R$ 500 e teve mais de mil alunos
Natália Becker cobrava R$ 4.500 por aplicação e fazia, em média, dois procedimentos por semana
Morte após peeling de fenol: A influenciadora Natália Becker, de 29 anos, indiciada por homicídio com dolo eventual após um paciente morrer durante o procedimento conhecido como peeling de fenol, em São Paulo, aprendeu a técnica em um curso online que custava R$ 500, pelo qual passaram mais de mil alunos.
Em depoimento à polícia, Natália afirmou ter feito o curso online da farmacêutica paranaense Daniele Stuart. Chamado de “Aula de peeling de fenol atenuado”, o curso é hospedado na plataforma online Hotmart. Segundo o site, teve mais de mil alunos matriculados. O valor das aulas é de R$ 500. Na clínica que mantinha na Zona Sul de São Paulo, Natália cobrava R$ 4.500 por aplicação e fazia, em média, dois tratamentos do tipo por semana.
No Instagram, Daniele Stuart afirma que utiliza um tipo de fenol chamado de “N.Face” nos procedimentos. Segundo Felipe Ribeiro, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia e coordenador científico da International Peeling Society (Sociedade Internacional de Peeling), o produto não tem comprovação científica. Procurada pela reportagem, a esteticista afirmou que vai “aguardar mais informações sobre o caso” e que no momento “não tem nada a declarar”.
Daniele vende diversos cursos de estética em suas redes sociais, onde tem 17 mil seguidores e dá dicas para profissionais que querem começar na área. Integrantes de conselhos de medicina afirmam que, pela legislação federal, procedimentos como o peeling de fenol não podem ser ensinados por pessoas que não são formadas em medicina. Existe, no entanto, uma zona cinzenta na regulamentação (leia mais abaixo) sobre quem pode ou não realizar os procedimentos.
Segundo Felipe Ribeiro, a formação para procedimentos do tipo demanda uma longa especialização:
— É necessário cursar os seis anos de medicina e fazer também os três anos de residência. Sou professor de uma disciplina de peelings químicos na Universidade de Mogi das Cruzes e nos dois primeiros anos de residência o aluno só observa a realização do procedimento, para somente no terceiro ano começar a fazer por conta própria — ele explica.
O dermatologista lembra que, para além da estética, o peeling com fenol também é utilizado para tratamento de prevenção em casos de possível câncer de pele.
— É um procedimento médico, que precisa ser ensinado por médicos. Se é realizado com a técnica correta, seguindo todos os padrões, o risco é muito minimizado. Sem a técnica adequada, pode causar parada cardíaca e o desfecho mais dramático é a morte — afirma.
De acordo com Ribeiro, é comum que dermatologistas atendam pacientes após complicações causadas durante apliações de peeling com fenol por profissionais que não são médicos.
— Hoje, quase metade dos meus pacientes vêm de complicações causadas por não médicos. “N.Face” (nome do produto que é utilizado por Daniele nas aulas) é um dos produtos usados por não médicos que não tem nenhuma comprovação científica — diz o dermatologista.
Limbo jurídico
Segundo Luciana Guimarães, advogada especialista em direito médico e da saúde, a legislação atual determina que procedimentos invasivos, como o peeling, devem ser ensinados por dermatologistas habilitados e em ambiente hospitalar.
— Apenas (podem lecionar) os que são membros da Sociedade Brasileira de Dermatologia — ela afirma.
Não é o caso de Daniele Stuart, que é farmacêutica. Em 2022, em uma ação movida pelo Conselho Federal de Medicina, a Justiça Federal anulou uma resolução do Conselho Federal de Farmácia que permitia que farmacêuticos realizassem procedimentos estéticos invasivos.
— É muito comum alguém dizer que pode realizar determinado procedimento porque o conselho da sua profissão permitiu, mas existe uma lei federal, a Lei do Ato Médico, que determina que qualquer procedimento invasivo que ultrapasse a epiderme é de exclusividade do médico — diz Jeancarlo Fernandes Cavalcante, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.
O professor titular da pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, Fernando Aith, no entanto, afirma que existe um limbo jurídico sobre quem pode ou não realizar procedimentos como o peeling de fenol.
— No Brasil, os conselhos são autarquias federais e podem se autorregular. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina vale tanto quando o de Farmácia e essas brigas acabam indo parar na Justiça. Isso tem acontecido muito no campo da estética. A Lei do Ato Médico não resolveu essa questão (dos procedimentos invasivos) e existe uma guerra entre os conselhos nessa área — afirma Aith.
Procurado sobre o caso, o Conselho Regional de Farmácia do Paraná não informou se farmacêuticos podem ou não fazer procedimentos estéticos, mas disse que vai instaurar um procedimento administrativo para apurar a conduta de Daniele Stuart. No site do Conselho, ela aparece como farmacêutica esteta “especialista em estética avançada e métodos invasivos”.
Em nota, a plataforma Hotmart, que hospeda o curso, afirma que “o produtor é responsável pelo conteúdo ofertado e que atende às condições exigidas por lei para exercer a profissão. A companhia também oferece um canal de denúncia para que qualquer pessoa aponte eventuais descumprimentos dos Termos ou outras ilegalidades por parte dos produtores de conteúdo. A Hotmart segue à disposição das autoridades para colaborar com informações adicionais no decorrer das investigações do caso”.
O que é o peeling de fenol?
A técnica faz com que o fenol penetre na camada mais superficial da pele (epiderme), causando a necrose daquela “antiga pele” e induz uma reação inflamatória nas camadas mais internas da pele, como a derme. Ele estimula a produção de colágeno e consequentemente “nasce” uma pele mais rejuvenescida.
Quais são os riscos do peeling de fenol?
Apesar de não ser algo recente na indústria da beleza, especialistas da área alertam que o processo não é indicado para todas as pessoas, tem contraindicações e riscos.
— É uma queimadura programada, em que você remove toda a epiderme e uma parte da derme. Os resultados são brilhantes, mas é um procedimento que está em desuso. Ele é muito sofrido, há riscos altos para cicatrizes e manchas, a pessoas permanece de dois a três meses com o rosto vermelho, um mês sem sair de casa e uma semana sem nem abrir os olhos. Então, a despeito dos resultados, praticamente não se faz mais, e a procura é muito baixa — explica o dermatologista Salomão Jr.
*VIA O GLOBO