feminicídio

Morte de mulheres dentro de casa cresce 17% em cinco anos no Brasil

Na contramão, assassinato de mulheres nas ruas diminuiu 3%. Dados apontam crescimento no feminicídio entre 2012 e 2017

Cada vez mais, a mulher corre mais risco de morte dentro de casa do que nas ruas. Isso porque a morte violenta intencional de mulheres no ambiente doméstico cresceu 17% em cinco anos, enquanto o assassinato de mulheres nas ruas diminuiu 3% no mesmo período.

Os dados apresentados pelo Atlas da Violência 2019 apontam para uma escalada do crime de feminicídio entre 2012 e 2017. A publicação do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgada nesta quarta-feira (5) foi produzida em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Nesses cinco anos, o homicídio de mulheres cresceu 1,7%. Quando desagregamos os dados por local da morte, encontramos resultados com direções completamente contrárias”, explica o pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas.

“Questiona-se se esse aumento, que se vê nas manchetes e no debate, reflete um aumento efetivo no número de casos ou, por outro lado, uma diminuição da subnotificação pelo aprendizado das autoridades judiciárias sobre este tipo de crime”, diz.

Se, por um lado, os dados do Ministério da Saúde nos quais o Atlas se baseia não permitem elucidar a tipificação legal ou a motivação do agressor, por outro, o recorte do local do crime sugere tratar-se de uma morte violenta perpetrada por um conhecido da mulher vítima.

“A literatura internacional traz evidências de que 90% das mortes dentro de casa são cometidas por alguém conhecido. E, portanto, o dado é o que chamamos de proxy [um dado utilizado para substituir outro de difícil mensuração] para o crime de feminicídio”, explica, apontando que muito provavelmente esses são casos de violência doméstica.

“Ainda que não haja uma correspondência exata entre feminicídio e morte em casa, este local da morte é um indicativo de feminicídio se considerarmos a premissa básica de que a casa é o lugar mais perigoso para as mulheres, que morrem mais nas mãos dos parceiros afetivos do que de quaisquer outras pessoas”, explica a socióloga Wânia Pasinato, especialista em violência de gênero contra as mulheres.

Segundo ela, o aumento discrepante das mortes de mulheres em casa por arma de fogo (cuja taxa aumentou 30% em dez anos) em relação ao dado global de mulheres (21% no mesmo período) é a primeira evidência empírica das consequências do desmonte das políticas públicas para mulheres ocorrido a partir de 2015.

“Estávamos esperando que algo assim acontecesse quando assistimos à redução dos orçamentos para políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e ao desmantelamento dos equipamentos públicos de atendimento a mulheres em situação d evidência doméstica”, aponta a pesquisadora.

Entre 2014 e 2016, a dotação orçamentária da Política para as Mulheres teve redução de 40%, segundo dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Em 2017, essa verba sofreu nova redução da ordem de 52%.

“Hoje, a situação é tão grave que não conseguimos saber quanto equipamentos estão funcionando no país”, relata Pasinato. “E o aumento dessas mortes é um provável indicativo da retirada do investimento do governo federal e da falta de compromisso das administrações estaduais e municipais em manter esses equipamentos. As mulheres estão vivendo um grande desamparo.”

As que mais sofrem com a violência são as negras. Enquanto a taxa delas é de 5,6 mortes por 100 mil habitantes, o índice das mulheres não negras (brancas, amarelas e indígenas) é de 3,2. As mortes de pardas e pretas também aumentam em maior velocidade: cresceram 30% entre 2007 e 2017, diante de uma alta seis vezes menor entre as não negras.
LGBTI+.

Outro grupo que teve aumento nas notificações de agressões foi o da população LGBTI+, que, segundo o Atlas, sofrem um processo de invisibilidade da violência sofrida, uma vez que o registro policial ou de óbito não descreve orientação sexual ou de gênero da vítima.

Por conta dessas limitações, o Atlas baseou seu estudo em duas fontes: nos registros administrativos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, e nas denúncias registradas no Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

A primeira delas, analisada pela primeira vez pelos pesquisadores, aponta que houve um aumento de 10% nas notificações de violência contra gays e de 35% contra bissexuais de 2015 para 2016, chegando a um total de 5.930 casos naquele ano.

Mais da metade das vítimas é mulher e cerca de 70% dos agressores são homens. Esse número inclui agressões físicas, psicológicas, sexuais, tortura, entre outras. Já os dados do Disque 100 mostram um aumento de 127% nos homicídios contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros entre 2016 e 2017. Essas mortes pularam de 85 para 193 no período.

“Ainda que os dados sejam frágeis, eles são um sinal dos tempos”, diz Daniel Cerqueira, do Ipea. “Tanto a morte de mulheres em casa como a de pessoas LGBTI+ apontam para o crescimento de alguns tipos de crimes de ódio, que não são ligados a questões econômicas, mas a valores. Ainda não temos condições de avaliar por que isso está acontecendo nos últimos anos.”