Decisão

Motorista de aplicativo processado por estupro de passageira sob efeito de álcool é absolvido por falta de provas no RS

'Se a ofendida bebeu por conta própria, dentro de seu livre arbítrio, não pode ela ser colocada na posição de vítima de abuso sexual pelo simples fato de ter bebido', diz trecho da decisão

Um motorista de aplicativo condenado pelo estupro de uma passageira embriagada acabou absolvido em segunda instância por falta de provas, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Com base em um laudo pericial e no relato de testemunhas, o juiz de primeira instância sentenciou o réu a 10 anos de prisão em dezembro. Nas últimas semanas, porém, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado atendeu ao recurso da defesa, considerando que não ficou comprovado que a mulher perdeu os sentidos por conta do álcool e que, por esse motivo, não seria possível afirmar que ela não consentiu o ato. O Ministério Público recorre da decisão.

Entre os motivos para absolver o acusado, a relatora Cristina Pereira Gonzales argumenta que “a ofendida admitiu o consumo de álcool naquele dia” e que “por vezes já se colocava nesse tipo de situação de risco, ou seja, de beber e depois não lembrar o que aconteceu”.

“Ora se a ofendida bebeu por conta própria, dentro de seu livre arbítrio, não pode ela ser colocada na posição de vítima de abuso sexual pelo simples fato de ter bebido”, diz a decisão. Seu voto foi acompanhado pelos outros dois membros do colegiado, os desembargadores João Batista Marques Tovo e Lizete Andreis Sebben.

Trecho da decisão que anularam a condenação por estupro (Foto: Reprodução)

A sentença de primeira instância, que condenou o acusado, destaca que laudos periciais, um laudo de verificação de violência sexual e o relato de testemunhas as provas orais comprovam o fato e a autoria. Ressalta que, “em situação traumática como essa, e estando sob efeito de substâncias que causam torpor e sonolência, é compreensível que a vítima perca a noção do tempo”. Reitera, também, a necessidade de tratar a passageira como vítima, uma vez que seu relato é coerente, seguro e claro e, à luz das provas colhidas, não merece ser desacreditado.

O magistrado também destaca que as testemunhas de defesa não ajudaram a elucidar os fatos, já que não presenciaram os fatos que antecederam a ação e apenas puderam narrar o que lhes relatou o acusado. E que as testemunhas de acusação não teriam motivo para acusar falsamente o motorista.

“Restou amplamente comprovado que a vítima estava com sua capacidade de reação anulada, por embriaguez completa, ao ponto de ter que ser conduzida por terceiros (segurança do estabelecimento), necessitar de ajuda dos amigos para desbloquear o celular e chamar um carro, e de deitar-se no banco traseiro do veículo, não sendo crível, pois, a alegação da defesa de que, durante o deslocamento do local da festa até sua casa, teria recobrado a consciência, ao ponto de manter fluente conversação com o acusado e, assim, teria consentido em manter relações sexuais”, diz o texto.

Procurado, o MP informou que impetrou embargos declaratórios à decisão do colegiado. No recurso, alega que houve omissão por parte da Câmara Criminal em sentido de atentar para as provas testemunhais, que dão conta que a vítima estava em situação que não possibilitava reação ou consentimento. Os embargos, ressaltou o órgão, são preparatórios para o ingresso de recursos junto ao STJ e STF. Já o TJ-RS ainda não retornou aos contatos da reportagem.

A denúncia

De acordo com a denúncia do MP, o caso ocorreu na madrugada do dia 24 de fevereiro de 2017. Testemunhas relataram que, após consumir quantidade elevada de álcool, a mulher passou mal em uma festa e precisou de ajuda para pedir a viagem de volta para casa. Chegando ao destino, o motorista teria desembarcado junto à passageira, sem finalizar a corrida, e levado-a para o quarto, onde a teria estuprado. Apontaram, ainda, que a viagem de cerca de 15 minutos durou por volta de 1h.

No dia seguinte, a mulher acordou sem se lembrar direito do ocorrido, com hematomas, e deu falta de seu celular. Ao ligar para o próprio número, o motorista teria atendido e perguntado se ela tinha alguma doença sexualmente transmissível. Ele também teria exigido R$ 50 para devolver o aparelho, e depois voltou à casa da passageira para pedir que ela retirasse a denúncia, pois é casado e tem família para sustentar.

A versão da defesa

O réu, porém, alega que foi convidado pela vítima a entrar. A esposa do motorista declarou, em depoimento, que o marido contou a ela que estava sendo acusado de estupro em decorrência de uma traição.

Segundo o motorista, ele e a passageira conversaram durante toda a viagem. Ao chegarem, ela o teria convidado para entrar. O homem afirma ter recusado, respondendo que estava trabalhando, era casado e tinha filhos, mas, diante da insistência, aceitou.

Ao entrarem, ele teria questionado se a passageira realmente desejava que ele ficasse, e ela teria respondido que sim. Voltando para casa, o motorista teria se sentido culpado pela traição e, durante o trajeto, parou em um fast-food para comprar um lanche para a esposa. Neste momento, relata a mulher, ele percebeu que teria ficado com o celular da passageira, e preferiu não voltar no mesmo dia porque já era tarde.