Mudança no ICMS pode tirar até R$ 21 bilhões da educação, diz estimativa
Uma mudança na cobrança do ICMS dos combustíveis e da energia elétrica pode tirar de…
Uma mudança na cobrança do ICMS dos combustíveis e da energia elétrica pode tirar de R$ 19 bilhões a R$ 21 bilhões dos orçamentos estaduais e municipais de educação, de acordo com dois estudos diferentes. As estimativas foram feitas, respectivamente, pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
Na quarta-feira da semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar que prevê um teto de 17% na alíquota para o ICMS cobrado sobre os combustíveis e a energia elétrica, limite menor que o praticado em muitos estados.
O projeto ainda precisa passar pelo Senado, mas já gerou fortes reações entre especialistas de educação, entidades da área e gestores estaduais e municipais. Procurado para comentar as estimativas de perdas, o MEC não se pronunciou até o fim desta edição.
O ICMS corresponde a cerca de 60% dos valores do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o principal mecanismo de distribuição de verba da educação pública municipal e estadual no Brasil. Se essa arrecadação diminuir, caem os orçamentos para as escolas públicas no país, além daqueles destinados à Saúde e à Assistência Social. De acordo com o Todos Pela Educação, essa perda seria de 8% do Fundeb, um valor muito relevante neste momento de enormes desafios educacionais.
“Vai faltar para custeio e investimento. Os municípios vão ter que continuar honrado com o salário dos profissionais, que teve um aumento de 33% nesse ano. Não vai ter dinheiro para o custeio, que é a água, a energia, a internet, as reformas, e o investimento, que é a compra de materiais didático, de equipamentos de informática, reforma e ampliação das unidades escolares, de mobiliário”, detalha Luíza Teixeira, vice-presidente da Undime representando o Nordeste e secretária de educação em Crateús (CE), que considera o projeto “o novo desmonte da educação brasileira”.
Entidades como o Todos Pela Educação, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a própria Undime se manifestaram em repúdio ao projeto. Todas reforçaram que a aprovação poderá acarretar em escassez de recursos para cumprimento da ampliação do piso salarial do magistério, para obras escolares, insumos didáticos e administrativos e na operação de transporte escolar.
Nas contas da Comsefaz, que fez a projeção menor, a redução seria de até R$ 16,7 bilhões dos fundos estaduais do Fundeb e de R$ 2,5 bilhões da complementação da União ao Fundeb.
Para se ter noção do tamanho do rombo, R$ 19 bilhões é o dobro de todos os gastos — discricionários e obrigatórios — do MEC com educação básica em um orçamento em que não entram as transferências de recurso para o Fundeb. Também é cinco vezes todo o dinheiro que o MEC manda para estados e municípios para ajudar no pagamento das merendas, valor insuficiente para cobrir todos os pagamentos. É maior também que toda complementação da União deu em 2021, de R$ 17 bilhões.
Além de reduzir o valor gasto por ano com aluno nos municípios mais pobres, a mudança anularia todas as conquistas do Novo Fundeb, que ampliou os recursos para a educação.O Fundeb reúne 27 fundos (26 estaduais e 1 do Distrito Federal) que serve como mecanismo de redistribuição de recursos destinados à Educação Básica. Após cada estado contribuir com a arrecadação, o dinheiro é redistribuído de acordo com a quantidade de matrículas escolares. Do IMCS, 20% automaticamente é destinado ao fundo, que ainda recebe complemento de recursos da União.
“Momento desafiador”
O Todos Pela Educação lembrou que o Fundeb “é responsável por reduzir 70% da desigualdade de investimentos em educação e ampliar em dez vezes o investimento mínimo por aluno no país” e que a mudança atingiria o ensino público “no momento mais desafiador para a recuperação dos direitos de aprendizagem das crianças”. Para a ONG, o Congresso deve agir com prudência para não penhorar o futuro do País em nome de efeitos macroeconômicos de curto prazo, que “sequer são garantidos”.
A entidade alertou que a aprovação do projeto pode impedir desenvolvimento de novos projetos, como “expansão do atendimento em tempo integral, provisão de carga suplementar de trabalho docente para atividades de recuperação de aprendizagem, organização de equipes de psicólogos escolares e programas de formação de educadores”.
A Undime afirmou que haverá consequências nas políticas de equidade nas despesas educacionais, revertendo os “efeitos das recentes conquistas na educação básica pública”.
Coordenadora da Campanha Nacional Direito à Educação, Andressa Pellanda diz que a aprovação do Fundeb foi “a principal conquista para o direito à educação em décadas”.
“O Congresso precisa manter seu compromisso assumido constitucionalmente, precisa ser coerente e isso significa não aprovar esse retrocesso “, afirmou.
Presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, Nelson Cardoso afirma esperar que governadores e prefeitos contestem o PLP. O secretário estadual do Paraná, Renato Feder, estimou perdas de R$ 6,3 bilhões para o estado e pediu que o Senado rejeite a o teto do ICMS. Para Cardoso, o projeto é “mais um reflexo do caos” da gestão na educação brasileira.
“Qualquer redução no Fundeb causaria transtorno, porque o que tem hoje já não é o suficiente. Precisaríamos aumentar os recursos, não diminuir. Muito o que se conquistou na aprovação do novo Fundeb acabaria indo para o ralo, se essa aprovação acontecer”, diz.
Pesquisador do Ipea e professor da Escola de Políticas Públicas da FGV, Paulo Meyer Nascimento destacou que municípios e estados com menor poder de arrecadação, hoje mais dependentes do Fundeb, serão os mais prejudicados.
“Muitas vezes, as prefeituras só têm os recursos do Fundeb, então não conseguiriam compensar com outras fontes”, afirmou o especialista, que lamentou a escolha política de se privilegiar subsídios a combustíveis fósseis em detrimento de investimentos sociais.
“Estão trocando a educação das nossas crianças por gasolina mais barata. Por mais que preço de gasolina impacte em outros setores, é preciso deixar claro a escolha que está sendo feita. Por mais que decidam subsidiar o preço do combustível, haveria formas mais inteligentes para isso”, conclui.