Protestos

Mulheres, estudantes e sindicatos adaptam protestos em reação a ato endossado por Bolsonaro

Líderes dos atos de oposição ao governo se mobilizaram nas últimas horas para discutir a reação à convocação dos bolsonaristas, agendada para o próximo dia 15

PT decide não aderir ao 'fora, Bolsonaro' em meio à pandemia do coronavírus. Partido alega que o foco continua sendo o enfrentamento da crise. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Atos de rua que já vinham sendo organizados por grupos de mulheres, organizações estudantis e centrais sindicais para o mês de março foram ampliados para incorporar uma resposta à manifestação que mira o Congresso endossada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Líderes dos atos de oposição ao governo se mobilizaram nas últimas horas para discutir a reação à convocação dos bolsonaristas, agendada para o próximo dia 15. Na terça-feira (25), Bolsonaro estimulou a iniciativa de seus apoiadores ao encaminhar a amigos um vídeo em apoio ao protesto.

Três grandes atos já vinham sendo preparados por opositores para março: um no dia 8, por ocasião do Dia Internacional da Mulher; outro no dia 14, quando se completam dois anos do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL); e outro no dia 18, em defesa da educação.

Os eventos, que são propagados por meio de redes sociais e devem ocorrer em vários estados, são organizados por movimentos feministas, por entidades sindicais e pela UNE (União Nacional dos Estudantes), com o apoio de partidos de esquerda como PSOL, PT e PC do B.

Porta-vozes confirmaram à reportagem que os motes iniciais ganharão agora a companhia de bandeiras como a defesa da ordem democrática e da Constituição, em contraposição a pautas autoritárias que são defendidas por parte dos grupos apoiadores do ato do dia 15 -como fechamento do Congresso e pedido de intervenção militar.

“A pauta das liberdades democráticas é parte das demandas do ato e seguramente será levantada com toda a força”, diz Erika Andreassy, uma das articuladoras do protesto Mulheres contra Bolsonaro, marcado para o dia 8 na avenida Paulista, em São Paulo.

Segundo Erika, que faz parte do movimento Mulheres em Luta, a notícia de que Bolsonaro ajudou a divulgar a mobilização dos seus seguidores foi repudiada pelas organizações que convocam marchas em prol da mulher em todo o país.

Os detalhes sobre a inclusão do tema serão decididos até a próxima semana. A ideia é buscar um contraponto assertivo. Na origem, o ato já mirava nominalmente o presidente por considerar que o governo promove corte de direitos e sinaliza ameaça à democracia.

A descrição do evento no Facebook destaca o lema: “Por nossas vidas, democracia e direitos! Justiça para Marielle, Claudias e Dandaras!”, em referência a mulheres que protagonizaram casos célebres de violência.

“Em um momento em que o governo faz esse tipo de ameaça autoritária, esse tema se coloca como prioritário para nós”, acrescenta a advogada Carla Vitória, militante da Marcha Mundial das Mulheres, lembrando que a defesa da democracia já vem aparecendo nos atos anuais da data.

Nesta quinta-feira (27), representantes de dez centrais sindicais se reuniram em São Paulo e decidiram que todas as atividades em defesa de trabalhadores marcadas para março serão ampliadas com a reação ao ato endossado por Bolsonaro.

O foco inicial era fazer uma série de paralisações e protestos, especialmente na área da educação pública, no dia 18. Organizações como CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores) e CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular Conlutas) estão à frente da mobilização.

“O momento político é delicado, pois a convocatória para uma manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal se soma a outros episódios de ataque à nossa democracia por parte do presidente da República e seu grupo político”, afirmaram as centrais, em nota.

Segundo Atnágoras Lopes, da secretaria executiva da CSP-Conlutas, “diante do claro risco às liberdades democráticas, houve a decisão conjunta de incorporar as ameaças mais recentes ao chamado do dia 18, que também busca a valorização do serviço público”.

“Os que convocam esses atos [pró-governo] têm por trás a defesa do viés de um regime ditatorial”, segue ele. De acordo com Lopes, a orientação é fortalecer também as mobilizações dos dias 8 e 14.

No encontro desta quinta, as centrais se comprometeram ainda, conforme registrado em comunicado, a “potencializar esses movimentos em todo o país por meio de suas bases sindicais”, unindo “todas as forças sociais na defesa das instituições e do Estado democrático de Direito”.

“O dia 18 vai ser um contraponto ao dia 15”, diz Guilherme Boulos (PSOL), coordenador da Frente Povo Sem Medo e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

“O dia 18, além dos temas de educação, servidor público, direitos e emprego, após o discurso antidemocrático que Bolsonaro impôs, com ataques à imprensa e a movimentos sociais, vamos chamar com o mote de ditadura nunca mais”, completa Boulos.

“Bolsonaro já ultrapassou todos os limites. É preciso aumentar o tom da reação e da resistencia nas ruas. Dia 18 vamos ter essa reação”, afirma ele. A Frente Povo Sem Medo e o MTST também endossam os atos dos dias 8 e 14.

A UNE, que já puxava os protestos do dia 18 em defesa do ensino público, também incluirá críticas ao ato convocado por bolsonaristas. Nas redes sociais, a entidade passou a explorar o assunto na quarta-feira (26), com frases como: “Bolsonaro, respeite a democracia!”.

“O ato do dia 18 começou como uma construção dos movimentos estudantis e ganhou a adesão dos servidores públicos. Agora passa a ser também uma resposta a essa iniciativa antidemocrática, que fala em fechamento do Congresso e do Supremo”, diz o presidente da UNE, Iago Montalvão.

As críticas ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, continuarão sendo o mote central do protesto, mas dividirão espaço com o novo tema. “Não vamos abrir mão da pauta da educação, afinal é um dos ministérios com o maior número de problemas e críticas”, afirma Montalvão.

Em 2019, as políticas de educação do governo provocaram três ondas de manifestações Brasil afora, a partir de março.

Na internet, a UNE conclamou seguidores a não “naturalizar os ataques à democracia” e escreveu que “não é de hoje que o presidente Bolsonaro flerta com o período de exceção”. As postagens foram acompanhadas da expressão “#marçodeluta”.

Partidos de oposição reforçaram a necessidade de resposta. O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, afirmou nesta quinta, em uma rede social, que 18 de março será o “Dia Nacional de Mobilização contra Bolsonaro” e assumiu a defesa de impeachment do presidente.

“Suas inclinações golpistas são indisfarçáveis. É hora de mostrar que não aceitaremos esse absurdo. A saída é a rua!”, escreveu.

O PT, que, como revelou a Folha de S.Paulo, vê motivo para impeachment, mas evita por ora fazer a defesa pública da medida, divulgou nota favorável às manifestações contra Bolsonaro. O partido incentivou filiados e apoiadores a se somar aos atos dos opositores.

O ato pró-governo previsto para o dia 15 está sendo convocado por movimentos de rua nascidos nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) e que aderiram ao bolsonarismo. O principal meio de divulgação são plataformas digitais como o WhatsApp.

Os grupos negam defender pautas autoritárias, como fechamento do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal). Em suas páginas nas redes sociais, porém, a discussão avança e inclui as duas demandas, além da defesa de um novo AI-5, ato que iniciou o período mais repressivo da ditadura militar.