Norma do Parlamento Europeu aumenta pressão contra o desmatamento no Brasil
No começo de 2021, a União Europeia começará a discutir uma norma que poderá aumentar…
No começo de 2021, a União Europeia começará a discutir uma norma que poderá aumentar a pressão contra o desmatamento no Brasil.
Empresas que vendem para a Europa terão de provar que seus produtos foram feitos sem contribuir com a destruição de biomas como a Amazônia e o Cerrado.
A proposta mira especialmente a soja e a carne de boi, dois dos principais produtos vendidos pelo Brasil aos europeus. A mesma exigência se aplicaria também a empresas europeias que venham a investir dinheiro no Brasil — como bancos e fundos de investimento.
Só em carne de boi, o Brasil vendeu aos países europeus US$ 560 milhões em 2019. No mesmo ano, a venda de soja para os países do bloco trouxe para o Brasil US$ 6,05 bilhões, o equivalente a R$ 32,5 bilhões.
A proposta foi aprovada pelo Parlamento Europeu no fim de outubro, na forma de uma resolução apresentada pela eurodeputada alemã Delara Burkhardt, do Partido Social-Democrata (SPD). Agora, diz ela, a Comissão Europeia apresentará o projeto de uma nova norma sobre o assunto, já no primeiro semestre de 2021.
Diferente do Congresso Nacional brasileiro, o Parlamento Europeu não possui iniciativa legislativa — isto é, não pode dar início à tramitação de leis. É por este motivo que o projeto de lei será formulado pela Comissão Europeia, como explica Delara.
“Depois, haverá negociações entre o Parlamento Europeu e os Estados-membros (da União Europeia). Por último, o Conselho Europeu terá de aprovar o instrumento legal que nós formularmos”, disse ela em entrevista à BBC News Brasil. A conversa foi conduzida no começo de novembro.
“Na verdade, esta foi a primeira proposta de resolução aprovada pelo Parlamento Europeu vinda do Comitê de Meio Ambiente (equivalente à Comissão de Meio Ambiente na Câmara e no Senado brasileiros). Então, é um momento histórico”, diz Delara, que é graduada em ciência política e tem apenas 28 anos de idade.
“A atual presidente da Comissão Europeia, a Ursula Von der Leyen, disse que vai apoiar toda iniciativa do Parlamento Europeu que tenha maioria legislativa. Então, ela basicamente está obrigada, por suas palavras, a apoiar propostas legislativas como esta”, disse Delara à BBC News Brasil.
“A proposta concreta que eu apresentei na resolução é a de que produtos agrícolas vindos do Brasil só possam entrar em mercados europeus se ficar demonstrado que não contribuíram para o desmatamento e a destruição de ecossistemas como o Pantanal ou o Cerrado, além da Amazônia”, diz ela.
“Além disso, esses produtos vindos do Brasil e de outros países não podem ter contribuído para a violação de direitos humanos, de direitos de propriedade, ou direitos de populações indígenas”, completa.
“Minha proposta obriga as companhias que trazem estes produtos aos mercados europeus a realizar diligências prévias (do inglês “due diligence”: uma investigação sobre determinado produto ou empresa), e a serem transparentes a respeito de toda sua cadeia produtiva”, diz Delara.
“Precisam esclarecer, por exemplo, se a produção daquela commodity (produto agrícola ou mineral não processado) implicou na transformação de áreas preservadas em terra cultivada, ou se levou à degradação ou desmatamento de alguma área”, diz ela.
“A questão, no fundo, é: ‘como nós, enquanto União Europeia, podemos parar o desmatamento que é provocado pelo nosso consumo (de produtos agrícolas), e que medidas vamos tomar para isto'”, diz a eurodeputada.
Segundo a parlamentar, o consumo dos moradores da Europa é responsável por cerca de 10% do desmatamento global. E até 20% da carne bovina e da soja que é exportada pelo Brasil para os países do bloco estaria associada ao desmatamento, de acordo com ela.
Em termos globais, diz Delara, 80% da destruição de florestas tropicais causada pela agricultura é provocada por três produtos: carne bovina, óleo de palma e soja. Estes três são o alvo principal da resolução, junto com café, cacau, borracha natural e couro.
“Algumas empresas agiram voluntariamente para tentar parar com o desmatamento, mas obviamente esse esforço não teve sucesso até agora. Não existem, até o momento, normas que garantam que se nós comemos chocolate ou tomamos café na Europa, que nós não estejamos contribuindo para o desmatamento”, diz ela.
Meio ambiente como foco de tensão
A proposta de Delara começa a ser debatida em um momento no qual o meio ambiente é o principal ponto de tensão entre o Brasil e os países do bloco europeu.
Em meados de novembro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tensionou a relação com os países do bloco ao dizer que apresentaria uma lista de países que compram madeira irregular do Brasil, fruto de desmatamento — mais tarde, acabou recuando e não apresentou a tal relação. Em uma live com apoiadores, porém, Bolsonaro mencionou especificamente a França.
O presidente brasileiro também aproveitou dois discursos recentes, nas cúpulas do G20 (grupo das vinte maiores economias do mundo) e dos BRICS para fazer críticas veladas aos países desenvolvidos que criticam a política ambiental brasileira. No encontro do G20, por exemplo, Bolsonaro disse que o Brasil sofre “ataques injustificados”, que seriam perpetrados por “nações menos competitivas e menos sustentáveis”.
A deterioração das relações com a Europa também acontece num momento em que os países do bloco discutem a ratificação do acordo comercial fechado em meados do ano passado com o Mercosul, após 20 anos de negociações. Para entrar em vigor, o acordo precisa agora ser ratificado pelos parlamentos nacionais dos 27 países-membros do bloco europeu — e pelos quatro países do Mercosul.
Delara Burkhardt garante, no entanto, que seu projeto de resolução não afetará diretamente as chances do acordo comercial ser ratificado. “Mas eu penso que, se a gente tiver um acordo Mercosul-EU, então uma lei sobre cadeias de suprimentos, como é esta, será ainda mais relevante, na medida em que teremos ainda mais trocas de mercadorias entre os países do Mercosul e a União Europeia”, diz ela.
‘Imagens da Amazônia queimando acenderam o alerta na Europa’
Embora a resolução não se aplique somente ao Brasil, Delara diz que o aumento nos incêndios florestais em 2019 e 2020 no país foram uma das motivações para a nova norma. As imagens do fogo na Amazônia e no Pantanal serviram como um alerta para muitos europeus, disse ela.
Em 2020, a Amazônia brasileira registrou até o fim de outubro 89,6 mil focos de incêndio — o número é maior do que o registrado em todo o ano de 2019, que por sua vez já tinha quebrado o recorde de vários anos anteriores.
“Outros países, como a República Democrática do Congo e a Indonésia, dividem com o Brasil o ‘top 3’ de lugares com mais desmatamento. Mas é justo dizer que o Brasil tem um dos principais problemas, pois um terço da perda de florestas tropicais no mundo em 2019 ocorreu no Brasil. E nenhum outro país no mundo tem tantas florestas tropicais”, diz Delara Burkhardt à BBC News Brasil.
“Ninguém põe em dúvida o fato de que o Brasil tem soberania completa sobre a sua porção da Amazônia”, diz Delara.
“Mas também temos que ver que a Floresta Amazônica é de fundamental importância para toda a humanidade. Portanto, se vamos ser parceiros comerciais, precisamos pedir ao governo brasileiro que gerencie a floresta de forma que ela beneficie a todos, e não apenas um punhado de produtores de soja e carne”, diz ela.
Governo brasileiro projeta imagem ruim
A eurodeputada diz ainda que a imagem do governo brasileiro comandado por Jair Bolsonaro “não é muito boa” na Europa, principalmente por causa da questão ambiental.
“Temos um ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles) que fala abertamente contra a proteção ambiental. E temos vídeo de Salles dizendo aos seus colegas de ministério que a crise do coronavírus deve ser usada para flexibilizar a proteção da floresta tropical”, diz ela, referindo-se à reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cuja gravação foi divulgada na íntegra por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
“É visto como um governo que está trabalhando ativamente contra as leis ambientais que estão em vigor no Brasil, e que pressiona ativistas que defendem parâmetros mais altos de proteção ambiental (…). A maioria das pessoas aqui está realmente preocupada com a possibilidade de que o Brasil deixe de ser um parceiro importante no combate à mudança climática”, diz a eurodeputada.