Violência

Número de assassinatos no Brasil cai 10% em 2018, mas polícias matam mais

Isso significa que 1 em cada 10 mortes violentas no país é causada por um policial. Apesar disso, é consenso entre especialistas que a evolução dos assassinatos nunca pode ser explicada por um só fator

Goiás é o único estado do país a não informar números de mortes por policiais

O número de assassinatos no Brasil caiu pela primeira vez em três anos. Foram 57.341 casos em 2018, patamar inferior ao registrado em 2014. Por outro lado, o número de pessoas mortas pela polícia no país bateu recorde no mesmo período, chegando a 6.220 casos. Isso significa que 1 em cada 10 mortes violentas no país é causada por um policial.

Os dados são do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça-feira (10) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A organização compila informações das secretarias de segurança estaduais sobre homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes em decorrência de intervenções policiais. A soma dessas informações gera o que o Fórum chama de mortes violentas intencionais, índice que ajuda a medir a violência no país.

É consenso entre especialistas que a evolução dos assassinatos nunca pode ser explicada por um só fator. A diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, afirma que há três principais hipóteses para a redução de mortes no Brasil.

Primeiro, um trabalho específico de governos estaduais, que criaram políticas em seus estados para a redução de assassinatos, em geral com coordenação do trabalho de polícias, e conseguiram baixar suas taxas de violência. É o caso do Espírito Santo ou de Pernambuco, que tiveram quedas entre 2017 e 2018.

Em segundo lugar, afirma, há o papel das facções criminosas, com um conflito entre PCC e Comando Vermelho que estourou em 2016 e chegou ao seu ápice em 2017, deixando um rastro de sangue sobretudo no Norte e Nordeste do país, o que elevou o índice de homicídios naquele ano.

Por fim, há o aspecto demográfico, com a queda de natalidade no Brasil. A última pesquisa Atlas da Violência fala em redução de 25% na proporção de homens jovens (de 15 a 29 anos) até 2030 na população brasileira, perfil que compõe a maior parte das vítimas de homicídio no país.

O governo de Jair Bolsonaro (PSL) e alguns governos estaduais citam também as políticas mais duras de segurança pública como fator de dissuasão de criminosos, o que contribuiria para a tendência de queda dos índices que, segundo dados preliminares, se mantém este ano, após sua posse.

Apesar da redução recente, entretanto, o Brasil ainda é um dos países mais violentos do mundo, com taxas de assassinatos muito maiores que a de países como México, Argentina, Estados Unidos ou Portugal.

São Paulo é o estado com a menor taxa de assassinatos do país, tendo registrado 9,5 mortes a cada 100 mil habitantes em 2018. É também um dos estados em que a polícia mais mata: 19,7% das mortes violentas foram causadas por policiais.

Os dois fatores, porém, nem sempre se relacionam. No Rio de Janeiro, 22,8% das mortes violentas em 2018 foram cometidas por agentes de segurança, enquanto a taxa de assassinatos é de 39,1 casos por 100 mil moradores, muito acima da média do país, de 27,5/100 mil, e com um recuo de 3% em relação ao ano anterior. É do Rio, aliás, que veio um quarto de todas as 6.220 mortes por policiais no Brasil. Foram 1.534 em terras fluminenses no ano passado.

Leandro Piquet, professor da Universidade de São Paulo, afirma que os dados podem mostrar “muito mais um descontrole do que uma efetividade”. “O Rio tem vivido uma situação de descontrole em função da falta de política de segurança pública”, afirma ele. “Uma polícia mais agressiva e descontrolada gera respostas mais violentas por parte do crime, numa espiral de violência policial e violência criminal.”

As mortes por policiais mantêm a tendência de alta ao menos desde 2016 (antes disso os dados eram menos confiáveis). Houve alta de 20% em 2018 sobre 2017 e de 47% em relação a 2016. Uma análise do perfil dos mortos pela polícia no Brasil mostra que a maior parte das vítimas é negra (75,4%), estudou apenas até o ensino fundamental (81,5%) e tem entre 18 e 29 anos (68,2%).

Esses fenômenos todos são comumente associados, por diferentes lados, ao governo Bolsonaro, já que o presidente foi eleito com um discurso fortemente baseado na segurança pública. Governistas, e o próprio ministro da Justiça, Sergio Moro, exaltam uma redução de homicídios no país. Opositores afirmam que o discurso belicoso do presidente reflete nas instituições policiais, que acabam por matar mais. A pesquisa do Fórum mostra, porém, que essas são tendências que já vinham desde o último ano do governo Michel Temer.

José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário Nacional de Segurança Pública, afirma que não há indícios de que a redução de homicídios esteja relacionada à violência policial. “O que nós percebemos é que a polícia tem que estar nos pontos de alta incidência de crimes, onde acaba tendo confrontos letais. O que pode haver é uma relação entre letalidade policial e crimes patrimoniais, como roubos”, diz.

ASSASSINATOS E SUICÍDIOS DE POLICIAIS

Por outro lado, o país conseguiu reduzir o número de policiais mortos, de 373 em 2017 para 343 no ano seguinte. Três quartos dessas mortes são de policiais que estavam fora de serviço no momento dos assassinatos.

“A maior parte das mortes provocadas por intervenções policiais aconteceu com policiais em serviço. Mas a maior parte dos policiais que morrem está fora de serviço. São fenômenos distintos. Pode ser porque os agentes estão fazendo bicos e morrem quando criminosos descobrem que eles são policiais. Pode ser porque policiais estão mais suscetíveis a reagir. Isso mostra como os policiais ficam vulneráveis fora do horário de trabalho”, afirma Samira Bueno, que estudou a letalidade policial em sua pesquisa de doutorado.

A pesquisa mostra também que 104 policiais se suicidaram no Brasil no ano passado. A maior parte deles (80) era policial militar -no ano anterior, foram 73 suicídios, 52 de policiais militares. Os estados com mais casos são os dois mais populosos -São Paulo (com 30 suicídios) e Minas Gerais (14)-, seguidos pelo Paraná (11 suicídios, sendo que sua população é menor que as de Rio de Janeiro e Bahia).

Para Elisandro Lotin, sargento da PM de Santa Catarina e presidente da Associação Nacional de Praças, o dado mostra “a omissão do Estado, que deixa de tratar os vários problemas que a profissão do policial traz, como o estresse”. “O policial é vendido como herói, um super-homem, quando é apenas um ser humano. E uma hora ele explode”, afirma.

Prova disso, diz ele, é que há estados que nem sequer sabem informar quantos policiais se mataram. É o caso de Espírito Santo, Mato Grosso, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins.

Lotin chama atenção ainda ao fato de que, por lei, entre 10% e 15% do Fundo Nacional de Segurança Pública deve ir para a melhoria da qualidade de vida de agentes de segurança, o que, segundo ele, não ocorre.

FINANCIAMENTO DA SEGURANÇA

Em 2018, foram gastos R$ 91,3 bilhões com segurança pública no país, maior valor desde 2011. 81% disso veio dos governos estaduais, que financiam as polícias Civil e Militar. Embora tenha a menor taxa de assassinatos do país, São Paulo é, proporcionalmente, um dos estados que menos investe em segurança -5,4% de todas as despesas do governo em 2018 representavam gastos com segurança pública.

Alagoas é, proporcionalmente, o estado que mais investe: 13,6% do total das despesas vão para a área da segurança, segundo o anuário. É, também, um dos estados mais violentos do país, com 45,8 assassinatos a cada 100 mil habitantes.

ARMAS DE FOGO

Os dados do Fórum mostram ainda que aumentaram 7,5% em 2018 as ocorrências de posse e porte ilegal de arma de fogo em relação ao ano anterior. No ano passado, 112,3 mil armas de fogo foram apreendidas pelas secretarias de segurança dos estados. A pesquisa mostra que uma pequena parcela delas estava registrada (5,6%).

Facilitar o acesso a esse tipo de armamento foi uma das principais bandeiras do governo Bolsonaro durante a campanha. A posse (direito de ter uma arma) foi flexibilizada assim que o novo presidente assumiu, em janeiro deste ano.

Para liberar o porte (direito de carregar uma arma), porém, o presidente teve dificuldades com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. A base aliada do presidente na Câmara, agora, articula a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para incluir esses direitos na Constituição.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública publica os dados da segurança no país uma vez por ano. A organização separa as unidades federativas em quatro grupos de qualidade da informação -os piores são Roraima e Tocantins, que a organização afirma que “não há como atestar a qualidade dos dados, pois a UF optou por não responder o questionário de avaliação.” As informações são fornecidas pelas secretarias de segurança pública de cada estado.